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domingo, 31 de março de 2013

Movimentos vitais

Voltávamos de uma viagem longa, no último dia de um feriado de Páscoa. Nós e nossas respectivas namoradas tínhamos passado um tempo que há muito havíamos nos prometido: quatro dias de praia, de diversão, quatro dias de conversa gostosamente jogada fora, quatro dias que, apesar do cansaço, serviriam para renovar nossos ânimos e nos encher de alegria para continuar a batalha diária que cada um enfrenta.

Mas é mágica esta vida; se não mágica, ela é dona de uma tão poderosa capacidade de surpreender, que muitas vezes o rumo que a gente toma parece ter sido determinado mais por ela do que por nós mesmos. Aquele caminho de volta que fazíamos era o de sempre. Tão de sempre que, se eu ligasse o piloto automático, o carro chegaria sozinho,

Gostaria que tivesse sido assim naquele dia. De repente meus olhos começaram a avistar mais carros que o normal, e não os via mais ao longe, mas podia contemplar suas placas e até detalhes das pessoas que estavam dentro deles. Era o trânsito parando. Parava à minha frente, acumulavam-se carros à minha direita, à minha esquerda e atrás de mim. E, de uma hora pra outra, eu já não era mais dono dos meus movimentos. Não podia mais escolher o caminho a seguir.

Só eu estava acordado no carro até aquele momento. A falta de movimento fez um deles acordar; era a namorada de FG, perguntando numa voz mole e ainda de olhos meio fechados o que é que tinha acontecido. Ainda embebido em sono, FG puxou a cabeça dela para seu ombro, de modo que, sentindo-se mais acomodada, suspirou mais fundo e voltou a dormir. Desperto de seu sono, FG tomou a palavra:

- Sabe, Ever, tava aqui pensando. Porque nessas horas aqui, dá vontade de sair correndo ou de me resignar xingando meio mundo. Parado e meio cochilando, me lembrava de momentos em que eu tinha liberdade de movimento. Lembrava de momentos em que eu podia escolher para onde ir, como ir, quando ir. Lembrava de quando eu saltava no rio: subia no barranco, escolhia um ponto e dali pulava rio a dentro. Ou, me embrenhava pelo mato à procura de uma árvore cujo galho se estendesse para cima do rio: subia na árvore, da árvore no galho, do galho no rio: tchibummm! Ou simplesmente entrava no rio pela margem, como a coisa mais normal do mundo. Tempos bons...

Diante de sua pausa longa, eu disse:

- Pois eu me lembrava aqui de quando estava no mar, agora mesmo, há pouco tempo, antes de estar parado na estrada. No mar, a gente está dentro de uma imensidão, a gente está dentro daquilo que mais tem no nosso mundo: água. No mar, a gente pode estar em contato com a água, a terra e o ar ao mesmo tempo. E, numa viagem muito doida pensando que o sol é fogo constante, a gente poderia até afirmar que está em contato com os quatro elementos vitais: o fogo, a água, a terra e o ar.

- Verdade, Ever - continuou meu amigo já afastado do sono -. E no mar a gente acha que tá. Tá é nada. Tem hora que a gente tem vontade se sair nadando pra dentro daquele mundão de água salgada, mas não pode; tem hora que a gente que ficar parado na frente daquelas ondonas, mas não pode; mesmo as  ondas pequenas interferem no nosso movimento, alteram nosso comportamento. Acho que o mar domina as pessoas  fazendo a gente achar que ele é dominado. Talvez ele nos dê a sensação de liberdade determinando os nossos movimentos.

- Então, FG. Acho que é assim na vida, viu, rapaz?!

Entre suspiros e mudanças de posição das namoradas, ele me perguntou:

- Assim como, Ever?

- Sei lá, rapaz. Tem hora que umas ondas jogam a gente pra lá, pra cá; fazem a gente raspar o joelho na areia ou tomar um caldo nela, rolando por baixo d'água. Tem hora também que uma estrada que parece certa, que vai fluindo e permitindo a gente chegar em casa com tranquilidade, de repente para. E assim, parada, deixa a gente sem ação. Tem carro por todos os lados. Nem que se queira pegar uma via lateral isso é possível, até porque não é nosso caminho natural. Tem que tocar a vida em frente.

- Sei, não - surpreendeu-nos a todos a minha namorada - minha vontade é sair desse carro e ir andando a pé.

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