Valeu a visita!

Daqui pra frente, divirta-se trocando ideias comigo.
Conheça meu outro blog: http://everblogramatica.blogspot.com.br

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A voz do filho



Nesse mundo em que vivemos, uma das coisas mais importantes para a manutenção da nossa existência é ter voz. Claro que não me refiro apenas ao aspecto orgânico da voz, ou somente à capacidade de saber entoá-la afinadamente, mas, sobretudo, ao fato de poder falar para ser ouvido. Saber valer-se da voz para intervir em situações importantes é, mais que um dom, uma grande responsabilidade na condução dos processos em que estamos envolvidos.

Por essa razão, assumir a responsabilidade pelo que se faz com a voz é uma das habilidades de maior importância nos dias atuais. Não é o que se vê rotineiramente, uma vez que há quem só fale por falar, justamente porque há quem só age por agir. Tão irresponsavelmente algumas pessoas falam, que chega a causar asco o quase nulo grau com que respondem pelo que dizem ou fazem.

Às vezes, alguns filhos sabendo que, até por uma questão de respeito, serão ouvidos, fazem mau uso da voz e passam a chantagear seus responsáveis, com argumentos que beiram o patético, isto é, aquela margem em que predomina quase totalmente a emoção, em detrimento da razão. A encontrarem um ouvido que é sensível a esta "voz", praticam uma tirania absurda e chegam a dominar pais e responsáveis.

Há pais que, por superproteção ou por vergonhosa incapacidade de dar à voz do filho apenas a extensão que cabe a ela. Feitos de gato e sapato, muitas vezes são colocados em situações ridículas, apenas pelo fato de serem chamados à razão por alguém que lhe despiu a chantagem em que se viam envolvidos. Pais assim, filhos assim, se cantarem cantarão mal; se falarem prestarão desserviço por absoluta irresponsabilidade. Não se pode dar voz de mais nem voz de menos.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A água e o gato escaldado



Todo mundo conhece ditados populares, principalmente porque eles têm a capacidade de resumir em poucas palavras uma situação de alta complexidade. Às vezes, com um humor que disfarça no riso a gravidade da situação. Às vezes, com uma gravidade que faz calar qualquer possibilidade de surgimento de algum riso. Entre tantos que povoam nosso secular cotidiano, penso aqui, por exemplo, naquele que diz que "gato escaldado tem medo de água fria".

Explicar ditado popular deve ser tão sem graça quanto explicar piada. Sem graça para quem explica. Sem graça para quem recebe a explicação, sobretudo, porque tem uma aura de obviedade que chega a ser irritante para ambos os lados. Vou, mesmo assim, me atrever (e já me desculpar) a explicar que escaldar significa queimar algo pelo efeito da água fervente. Por essa razão, se passar pela experiência de ser escaldado, qualquer gato passará a temer até água fria.

Tenho pensado nesses dias, principalmente considerando que a consciência dos meus 45 anos tem-me chegado com mais força, em como eu já deveria saber uma série de coisas. Não vou dar uma de Sócrates e dizer que "tudo que sei é que nada sei". Mas vou dar uma de mim mesmo e dizer que tenho vergonha de não saber algumas coisas, sobretudo, no que tange aos relacionamentos interpessoais e destes em relação aos contextos em que ocorrem. Já fiz muitas coisas que hoje eu teria algum receio de fazer, justamente para não me escaldar. Algumas coisas que me dão prazer, por exemplo, como cantar. 

Já desafinei bastante, já não achei o tom no qual deveria encaixar minha voz. Já perdi a hora de ir buscar minha filha de alguma festa em plena madrugada. Já não soube achar a razão para guiar meu discurso na hora em que faltam a paciência e o equilíbrio. Já quis deixar de estar em certas situações nas quais eu sempre quis estar. Em todas elas, tenho uma vontade imensa de obter algum sucesso. Entretanto, a água quente que me escaldou em situações anteriores libera um calor tão forte, que eu dou um passo para trás desconfiado, sem saber se o calor é da água ou da minha imaginação.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Alegria em dobro



Neste ano, tenho tido o privilégio de provar uma mesma alegria pelo menos uma vez por semana. Minha profissão me permite vivenciar essa alegria todos os dias, na verdade; mas o caso que vou relatar aqui me dá uma satisfação enorme a cada vez que a experiência acontece. Como professor, acho que o que é essencial precisa ser repetido, então faço questão de repetir aqui que a maior alegria da minha vida é, sem sombra de dúvida, a existência das minhas filhas. Depois disso, uma das coisas que mais me alegram é poder perceber alguém aprendendo comigo. Mudando seu estado cognitivo a partir de uma intervenção minha que lhe dê condições de construir algo novo em sua consciência.

Atendo em meu escritório diversos alunos, de séries diferentes e, obviamente, de idades e necessidades cognitivas diferentes. Entre eles há uma menina, que comecei a acompanhar neste ano. Ela está apenas em seu décimo segundo ano de vida e uma enorme carência de conhecimento que a trouxe até mim. Em cada aula, a experiência de aprendizagem tem sido, literalmente, visível. E, como não poderia deixar de ser, tem sido absoluta e irrestritamente gratificante. Minha função é trabalhar com ela condições que lhe favoreçam a aprendizagem, sobretudo, de leitura, em geral, e de operações matemáticas, em particular.

Na primeira aula, enquanto ela me trazia uma pequena dúvida de História, notei que ela desconhecia o sentido da palavra "eurocentrismo". Aquele foi o pontapé inicial que despertou toda esta fonte de alegria que venho experimentando. Notei que ela não dominava a formação da palavra, pois não associava Euro a Centrismo. E não era uma questão apenas de fatos históricos ou de concepções localizadas de mundo. Era mesmo uma questão linguística e geográfica. Aquela foi a situação que me permitiu organizar uma situação em que ela pudesse entender não só o que era Europa e Centrismo, mas também o que era a Europa como continente, assim como a Ásia, a Oceania, a África, e as Américas do sul e no norte.

Na aula seguinte, suas questões eram matemáticas. Na continuidade da lição de História, ela não sabia identificar e muito menos calcular os séculos e a distância entre eles. Não sabia o que era porcentagem. Não sabia o que era fração. Nem na prática nem na representação gráfico-matemática. Brilhavam suas retinas como diamantes em lapidação (ah! é isso??? Que legal!!). Na semana seguinte, ela veio me contar, com uma alegria indescritível, que ela mesma parou para ensinar à mãe, o que tinha aprendido comigo. Alegria em dobro.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O que há de mais velho em mim?



Os jornais de hoje, em seu caderno de Ciências, estampam a notícia de que foi encontrado na Austrália aquele que seria considerado o pedaço de mineral mais antigo do nosso planeta. Uma peça pequena de zircão, de coloração azul, como se vê na foto acima, tem a idade correspondente a 4,4 bilhões de anos. Como se não bastasse, a descoberta mexe em outro ponto também: no tempo em que nosso planeta teria se resfriado, depois de passar pelo estágio da grande massa de magma incandescente.

Sempre respeitada a medição da idade das coisas, para a qual se usam técnicas como a do Carbono 14, é preciso considerar que essa é uma informação importante para a ciência no seu todo, mas também para um incomensurável grupo de pessoas que, em particular, gostaria de conhecer mais mistérios desta que é sua casa no mundo. Que seja esta uma entre muitas outras descobertas que possam nos ajudar a entender melhor o planeta a vida que há nele.

Não pude alimentar um ar de curiosidade quando passou pela minha cabeça a ideia de que há algo em nós que é criado primeiro. O que em nós passou a existir primeiro quando ainda habitávamos um útero? Suponho que seja o coração, que passa a bombear sangue já a partir da quarta semana de gestação (algum biólogo me ajude!!!). Mesmo assim, ainda que seja o coração o que há de mais velho em mim. Caso comece mesmo a bombear sangue já na quarta semana, para onde esse sangue seria bombeado? Se é assim, já haveria veias (logo, o coração não seria o primeiro... ai, meu Deus...)

Claro que, em todo bom devaneio em que me meto todo dia, passei a considerar também o que havia de mais velho em mim, tendo em vista não os aspectos físicos, mas os psicológicos, os emocionais, os espirituais. Ou ainda, a relação disso tudo. Será que todo mundo é gerado tendo início sempre a mesma parte? Que aspectos psico-emocionais e espirituais incidem sobre os físicos (e vice-versa)?

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Eu, um carro



Hoje foi um dia extremamente produtivo - aliás, o fim de semana todo foi muito produtivo. No sábado, atendi um aluno no escritório, e ele teve avanços significativo. Logo após, fui à feira de Empreendedores, onde fiz contatos muito importantes, além de algumas aquisições. Hoje acordei cedo e fui ao mercado, depois fui lavar o carro e, como já era caminho, fui fazer minha corrida dominical. E foi lá que me ocorreu a ideia desta crônica.

Neste ensolarado o domingo, com temperaturas bem altas que ainda não haviam me atingido às 9 da manhã, fui ao Museu do Ipiranga, onde sempre corro. E hoje uma sensação de superação gratificante tomou conta de mim, pois ao final do quinto quilômetro, enquanto corria os últimos metros, me desafiei a dar mais uma volta. Com mais velocidade. E foi o que fiz.

Curiosamente observei as coisas e pessoas que passavam por mim, em razão da velocidade que eu imprimia (nada além de 10km/h). O vento no rosto, as árvores, o chão, as costas das pessoas que eu ultrapassava em busca do meu objetivo de um quilômetro a mais. Não pude deixar de me lembrar de um dos maiores prazeres que tenho, que é contemplar a paisagem que passa por mim enquanto dirijo de uma cidade a outra, de um Estado a outro. Mas enquanto eu corria a pé hoje, fui passando de um estado a outro.

Foi inevitável abstrair aquela cena e pensar sobre as muitas ondas de vento que me trouxeram para onde estou; de pensar sobre as sombras e os frutos de árvores institucionais por onde passei; de pensar nas pessoas que habitaram minha vida e que ficaram para trás... tudo porque elas iam em busca de seus objetivos, e eu em busca dos meus. Como um carro, me vi na inexorabilidade do avanço, do mover-me para frente. Agora estou mais atento às coisas e às pessoas que estão passando por mim. 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Coração de estudante



Muito do que escrevo aqui são coisas que eu gostaria mesmo de dizer. Coisas que estão aqui dentro, desfrutando de um período maior ou menor de maturação. São coisas que verdadeiramente penso. E, quando as escrevo, digo para mim mesmo, embora muitas pessoas acreditem que eu esteja falando para elas ou para quem quer que seja. Este não é um espaço para nenhum tipo de recado, de indireta ou algo que o valha. 

Passo o dia e, de repente, "quero falar de uma coisa". Muitas vezes, não adivinho por onde ela anda. Apenas me faço de intermediário entre um pensamento e sua concretização em texto. Sai de "dentro do peito ou caminha pelo ar; pode estar aqui do lado, bem mais perto que pensamos"... esteja onde estiver, a cada final de noite sinto-me envolvido por este projeto e me entrego a ele.

Como um estudante ávido por aprender, por descobrir, por proporcionar momentos de possíveis reflexões rápidas e não rasteiras, curvo-me a cada dia diante do computador e alinhavo algumas palavras em torno de alguns sentidos. Momentos podados e destinos desviados, um sorriso de menino tantas vezes perdido volta-e-meia dão suas caras por aqui e fazem-se vistos dando um tom de melancolia que logo se apoia em um conjunto de enunciados "positivos", "pra cima" etc.

Há muita alegria e muito sonho espalhados no caminho deste estudante que há "que cuidar da vida e do mundo, tomar conta da amizade" para que seus dias sejam repletos de sorrisos que possam fazer com que o futuro seja de "verde, planta e sentimento, folha, coração, juventude e fé. Assim vai o blog, registrando pequenas cenas da vida, aliadas a comentários de um eterno estudante que sempre "quer falar de uma coisa."

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Amigo: sorrisos e braços abertos.


Eu não tenho a mais ínfima das dúvidas a respeito do fato de que "amigo é coisa pra se guardar debaixo de 7 chaves. Sempre faço questão de dizer que em toda minha vida, Deus me deu muito mais do que eu merecia ou precisava. Não me dou o direito de reclamar de um traço sequer da história desses meus 45 anos de vida. Um dos pontos pelo quais mais sou grato todo santo dia é o que diz respeito aos amigos. Soube me cercar de pessoas boas e soube escolher aquelas com quem eu me identifico a ponto de estabelecer uma amizade fundada no respeito e na co-laboração.

Milton Nascimento tem razão quando diz que "amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito". Realmente é assim, e não o é apenas por um sentimento piegas de amizade verdadeira, sentimentalista ou qualquer coisa que o valha. É antes porque os sentimentos que nos elevam ou nos assolam, assaltando os sorrisos ou as lágrimas do "lado esquerdo do peito",encontram eco nos amigos, que estarão de sorriso aberto para compartilhar a alegria ou de braços abertos para nos receber na tristeza.

"Mesmo que o tempo e a distância digam 'não'", é absolutamente justo confessar que não importa mesmo que seja à distância de metros ou de milhares de quilômetros, é sempre possível contar com essas pessoas que são quase uma extensão de cada um de nós. É preciso confessar que, ainda que o tempo insista em calar as pequenas enormes conquistas, elas se mantêm vivas e irremediavelmente sonoras na memória de cada minuto que se partilha com amigos.

"O que importa é ouvir a voz que vem do coração", por mais piegas que isso possa parecer (como, aliás, está parecendo este texto), as palavras trocadas com os amigos têm um quê a mais de força, de divindade, de anímico, que merecem ser ouvidas tim-tim por tim-tim. "Seja o que vier, venha o que vier", vai estar ali o cara que nos ouviu sobre o muro do desespero, quando estávamos apertados nas curvas dos pontos de interrogação existencial; o mesmo cara que vai escancarar gargalhadas, virar madrugadas, participar de corridas ou de partidas de futebol. Naturalmente, em relação aos amigos, também estamos disponíveis a ele.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Caça Dor de Mim



Gosto da ideia de que "a vida me fez assim", porque, mesmo sendo a vida  em grande parte o resultado das nossas escolhas, das nossas ações e reações, também parece haver um quê que é mesmo dela. Não sei bem (e quem sou eu para saber) o que é mesmo dela e o que é obra minha. Sei que "doce ou atroz, manso ou feroz", cada um de nós está aí em plena temporada de caça, caçando o que somos naquilo que estamos sendo.

Quisera tivéssemos a lucidez dos que se sabem completamente, daqueles que conseguem enxergar os caminhos de si próprios em meio às picadas e fins de picada desta trilha íngreme e esburacada que resolvemos fazer um dia. "Presos a canções e entregues a paixões", simplesmente seguimos pistas de João e Maria (que os passarinhos comem), ou mesmo seguir pegadas (que o vento esconde empurrando terra para cima delas), ou seguindo astros celestes que se apequenam por trás de folhas e frutos de árvores copadas que nos cobrem e nos levam para longe (?) de nós.

Fugindo "às armadilhas da mata escura", resta a cada um de nós "abrir o peito à força numa procura" daquilo que faz o sangue correr, que faz o coração bater, que faz todas as sinapses acontecerem (e que impede outras de se darem). O que de nós buscamos dentro de nós? Que nós? Que nós nós procuramos? Nós de laços? Nós cegos que constroem um muro que impede quem está dentro de ver fora e quem está fora de ver dentro.

A pergunta é: "onde se chega assim"? Talvez cheguemos a um lugar super distante de nós mesmos, tão distante que nos permita reconhecer o que somos exatamente onde não estamos. Ou não: como caçadores de nós mesmos, talvez cheguemos àquilo que nos "faz sentir". Aí, quem sabe, "por tanto amor, por tanta emoção" possamos estar naquilo que somos. Ou que estamos sendo. Está aberta a temporada de caça.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Travessia



Ontem falei de como a música "Travessia" marcou momento significativo da minha vida, e ainda marca a cada vez que a ouço ou que simplesmente leio sua letra. Não hesitaria dizer que há naquela composição um retrato em preto e branco do que vim a ser e continuo sendo hoje. São versos que, de alguma forma, como poesia pungente, sai da nossa boca e volta para nós mesmos.

Ao longo desses 45 anos de vida, eu fui um verdadeiro agraciado por Deus, na superação das dificuldades, muitas, que conheci na infância; na luta quase insana por uma boa formação acadêmica; nas tentativas de obter uma colocação profissional satisfatória; na constituição da minha família; na manutenção e tentativa de melhoria daquilo que, graças à ajuda de muitos, pude conquistar. Nisso tudo e em muito mais, a cada segundo da minha vida, sei que Deus me destinou muito carinho.

Nem mar nem rosas nem mar de rosas: revezes pontuais, pungentes como lança afiada para ferir e não para matar, me fizeram buscar forças que mal sei de onde para poder executar minha travessia. Juntamente com Raul ("Tente outra vez"), ouvia Milton ("Vou querer amar de novo; e, se não der, não vou sofrer"). Botei amor na boleia do caminhão e segui viagem. Minhas filhas e meu trabalho foram os principais recebedores da carga que estava naquele caminhão. Os demais são meus amigos, e eles sabem que o são.

Em plena travessia, no alto de uma ponte que ainda não sei bem aonde vai chegar, tenho empedernido o coração, uma espécie de rocha metamórfica que, muito embora eu queira acreditar no contrário, me dá a nítida sensação diária de que "já não sonho; hoje faço com meu braço meu viver". Assim, tateando a estrada empoeirada em que o caminhão se encontra, contemplando verdes e ex-verde, "solto a voz nas estradas, já não quero parar. Meu caminho é de pedra, como posso sonhar?" A mim me cabe apenas completar a "Travessia".

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Apenas aguenta



Esse mineiro Milton Nascimento não é mineiro. É, na verdade, carioca, nascido em 1942. Mas, com dois anos de idade, perdeu sua mãe e acabou sendo educado por sua tia, que era professora de música, e o marido dela, que era dono de uma estação de rádio em Minas Gerais. Daí parecia estar selado o futuro do rapaz. Tornou-se simplesmente genial em suas composições de versos diretos, enxutos e contundentes - tal qual a poesia de outro mineiro (esse, sim): Drummond.

Minha primeira lembrança de Milton remonta ao ano de 1977, quando vim morar em São Paulo com minha mãe, depois de ter passado 3 anos em Minas Gerais, sob responsabilidade de meus avós e tias. Pois naquela vilinha em que morávamos na Rua Frei Gaspar, na Mooca, uma vizinha sempre ouvia (alto, como não poderia deixar de ser) diversas músicas e, entre elas, "Travessia" - música com a qual, 10 anos antes, Milton conquistara o segundo lugar no Festival Internacional da Canção. Essa música representa várias travessias para mim. Mas vou falar de "Travessia" amanhã. Hoje, não.

A segunda forte lembrança que tenho de Milton marcando minha vida já é da época em que fazia teatro. Lembro da gente apresentando peça em Bauru-SP. A certa altura da peça, com o elenco todo no palco, cantávamos "Maria Maria" com tanta emoção, que a plateia passava a nos acompanhar. De um ponto para frente, passamos a cantar apenas o trecho "De uma gente que ri quando deve chorar, e não vive, apenas aguenta". E o repetíamos. E o repetíamos...

Depois de repetirmos à exaustão e a plateia entender que tínhamos um propósito naquilo, todos no teatro passaram a repetir aqueles versos: "De uma gente que ri quando deve chorar, e não vive, apenas aguenta". Não tardou muito para a catarse começar a acontecer. Aos poucos lágrimas pediam licença para descer pelas faces de uns; outras saltavam vorazes querendo fazer-se vistas; outras ainda tentaram se esconder inutilmente face à força dos versos cantados. Por certo, sentiram a "dose mais forte e lenta" de quem "mistura a dor e a alegria".

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Nada era longe



Nesta semana vou tentar seguir um outro caminho aqui no Sempreever. Na semana passada, fiz uma incursão no que imagino ser uma parte do imaginário feminino acerca do homem perfeito. Nesta vou perseguir Milton Nascimento, esse mineiro que eu admiro incontestavelmente, tanto pela qualidade das composições de textos belíssimos, como também pela harmonia e melodia de suas canções. Não é à toa que ele é reconhecido e  premiado pelo mundo afora.

Hoje comecei o dia ouvindo uma música dele, e foi justamente nesta ocasião que me veio a ideia de pensar algumas de suas letras. A música era Bailes da vida. Naturalmente toda a letra é de uma beleza que, como a poesia igualmente mineira de Drummond, é banhada de simplicidade e  objetividade que faz as coisas serem ditas como são. E ponto. A música fala do percurso do artista que, "com a roupa encharcada e a alma repleta de chão", deve "ir aonde o povo está".

Um verso me chama a atenção. Eles estão na sequência, mas vou me referir a eles separadamente. O primeiro: "cantar era buscar o caminho que vai dar no sol". Por conta desse verso, fiquei com a letra na memória, cantando-a o dia todo (para mim mesmo, claro) e pensando em o que seria para mim o "cantar" a que se refere Milton. O que para cada pessoa é algo que representa buscar o caminho que vai dar no sol. Escrever, falar, cantar, ouvir, ver, tocar, compor, comer, correr, viajar, ficar, contemplar, ganhar, poder... Imagino que todos tenham um quê capaz de trazer a sensação de que, ao executá-lo, sente-se desfazer, embora não se canse.

O que ele canta a seguir também é de chacoalhar o pensamento e até sugere questionar o verso que citei acima. "Tenho comigo as lembranças do que eu era. Para cantar, nada era longe, tudo tão bom... até a estrada de terra na boleia do caminhão". O grande desafio, que poucas vezes eu consegui superar, é justamente o "era" (de "lembranças do que eu era", "cantar era"). Entre o pretérito imperfeito e o pretérito perfeito, sigo abraçando paixões que, depois de um tempo, viram lembrança e ficam na boleia do caminhão.

Para ouvir a música: http://www.youtube.com/watch?v=9S4d_SF8FkY

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Homem perfeito 7 - ele por si mesmo



Encerro hoje um conjunto de textos que tentaram (isso, todos) trazer à luz uma série de idealizações que, acredito, constituem grande parte do imaginário feminino. Em sua maioria derivada da educação tradicional conservadora, esta forma de ver e querer o homem é fonte de uma série de frustrações para muita gente, uma nascente de decepções que, como uma guilhotina da época da Revolução Francesa, decepam impiedosamente torres de castelos erigidos à beira do mais oco dos terrenos.

Esta minha tentativa certamente insuficiente em seu alcance e despretensiosa em sua origem nasceu de uma música que ouvi na manhã de domingo passado enquanto descia para meus exercícios regulares. Era a música Better Man, da banda Pearl Jam, que minha filha adora. A letra fala de um sujeito que é o homem de uma mulher, que, calada e inerte  espera encontrar um homem melhor. Melhor ainda vai, é uma ideia que dá para conceber como aceitável. O que não consigo conceber é a busca pelo homem perfeito. E pior ainda, o inconcebível top master plus: a espera pelo homem perfeito. 

O que há é o que há, por enquanto. Não sou como Parmênides que, muito antes de Sócrates, acreditava que "o que é é; o que não é não é nem pode vir a ser". Acho que tudo pode mudar. Para melhor. Para pior - o que também é uma questão de ponto de vista. O jeito gente de ser homem implica uma porção  generosa de dúvida, um flerte trêmulo com a incerteza, uma bile amarga de raiva ou ira, uma taça grande de lágrimas, uma vestimenta de mágoa, um calçado de trauma, uma luva de medo.

Junta-se a tudo isso uma série de imperfeições físicas que resultam em dores e limitações. Porém, não tenho a menor dúvida de que supera tudo isso, numa proporção gigantesca, a vontade de melhorar, de ser uma pessoa melhor, um homem melhor para si mesmo e para o universo que se habita. A guilhotina chegará mais cedo ou mais tarde, tanto para jacobinos quanto para girondinos. E vai decepar sonhos, ideais, promessas e esperanças. Enquanto sua lâmina não separa jugulares da existência, resta-nos continuar apenas sendo.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Homem perfeito 6 - o amigo



O povo sempre diz que amigo é aquele que não tem hora. O cara está para qualquer momento, seja lá qual for o problema que venha a demandar sua presença, sua intervenção. Quando se trata de um homem que faz essa função para uma mulher, esse sujeito é quase colocado num pedestal de ouro com aquelas folhas de louro olímpicas adornando. E ele vai preferir este papel a obter algum benefício "natural" deste apoio.

Ele é o cara para antes de a amiga assumir um relacionamento. É ele quem vai apoiar-se provavelmente na própria experiência, realmente vivida ou apenas acumulada, para dar à moça alguns conselhos a respeito do universo masculino, a fim de que a indefesa vítima de Cupido possa tomar uma decisão. Mais que isso, para as horas de alegria da nova relação, ele se torna o depositário das revelações amorosas, das confissões impudicas, de fazer corar qualquer cidadão que partilhe de valores (ao menos socialmente) castos.

Entretanto, quando a relação se encontra abalada, minima ou seriamente, é esse amigo que prestará socorro à vítima de Marte, o Deus da guerra. Como se fosse uma Atena (da sabedoria) ou uma Ceres (da fertilidade), esse amigo homem ainda vai entender a situação toda e explicar para ela o que aconteceu e o que vai acontecer dali para frente. Mais que isso, depois do fim da relação, ele ainda vai ser um cultivador das sementes de amor que a amiga precisa para germinar novamente.

Depois de agir como um maratonista, subindo e descendo ruas íngremes por mais de 40 quilômetros, sem que sobre uma "casquinha" para ele, sem que sobre uma sombrinha debaixo do sol que torra o coração da moça, o amigo perfeito vai começar a ver a amiga se restabelecer em suas emoções e se preparar para outra tentativa de relacionamento. E lá vai ele de novo, sem casquinha e sem sombra, rumo ao pedestal.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Homem Perfeito 5 - o amante



Quase um paradoxo tentar pensar o amante como um exemplo de homem perfeito. Não sei a quem cabe a perfeição imposta a ele, se é que isso existe mesmo, ou se pode existir. Será perfeito para ele próprio? Ou apenas para a amada? Está aí uma situação que muda "de repente, não mais que de repente", como disse Vinícius de Morais.

Pode ser que ele seja perfeito para si mesmo, no sentido de que preenche as condições requeridas por uma mulher que resolve apostar no corpo de outro homem o que lhe falta no relacionamento ou, mais amplamente, o que lhe falta na vida. Sim, porque pode ser uma insatisfação, uma carência oriunda das próprias condições impostas pelo modo como anda o casamento, e pode ser imposta por uma necessidade que existiria independentemente do casamento.

Também pode ser que ele seja perfeito apenas para ela, que transfere para ele a responsabilidade pelo complemento daquilo que falta ela, seja como esposa, seja como mulher. Um sujeito que se encaixa nos horários, nos locais, nos gostos e nas preferências dela. Um cara que, ainda que contra a vontade, acaba sendo o objeto dos sentimentos mais fortes dela; tanto que ele passa a ser a primeira informação que o cérebro acessa quando se pensa em gostar e em desejar.

Aí mora o ponto de incômodo para o amante, justamente no momento em que passa a ser cobrado dele um conjunto de deveres que cabíveis apenas ao marido: da mensagem breve ao longo discurso, do restaurante ao quarto, da mesa à cama, da lembrança ao presente. Aí, de amante perfeito, ele passa a se ver como alguém no momento perfeito de saltar da embarcação, porque, parafraseando Vinícius: fez de marido o que se fez amante.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Homem perfeito 4 - o marido



Desde séculos imemoriais muitas famílias educam as filhas a se dedicarem a um projeto de encontrar e conseguir um marido perfeito. Educadas para o casamento, cuidam-se, guardam-se, enfeitam-se, "vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas", como canta Chico Buarque, em Mulheres de Atenas. Aliás, como disse no primeiro texto desta série, Atenas é minha primeira referência do ideal de perfeição.

O que pensam essas mulheres que, não raramente, sonham em encontrar um marido que as tire da letargia de um sono no qual parecem estar afundadas com uma pedra ao pescoço e uma bola de aço em cada pé? Põem em mente serem objeto de desejo de um homem que seja gentil, educado, sensível às suas mais intricadas e legítimas dores, por motivos reais ou não.

Um sujeito que além disso tudo seja conhecedor de muitas coisas, da religião à filosofia, da física à biologia, da matemática à astronomia, das letras à música, da agricultura à arquitetura, do imanente e do transcendente que, de alguma forma, rege a forma de sonhar dessas pessoas. Um marido que, como se não bastasse todo o leque acima, também seja bonito, elegante, perfumado, atlético, disposto e disponível para todas as horas de amor singelo dedicado a uma pura, meiga e única mulher.

Um homem que seja forte o suficiente para enfrentar as próprias demandas da casa em que habita, assim como encarar diariamente a batalha do trânsito (sem se atrasar para o trabalho, sem se atrasar para casa), bem como receber e despachar todas as atividades que seu trabalho exige. Dessa batalha contra os moinhos de Cervantes ou contra os troianos de Homero, esses heróis voltaram tão desgastados, tão depauperados, que ao longo do tempo se tornaram uma espécie de D. Sebastião, que portugueses do século XVII cansaram de esperar. 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Homem perfeito 3 - o noivo




Terminei a crônica de ontem me referindo ao homem perfeito (na condição de namorado) como aquele que é um desbravador de escuridões. E parece-me isso mesmo, porque, ao menos por um tempo, o namorado é aquele que traz luz a um momento presente da vida de alguém e, mais que isso, enche de aroma as coloridas flores do jardim do futuro.

Penso que a intensificação desse papel cumprido com tanta eficácia leva o casal a solidificar suas esperanças de construção mútua de uma vida que lhes seja prazerosa, feliz e rica em sorrisos, abraços, passeios, viagens... ou, para sintetizar, como canta Vanessa da Mata: "não vai te faltar carinho plano ou assunto ao longo do dia". Bonito o fato de ambos se embrenharem na empreitada da construção. Construção de tudo: do relacionamento, do cotidiano, dos bens e serviços de que precisarão.

Apesar de muitos ventos batendo em contrário nessa embarcação, há um lado que ainda vigora fortemente e agita as velas: o de se esperar do "mancebo", como diriam os muito antigos, a condução do processo - desde a escolha das alianças, passando pelo pedido e chegando aos preparativos para o casamento. Este é o cara, este é o noivo perfeito, que se doa integralmente ao projeto.

O sujeito inabalável como o Sol, de fé inamovível como uma cordilheira, de força insuperável como de um tsunami... que tenha, ao mesmo tempo, refinada sensibilidade não só para perceber os momentos de delicadeza da amada, como também para poder expressar alguma solicitação interior de seu espírito. Isso tudo diante das demandas do dia a dia - dos preços, das discussões que quase põem fim ao noivado, dos estresses de trabalho, dos parentes chatos (de ambas as partes)... de tudo aquilo que faz parte do sujeito noivo, que de perfeito nada tem, apenas e tão somente um homem, só um nubente.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Homem perfeito 2 - o namorado



Não, não relatarei aqui algo que seja real, apenas ilações inconsequentes acerca do que penso que as pessoas imaginam sobre o homem perfeito, quando este ocupa a função social de namorado. Não tenho nenhuma autoridade, por exemplo, de um Chico Buarque, para cantar em verso - todo prosa - o eu-lírico feminino, com a sensibilidade e precisão mais que feminina que ele expressa. Também não tenho aqui a pretensão de falar exaustivamente sobre o tema, porque não cabe, porque não sou capaz, porque não quero.

O homem perfeito no papel de namorado é aquele que tem na moça amada toda a sua atenção, capaz de pensar nela a cada segundo do dia. Considerando todos os seus pensamentos, a cada segundo ela ocupa o primeiro. E esse pensamento se transforma em palavras que migram dele para ela por meio das mais diversas formas, pelos mais diversos meios, com uma intensidade que parece pulsar a cada letra, a cada sílaba, a cada palavra, frase (verso), parágrafo (estrofe)... a cada discurso.

Na posição de namorado, o homem perfeito é aquele que se sente tão intrinsecamente ligado à sua amada, que não é minimamente capaz de imaginar sua vida sem a presença da dela. É aquele que vê na vida dela o sentido da existência da sua própria vida, de modo que o momento presente é tão completamente preenchido, tão incomensuravelmente pleno, que se torna impotente para cogitar a possibilidade de admitir, quem sabe, um futuro sem a companhia dela.

O namorado que aparenta ser homem perfeito é aquele que abre portais de sonho, na presença de deuses, mitos, heróis e musas; um desbravador de escuridões, iluminando com suas palavras um futuro quimérico ("de quimeras mil, um castelo ergui"), tecendo com as veias de seu discurso um corpo onírico ósseo e muscular, nervoso e sensível. Este homem, a despeito do devaneio, do desvario e da desrazão, há de um dia ser acordado pelo corpo extenuado de sonhar, ou simplesmente com o som do despertador.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Homem Perfeito 1 - o ideal



Pear Jam é a banda preferida da minha filha, por isso, não só é comum ouvirmos suas músicas e assistirmos a apresentações, como também o é tocarmos as músicas dessa banda e conversarmos sobre algumas letras. Hoje enquanto descia para fazer minha corrida, fiz uma playlist só com músicas do Perl Jam. A primeira delas: Better Man. Conhecia, mas não havia prestado a devida atenção à letra (ou, como diria Goethe: não havia ligado importância).

Já na academia, coloquei aquela música para repetir diversas vezes. Foi aí que me veio uma série de reflexões sobre as quais eu gostaria de escrever aqui em sequência ao longo desta semana. Reflexões sobre o que seria o homem perfeito. Gosto do futuro do pretérito, e aqui eu o utilizei absolutamente consciente, no sentido de uma possibilidade condicionada a algo que não existe e que, portanto, não realiza a referida possibilidade.

O auge da minha ignorância localiza a ideia de perfeição (o que é verdadeiro, o que é completamente feito) naquele conjunto de ideias proposto por Platão pela alegoria presente Mito da Caverna - no capítulo VII de seu livro República. Depois me lembro dos quadros e das esculturas, das construções e dos discursos greco-romanos (aquela história do "ponto de fuga" geometricamente centralizado). Daí a ideia se espalhou e vigora ainda hoje, inclusive no imaginário feminino que espera um homem perfeito.

Vou tomar como pressuposto o fato de que homem perfeito, se existiu, deve ter ido com o Werther (de Goethe), deve ter se perdido como muitos quadros, ou virado ruína como muitas esculturas e construções greco-romanas, ou calado como muitos discursos. Entretanto, continua aparecendo para muita gente como sombras interpretadas como o ideal de perfeição em paredes de cavernas. Esse ideal será rompido a cada experiência e sempre se viverá em busca de um "better man", como canta Eddie Vedder, do Pear Jam.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Pôr um fio por um fio




Uma das maiores verdades que sempre soam com um misto de conformismo e repugnância é a de que nada é para sempre. Muita gente cantou isso, muita gente escreveu, outros tantos apenas pensaram sem admitir, e outros admitiram e pensaram. Espera-se que esta verdade também não dure para sempre.

A fruta que se encontra na fruteira colorindo a cozinha e dando a ela o seu aroma, em breve deixará de estar, assim como deixou de estar na prateleira do mercado, assim como deixou de estar pendurada numa árvore. E não se lembrará mais dela, porque não lembramos das coisas ou pessoas que se tornaram indiferentes na nossa vida. Ou lembramos pouco, com uma remota recordação ou com uma lembrança t]ao genérica, que não se reconhece mais o ponto original.

Quando começa a faltar o respeito, quando se começa a valorizar o que é próprio e não as coisas da própria relação (e às vezes, até, em detrimento da própria relação), quando a indiferença é o sentimento que impera em um ou em outro; quando qualquer outra pessoa é mais interessante do que aquela com quem se convive há dias, meses, anos... enfim, quando esses sintomas vêm, é um claro sinal de que algo precioso já se foi.

Mas funciona assim a vida, afinal as coisas têm ciclos, que são abertos, vividos e fechados. Independentemente do lugar ou da forma como as pessoas, coisas e suas  relações existam, todas elas estão fadadas a perecer. Em seu lugar outras florescerão e promoverão nova forma de vida, aprimorando a anterior, até deixar dela apenas vagas lembranças tênues como fio de corda pronta para se partir, pronta para partir.