Valeu a visita!

Daqui pra frente, divirta-se trocando ideias comigo.
Conheça meu outro blog: http://everblogramatica.blogspot.com.br

sábado, 23 de março de 2013

Se os olhos escrevessem...

Daquela vez FG não falou uma palavra sequer. Também pudera: ele não me viu chegar. Ele não tinha a menor condição de perceber que eu estava ali. Talvez não estivesse percebendo nada ao seu redor. Provavelmente não estava vendo nem a si mesmo. Não naquele momento. Estava absorto, extraído deste nosso mundo material, físico, presente.

Olhos fixos no nada que se colocava na frente de tudo que o rodeava, meu amigo FG dialogava consigo próprio num silêncio que era de matar, um silêncio pior do que qualquer tortura, um silêncio que certamente rompia o maior número de decibéis, um silêncio ensurdecedor que pressionava seus tímpanos com cada batida do coração, com cada pulsar do sangue que deslizava por veias e artérias daquele corpo inerte. Vivo,  sim, mas não no momento presente.

Fisgado por uma música, feito peixe traído pela beleza de uma isca que se apresenta dançando diante dele, apoiada na limpidez da água que enfeita qualquer ser que convive com ela, FG parecia se ver diante da tela do cinema onde assistiu um filme absolutamente marcante, um filme que tinha uma música tão forte que era capaz de enredá-lo de tal forma, que não conseguia deixar de ouvir os acordes de cada instrumento, a melodia que eles formavam, a letra que se deitava em compassos firmes, regulares e pulsantes.

Talvez se lembrasse da pessoa que o acompanhava naquela sala. Quem sabe não tenha sido alguém com quem um dia sonhou construir a mais bela das coisas: a vida. De si, da pessoa e, por que não?, de outras pessoinhas a quem chamaria de filhos. Ou, por ventura, não estivesse se lembrando apenas daquilo que sequer chegou a existir? Não sei, não sei. Se os olhos descrevessem letras, se os olhos escrevessem, talvez eu pudesse dizer com certeza o que se passava na cabeça e no coração do meu tão querido FG. Tão falante e, naquela hora, tão sufocado por uma enxurrada de lembranças caladas que calavam todos os seus movimentos.

Que era aquilo, meu Deus? Por que mares e oceanos mergulhava meu amigo? Pensava talvez em um ente que estivesse deixando de ser? Lembrava ele, quem sabe?, de tantos momentos que vivera com um amigo que se via agora abraçado inexoravelmente pelo laço daquela que ceifa o ar dos pulmões dos viventes? Lembrando dos jogos, das piadas, das noitadas, dos ombros amigos recíprocos, das dificuldades, das vitórias agora emudecidas?

Sei não, mas não parecia ser lembrança alegre, não. O cara estava estático. Ele parecia estar numa encruzilhada que não o permitia ir nem vir. Diante de uma bifurcação, de um caminho maniqueísta que parecia exigir dele, como num pacto com o sobrenatural, que dissesse se tal coisa era boa ou ruim, é boa ou ruim, será boa ou ruim. Não, seu espírito não parecia pronto para dizer isso. Então, provavelmente por isso, ele dava a impressão de sofrer naquele momento.

Me aproximei de FG. Cheguei muito perto dele. Muito. Em outras épocas adolescentes eu o assustaria. Talvez desse um tapão na sua nuca. Ou o incomodasse com um peteleco na orelha. Mas, não. Nada disso. Respeitei e muito o momento daquele cara que há tantos anos me oferecia de sua amizade sincera. Esperei que me visse. Esperei. Esperei. Ele não só não me viu, como parecia mergulhar mais naquilo que parecia fazê-lo sofrer. Pousei minha mão em seu ombro, e ele lentamente virou seu olhar para mim. Demorou algumas frações de segundo para me reconhecer. Quando isso se deu, sorriu triste. Assentou o espírito:

- E aí, Ever?

Nenhum comentário:

Postar um comentário