Valeu a visita!

Daqui pra frente, divirta-se trocando ideias comigo.
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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A segunda metade da vida



Minhas filhas e eu temos feito com alguma regularidade muitos exercícios físicos juntos aqui na academia do prédio. Hoje depois de chegarmos das atividades físicas e conversarmos sobre o nível de cansaço, ela estava inteira; já eu... naturalmente, não. Achamos divertido e, antes de me dirigir ao banho, disse-lhe: "É, filha, eu estou mais pra velho do que pra jovem".

Minha fala, na verdade, reforçava uma experiência que tive no meio da tarde, quando havia levado meu carro para lavar. Depois de deixar o carro nas mãos dos lavadores, fui para o local de espera, onde havia dois colegas de trabalho uniformizados esperando uma van ficar pronta. Ao lado deles, um senhorzinho de cabeça baixa, olhos no não e de cabelos todos brancos. Entre os dois rapazes e esse senhor, uma cadeira. Dirigi a palavra ao homem de cabelos brancos, perguntando se alguém estava usando aquela cadeira. Sem me entender, ele ergueu a cabeça, fixou os olhos em mim e me perguntou: Senhor?

Fui chamado de senhor por um simpático senhor de cabelos todos brancos que esperava a tarde passar esperando seu carro ser lavado. Claro que refiz a pergunta de modo mais direto para que me entendesse melhor e mais rapidamente, mas o fato de ele ter me chamado de senhor me fisgou a alma de alguma forma. Me lembrei de quando fui chamado de menino, rapaz, jovem, moço... mas de senhor... não tinha referência.

Pois é. O tempo nunca pede permissão para passar, assim como o sol nunca pede para nascer ou se por, nem a chuva pede permissão para cair. Estou mais para velho do que para jovem e sei que estou, desde os meus 40, na segunda metade da vida. Espero ter mais uns 30 anos de vida. Já estará de bom tamanho - afinal, o que passa disso, já diz a Biblia, "é enfado e canseira".

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Cíclicos cuidados



A vida tem provado para mim que ela tem uma característica bastante peculiar: o fato de ser cíclica. Em muitos e muitos exemplos ela oferece esta lição que, como uma boa e sedutora senhora sabedora das coisas, sempre deixa um quê de surpresa para mostrar a possibilidade de variação no interior do aspecto cíclico com que ela figura diante de cada um de nós.

Podemos pensar em epidemias que, com mais tempo ou menos tempo, geralmente voltam. Ou, ainda, pensar em maneiras de pensar ou de agir. Quem quiser pode pensar também em coisas mais (ditas) objetivas, como a ciência: certos alimentos muitas vezes são tidos como vilões, para logo depois voltarem como grandes auxiliares à saúde. É possível pensar ainda em estilos de música, de dança e de tantas outras coisas que deixam inequívocas a ideia de ciclicismo que marca esta vida que somos nós.

Hoje precisei ir a uma consulta médica para investigar algo de urgência. Claro que agendei para um horário que desse para eu levar minhas filhas para casa depois de sairmos da escola. Pode parecer pequeno, mas um gesto sublime marcou meu início de noite. Estava ainda no escritório, quando recebi um telefonema da minha filha, com a simples intenção de se informar sobre o diagnóstico que recebi na consulta.

Pequeno não é. É um gesto magnífico (magno, no sentido de grandioso), que marca não só o amadurecimento de uma adolescente, ou - o que para mim é de extrema importância - o afeto que vem desse simples telefonema. Acima de tudo isso, se me puser a refletir, este foi mais um exemplo de como a vida é mesmo cíclica, pois aí está um pai sendo cuidado pela filha; o mais velho sendo cuidado pelo mais novo. Estou certo de que meus netos cuidarão de minhas filhas.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Duendes doentes no arco-íris



É sempre bom poder começar uma turma nova de redação, especialmente quando os alunos ainda nem completaram 14 anos e estão no período da vida em que se descortina o mundo diante deles. Neste caso, um mundo bem mais rico em informações do que foi o meu quando tinha 14 anos. O potencial que esses alunos têm para desenvolver é enorme e minha vontade de que aprendam e de que peguem gosto pela escrita também é grande. Controladas as ansiedades, o processo de escrita fluirá.

Era a primeira aula hoje com a turma do 9º ano (na minha época, 8ª série), uma aula dobrada. Depois de fazer uma reflexão dialogada sobre as funções da escrita hoje, pedi a eles que pensassem em algo sobre o que quisessem escrever. Deixei livre que escolhessem o gênero em que mais tivessem habilidade e dei-lhes o tempo que sobrava da aula para que o concluíssem e me entregassem.

Antes de escrever uma aluna, muito educada, mas um tanto insegura e ansiosa, tomou a palavra e me perguntou: "Mas sobre o que eu vou escrever? Sobre duendes no arco-íris?". Senti alguma ansiedade mesmo em sua fala, respirei e - como havia entendido "doentes" em vez de "duentes", fiz-lhe uma sugestão que tinha a intenção de animá-la a escrever.

Então, sugeri a ela que considerasse a posição emocional de um doente, que, mergulhado em tristeza, via o mundo com poucas cores e que, em um momento de busca pela felicidade pudesse se imaginar passeando pelo arco-iris, cujas cores representariam cada uma das alegrias que faltavam na vida dele. Vi que o rosto dela mudou de ansiedade para graça. Um sorriso se abriu em seu rosto (e eu pensei comigo: puxa, consegui) e foi seguido pela afirmação: "Mas, professor, eu não disse doente; eu disse duende". Ela, eu e a classe rimos a valer. Já fora de sua ansiedade, a aluna produziu um texto muito interessante. Mas sobre outro tema...

Como Drummond

Sou mineiro como mineiro é o mais reconhecido poeta das Minas Gerais, Carlos Drummond de Andrade. Tenho por este poeta grande admiração que repousa não só sobre sua vida calma, sua fala tranquila, sua família pequena, sua cidade quase menor, mas também pelos versos que com extrema naturalidade (ao menos aparente) parecem saltar de seu coração para o papel.

Conheci Drummond com o poema "No meio do caminho" e, deste ao "Poema de sete faces", ao "Quadrilha"... daí a querer devorar-lhe as palavras não tardou. Dali a uns anos, estava em uma sala de aula de terceiro ano de Ensino Médio ensinando sua poesia a adolescentes. E eu me apanhava num respeito tal, que não me sentia suficientemente capaz de lhe captar a profundidade do que escrevia.

Sempre me encantou o poema "José", seja pela absoluta brevidade dos versos, seja por sua indisfarçável pungência, pelo laconismo da pergunta (E agora, José?), ou ainda pelos doloridos versos Quer ir para Minas, Mas Minas não há mais. Como se não bastasse, o coroamento vem com o Sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José. José, para onde?. Há dias em que estou mais drummondiado do que em outros..

Hoje por exemplo, nesta madrugada, ecoam-me os versos: Meu coração não sabe. Estúpido, ridículo e frágil é meu coração. Só agora descubro como é triste ignorar certas coisas. (Na solidão de indivíduo desaprendi a linguagem com que os homens se comunicam.). Vêm-me como alimento tais palavras e me servem um banquete que custo a deglutir - assim como o poeta, que passava o dia tentando um verso, que não saía - e no qual estava toda a poesia. Estou com e estou como Drummond.

domingo, 26 de janeiro de 2014

NÃO


Sempre ensinei às minhas filhas e aos meus alunos algo em que acredito piamente, como um monge crédulo ampla e irrestritamente: a linguagem é algo capaz de construir, de manter e de destruir realidades. Independentemente da realidade de que se trate, tudo nasce de uma palavra concretizada numa conversa, num projeto, num contrato ou seja lá no que for. Lançando mão da linguagem, vamos lançando a mão no mundo. Inclusive no nosso mundo, construindo, mantendo, destruindo.

O criar normalmente está ligado a palavras de sentido positivo, como o "fiat lux" dito por Deus, segundo relata a narrativa literária do Gênesis - maravilhosa história da criação do mundo, segundo a visão judaico-cristã. E como esta, tantas outras formas de se afirmar a existência de algo, de alguém que passa a ter a linguagem como elemento essencial à sua constituição.

No entanto, palavras negativas também são capazes de criar, seja pela interrupção de uma realidade que pode ser fonte de incômodo para muita gente, seja pela negação a algo que pode vir a ser esse flagelo que passará a corroer estômagos e corações, forças e emoções, almas e espíritos de tantos corpos. Muito possivelmente resida neste ponto a necessidade imperativa de se saber dizer NÃO. Com essa palavra se cria a liberdade de continuar vivendo segundo o caminho que se planejou percorrer.

A saúde de muita gente pode estar comprometida justamente pela falta de habilidade em utilizar esta palavra que, mesmo tendo um teor essencialmente negativo, é capaz de nos manter livres de muitos embaraços e de nos fazer sentir a liberdade de movimentos, os pulmões livres, o coração tranquilo e a consciência leve. Todas essas são formas de um corpo dizer que está bem criado, por muitas razões, mas, sobretudo, pelo bom uso da linguagem que, por meio de sins e nãos bem colocados, mantém a vida no caminho. 

Cedo



Depois de muito tempo de lançamento do filme, apenas hoje reservei um tempo para assistir Somos tão jovens. Foi apresentado hoje na televisão e tive o prazer de vê-lo acompanhado de minhas filhas. Há alguns dias havíamos conversado sobre ele, especificamente a respeito de uma cena que explica a razão da música "Cedo", do início da carreira musical de Renato Russo com a Legião Urbana.

Depois do filme, comentamos a respeito de nossas impressões e, como não podia deixar de ser, retomamos a discussão sobre a música "Cedo". Foi muito bom poder termos visto mais um filme - entre tantos outros filmes e séries a que costumamos assistir. Melhor ainda é poder utilizá-los como interface de um diálogo despretensioso e bem-humorado. Hoje já é outro dia e eu ainda estou com o "cedo" martelando minha cabeça.

Felizes os que os que sabem o que é cedo. Bem-aventurados os que sabem o que é tarde. Mais ainda os que reconhecem o anoitecer. O tempo da vida nem sempre é igual ao que chamamos tempo normal, normatizado em segundos, minutos, horas, manhãs, tardes e noites. Ressoa agora a música dos Titãs, cujo refrão é: "É cedo ou tarde demais pra dizer adeus, pra dizer jamais". Entre o cedo e o tarde, o que há? E entre o cedo e o tarde demais? O que define o cedo demais e o tarde demais? 

A relatividade do tempo e do espaço cai sobre nós com o peso do universo e com a velocidade da luz desenhando um grande ponto de interrogação. Volta-me o refrão "Ainda é cedo" e, como vegetação que insiste em nascer nas inóspitas rochas, fico desejando um mínimo de sabedoria para reconhecer o tempo de cada coisa, já que mais antigo que toda a Antiguidade é o ensinamento do Eclesiastes, segundo o qual há tempo para tudo debaixo do sol.


sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Cegos pelo deserto



Como são admiráveis as pessoas que não têm dúvidas, que seguem seu caminho a passos firmes e seguros para um destino que sabem que vão alcançar. Mas admiráveis ainda são os que se colocam na posição de líderes de um grupo grande e o conduz embebido na certeza de que vão chegar a um lugar amplamente desejado por todos.

Diante de um grupo de pessoas do qual cada uma conduz outro grupo de pessoas me senti incapaz de dar uma resposta a uma pergunta simples e absolutamente complexa. O que fazer com essas crianças de hoje que se caracterizam justamente pela multiplicidade, pela multifocalidade, pela atenção reduzida, pelos valores fragilizados, pela falta de referências fixas, pelo comportamento baseado em um hedonismo inconsequente... 

Quando me veio a pergunta, as lágrimas banharam-me os olhos e quase saltaram deles, porque me lembrei de um filme magnífico, no qual o personagem principal tem um sonho em que um líder cego conduz um grande grupo de pessoas pelo deserto. Trata-se do filme "O Enigma de Kaspar Hauser" (em alemão, o título traduzido deveria ser "Cada um por si e Deus contra todos"). Em educação dificilmente se encontrará uma (1) resposta, ainda mais para uma questão dessa grandiosidade.

Como líderes, vamos tateando por teorias e práticas que por um momento nos servem de apoio e de rota, como as pegadas no deserto, como a posição do Sol e de outros astros. Muitas vezes areia entra em nossos olhos que liberam lágrimas para expulsá-la. E aí, resolvemos seguir em frente ou mudar de rota na tentativa de chegar a algum lugar que acreditamos ser o melhor. Seguimos pessoas e pessoas nos seguem nessa grande caminhada cheia de erros e acertos. De mãos dadas (como dizia Drummond), apenas seguimos.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Formação e má formação



Hoje enquanto ia a um restaurante com minhas filhas para jantarmos, ouvi uma notícia que me deixou perplexo: foram reprovados 60% dos médicos recém-formados que fizeram a prova para conseguirem seu CREMESP (o documento que deveria autorizá-los a exercer a profissão). É de abalar a saúde uma notícia dessa. Um curso tão longo, seguido de um ano de residência, gera a impressão de ser sempre ótimo e de que, por conseguinte, a formação de seus alunos corresponda ao que o órgão máximo da área exige.

A perplexidade não me veio da notícia. Não, porque já estou acostumado a ler informações similares a esta, só que em outra área: a do Direito. Ali, sim, o grau de reprovação é assustador - um verdadeiro caso de fato e de direito a ser julgado e condenado. Ao prestarem o exame da OAB, algo em torno de 94% dos candidatos acabam reprovados. Estes não podem exercer a advocacia sem que estejam devidamente habilitados ao ingresso - o que se verifica com a aprovação no referido exame.

A perplexidade me veio, sim, do complemento da notícia. O CREMESP não faz a menor restrição a que esses candidatos reprovados exerçam a medicina. A meu ver, este não é o objetivo maior do órgão ao aplicar a avaliação. Espero que se criem condições de que este quadro seja revertido, a fim de que se possam encontrar médicos competentes na teoria e na prática, de fato e de direito.

Não faz muito tempo, em exame promovido pelo estado de São Paulo, um número enorme de professores também não conseguiu aprovação. No entanto, poucos meses depois, foram contratados para ministrar aulas às crianças. Igualzinho ao que aconteceu com os 60% de médicos reprovados. Não é necessário ir muito longe para se pensar também na formação universitária oferecida em outras áreas profissionais com as quais lidamos diariamente (engenharia, arquitetura, contabilidade...)

De flores e pragas (crônicas do Chile 9)

A vida nos ensina que as coisas, (assim como as pessoas) não têm seu significado nelas mesmas. Uma cadeira, com seu assento seu encosto e suas pernas, pode servir para alguém se sentar. Porém em uma briga de bar ela pode servir como arma para abreviar A vida de um desafeto.

Uma das vinícolas que conheci no Chile foi a de Undurraga. Tida como a segunda melhor daquele país, ela agrada aos cinco sentidos de todo visitante. Naturalmente impressiona pelo seu tamanho e pelas plantações que parecem não ter fim. Guias bem treinados contam a história e revelam o processo de produção e armazenamento do vinho. Assim visitamos os porões e as adegas. Vimos as parreiras por cima (diferenciamos  tipos de folha e de uva) e por baixo ( nunca a palavra subsolo foi tão literal).

Logo no início da visitação somos conduzidos a um belíssimo jardim e rapidamente ficamos encantados com a beleza de tantas rosas que dão à vinícola um ar de elegância e bom gosto. Pensamos assim porque ainda estávamos longe das parreiras. Quando chegamos a elas é que ficamos sabendo a primeira função daquelas rosas tão lindas e frágeis.

Justamente por sua beleza e fragilidade somadas ao perfume que exalam é que elas são colocadas a certa distância das parreiras. Por conta dessas características, as rosas assumem uma função muito diferente da de embelezar o jardim de Undurraga. Naquela posição elas servem para atrair as pragas e serem atacadas primeiro, de modo a salvaguardar as parreiras. Dessa maneira, a vida segue dando ensinamentos que merecem um brinde. E pode ser com vinhos da Undurraga.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Realizações (crônicas do Chile 8)



O verão imperava em minha ida ao Chile. Apesar de um frio intenso que fazia no alto da cordilheira dos Andes, não havia neve que se pudesse ver de perto. Só pude mesmo vê-la do alto, de dentro do avião, tanto na chegada quanto na saída daquele país que me encantou. Mas não era a neve que me atraía para lá; era mesmo aquele sistema imenso de montanhas encadeadas, a cordilheira.

Cada metro que me aproximava dela me fazia o peito mover-se sobre o coração que batia mais forte. Sim, como uma criança ante a abertura de um presente desejado, como um apaixonado minutos antes da chegada de sua amada. Queria absorvê-la toda com meus olhos, na verdade, com todos os meus sentidos. Não deixei de tocar o solo, a vegetação e a água que corre gelada e embranquecida. Fiz questão de ouvir o vento passar por mim e de sentir o frio que ele me provocava. Fiz questão de olhar a imensidão daquelas enormes montanhas, como quem quisesse ser parte dela.

A certa altura (sem trocadilho, pois estávamos a 2000m de altitude e ainda faltavam 1000 para o topo), quando pudemos descer do carro e ficar um tempo, quis andar pela cordilheira subindo-a. Talvez nunca tenha me sentido tão livre. Tanto, que quis correr para notar o céu ficando próximo, para ver a vegetação passar, para sentir o solo sob meus pés, para visualizar as grandes coisas que, do ponto em que eu estava, pareciam tão pequeninas. Corri até onde a respiração começou a ficar dificultada, havia subido bastante e estava satisfeito, como alguém que quase morto pela sede se depara com fartura de água límpida e potável.

No dia seguinte, estava eu de volta do hotel para o aeroporto. Não por coincidência, o taxista que me conduzia era o mesmo que havia me levado à cordilheira. No meio do caminho, com alguma emoção na fala, aquele homem disse para mim e para minhas filhas que via em nós pessoas boas e claramente felizes, de tanto que ríamos e nos abraçávamos. Disse mais: que, quando me observou de longe subir correndo a cordilheira, ele próprio se sentira realizado por tanta satisfação e sensação de liberdade que meu gesto havia proporcionado.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Saudades (crônicas do Chile 7)


Quando o comandante anunciou que estávamos próximos de executar pouso em São Paulo,  lancei meu olhar para fora daquela janelinha do avião.  Viciados,  meus olhos não puderam,  como em todos esses seis últimos dias,  contemplar a Cordilheira que abraça a cidade de Santiago.  Sim,  foi um sentimento de falta.  Uma saudade. 

Saudades,  na verdade.  Do clima das pessoas com quem tive contato,  de sua educação e simpatia.  Das ruas largas do centro histórico,  com seus palácios e museus.  Dos cafés servidos nas manhãs a cada esquina ou nos muitos estabelecimentos destinados a isso.  Da saborosa comida e bebida chilena.

Dos passeios pra lá de agradáveis a lugares especiais na própria Santiago e suas imediações,  como Valparaíso e Viña del Mar, às vinícolas,  às praias geladas do Oceano Pacífico, como a de Isla Negra, às casas onde viveu Pablo Neruda, aos muitos restaurantes em que saboreei excelentes pratos, às grandes praças e seus monumentos,  às Catedrais, aos parques (tirolesa, arvorismo). Sentirei falta dos amigos que fiz lá. 

O que mais me deixa com saudades e vontade de voltar é a Cordilheira,  imensa barreira natural que me une ao Chile desde criança.  Foi essa a falta que senti ao olhar através da janelinha do avião.  Contudo, ao retornar à profundidade do olhar e focar na presença das minhas filhas, de nada senti falta,  porque a vida delas me faz completo.  Uma cordilheira  infinita de amor, alegria e vida.

Cordilheira da criança (crônicas do Chile 6)

Criança faminta diante de um banquete. Aquela criança que há muito espera um presente e, não mais que de repente, se vê diante dele e  de tudo que o envolve. Assim me senti hoje quando me aproximava do pé da Cordilheira dos Andes. 

Eu, minhas filhas e o guia subimos de carro cada uma das 60 curvas que há entre a base e o topo das Cordilheiras. Logo no começo,  se vê que o clima vai mudando à medida que se sobe. Deixamos Santiago com uma temperatura de 30 graus,  para encontrar garoa no início da subida de onde corre um lago pequeno com o que seria água de neve - uma água predominantemente branca. Quanto mais se subia,  mais caia a temperatura.

No meio do percurso,  uma parada em um mirante natural: estarrecedor de tão bonito.  O corpo ficou com inveja dos olhos e quis agucar-se: o ouvido tentou escutar o vento,  a pele experimentava já uma temperatura beirando os 10 graus, o nariz engolia o cheiro da vegetação,  e a boca degustava um manjar de natureza inigualável.   Não teve jeito: de onde eu estava,  fui subindo a pé a montanha,  e via um universo de escancarando sob meus pés. 

Voltei dali uns 20 minutos, para retomar o carro e concluir a subida dos 3.000m de altitude.  3 mil. Se no meio do caminho já estava frio,  lá no alto do morro, o vento ainda mais gelado parecia querer congelar o corpo e a alma da gente. Depois de 2 chocolates quentes,  me animei a subir a pé outro trecho de morro. Dali eu, com a respiração bastante ofegante, só escutava o barulho que meu corpo produzia  - cada passo,  cada respiração,  cada batimento no peito. Sim,  era o coração (o "cordis") e a Cordilheira em sintonia, tal qual um dia eu havia sonhado, um presente que eu quis ter. 

Qual parte? (Crônicas do Chile 5)

Certamente há lugares que nos oferecem mais do que uma bela paisagem,  lugares que parecem falar com a gente. Há aqui em Santiago muitos desses lugares,  inclusive o que fui conhecer ontem e fica a poucas estações de metrô daqui de onde estou hospedado - bem próximo ao centro histórico. 

O Cerro San Cristobal, no bairro Bela Vista, ao lado de grandes universidades, de uma feirinha de artesanato muito curiosa e de um pátio de compras que tem uma beleza singela e singular, é um morro alto o suficiente para oferecer ao visitante uma vista estonteante. Antes de chegar ao topo, no meio do morro, simplesmente um zoológico - que nos encantou com a presença de um tigres brancos, pumas e um urso polar (os outros animais eram comuns).

Subimos o grande morro em uma espécie de trem, com vagões descobertos içados em trilhos que deslumbram com a vista que propiciam. Esse tipo de veículo é chamado aqui de "funicular". De lá do alto do morro, a cidade inteira de Santiago se oferece aos olhos do visitante. Difícil descrever a beleza do fim de tarde ali.  A cidade inteira,  cercada pelas cordilheiras parece toda abraçada pelos nossos olhos.

Foi nesta hora que me pus a pensar no fato de que um único ponto da cidade é capaz de oferecer dela uma visão integral.  Isso me lembrou o livro "Cidades Invisíveis", de Italo Calvino. Olhando pra fora voltei meu olhar para dentro de mim e comecei a me perguntar: na complexa cidade que somos cada um de nós - corpo,  alma,  espírito -, qual parte de nós nos revela por inteiro?

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Um dia cheio de gosto (crônicas do Chile 4)

Começamos o dia com uma expectativa muito grande, tão porque tínhamos programado conhecer a vinícola de Undurraga, como também porque iríamos a outra casa de Pablo Neruda, em Isla Negra, onde também está a maior piscina do mundo. Tudo isso foi muito,  muito bom.  Tanto que merece crônica à parte.  Mas não foi melhor que o gosto de fazer novas amizades. 

Aos amigos que tínhamos feito anteontem,  juntou-se uma nova moça que nos acompanhou em todos os passeios do dia.  Agora,  além de nós 3, estavam Vagner, Marcia, Lucas, Michele, Ademir, Ana e a colombiana Lina. Tivemos o inigualável prazer de nos identificar tanto, que parecia nos conhecer há muito tempo, muito mais tempo do que as horas da manhã ensolarada que passamos ouvindo a história de Undurraga, caminhando por entre jardins e barris e, claro, provando saborosos vinhos com os 5 sentidos.

A viagem se estendeu longamente até Isla Negra, demorada viagem regada a muitos sorrisos, muita cantoria derivada da alegria vinda dos vinhos e do prazer de estar saboreando uma amizade que se estabelecia tão forte quanto o sol que nos cobria. Dali um almoço que deixa fraca até a palavra "delicioso", pois aquele mar azul que alimentava os olhos de vida também intensificava o gosto suave dos pratos servidos.

Em seguida fomos à casa de Neruda, que guarda a história de uma vida que se fez representar inteira - infância,  juventude e maturidade - em poesia, em conchas, timőes e tantos outros objetos marítimos que compõem todos os espaços de cada cômodo.  De lá,  à maior piscina do mundo, a qual teria virado uma decepção (por não termos podido entrar), se não tivéssemos nos divertido tanto entrando nas águas geladas de Isla Negra e rido muito, correndo de suas imensas ondas. Parecíamos grandes amigos de infância diante de um brinquedo novo sendo compartilhado.

À noite, uma hora depois de termos chegado deste passeio, estávamos nos dirigindo para um super estilizado restaurante, Ocean Pacífic, para experimentar  pratos chilenos repletos de aroma e sabor, tanto quanto as muitas histórias que Lina nos contou a respeito da Colômbia e sua cultura. Para encerrar o dia, por sugestão dela mesma, voltamos ao hotel para experimentar outra maravilhosa bebida chilena. Os ingredientes nós mesmos compramos e preparamos. E ficou tão boa que tomamos até o dia de ontem engolir algumas horas do dia de hoje. Sim, parece que a madrugada ficou com inveja do dia tão gostoso que tivemos.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Sensibilidade (crônicas do Chile 3)


O Chile tem me reservado surpresas muito interessantes a cada dia que me lanço a conhecer um pouco mais dele. Hoje, por muitas vezes,  essas surpresas despertaram a sensibilidade,  ora para disfonia ora para euforia. Muito mais eufórico do que disfórico, passo a lembrar algumas situações. 

Nossos passeios hoje foram para algumas vinícolas que muito nos encantaram pela beleza,  pela qualidade,  pela quantidade de terreno plantado. Parreiras e parreiras, tipos e mais tipos de vinho, que vieram logo após uns lugarejos nos quais desfrutamos comidas e bebidas típicas da região. São texturas, cores, sabores... diferentes, que nos dão a sensação de que há muito para dar a conhecer aos órgãos do sentidos.

Ao coração e ao intelecto também.  Visitar as casas em que Pablo Neruda viveu, sentir o clima de seus poemas, ouvir sobre suas histórias,  saber de sua opção política,  sua ação pelos menos favorecidos, tudo isso me ensinou muito,  foi uma  educação tardia impressionante. Também foi muito bom tomar  conhecimento de outras visões,  não tradicionais,  que os habitantes daqui têm sobre personagens como Allende e Pinochet - ambos muito importantes para melhorias sociais do país. Confesso ter sentido algo estranho ao ouvir falar bem de Augusto Pinochet.

Ambos não conseguirão apagar a horrível sensação que tive ao ver um rapaz "em situação 
de rua". Isso por si já seria ruim, mas piorou e se tornou um choque ao reparar que o rapaz era portador  da síndrome de Down. Sou incapaz de identificar o que senti. Tal sentimento só se atenuou quando meus olhos se depararam com as maravilhosas imagens de Valparaíso e, muito mais soberanamente, de Viña del Mar. 

Paixões (crônicas do Chile 2)


As vezes em que minhas filhas acordam antes de mim são contáveis em meia mão de ex-presidente brasileiro.  Hoje acordei muito antes delas porque precisava comprar algumas coisas de que precisavam logo para o amanhecer.  Ao colocar os pés para fora do hotel,  uma brisa fresca banhada em sol radiante veio me saudar.  O burburinho organizado da rua abriu-me um sorriso de apaixonado. 

Enquanto tomava minha direção,  passava por um significativo número de pessoas com uma feição diferente da que estou acostumado a ver no Brasil.  Chilenos têm algo de peculiar.  Também me pareceu um tanto encantador o fato de preferirem tomar o café da manhã (desayuno, como dizem) nos muitos locais destinados a isso, é não em suas próprias casas. Não é exagero dizer que,  pelo menos aqui no centro histórico de Santiago,  onde se misturam tradição e modernidade,  há um café em cada esquina.  Tão natural quanto pessoas vendendo frutas e saladas de frutas em grandes copos, que tentam o paladar de qualquer um. 

Comer em Santiago hoje foi apaixonante desde o café da manhã até o jantar.  Se para o "desayuno" havia sido aquela surpresa agradável,  para o almoço não foi diferente.  Há para todos os gostos.  Literalmente.  Para o jantar,  então,  um chorizo com legumes que dá água na boca até agora,  tanto pelo prato em si,  quanto pelo lugar e pelo serviço. 

Entre o café,  o almoço e o jantar,  demo-nos a conhecer o tanto de prédios e construções seculares que há por aqui.  Museus,  teatros,  palácios - inclusive aquele onde atua o governo,  Palácio de la Moneda, localizado numa praça exuberante. Mais impressionante ainda é a Catedral,  construída em 1515. Nela, uma sensação agradabilíssima para a alma e  para os olhos. Os olhos vêem, o coração sente.  Logo,  é apaixonante. 

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

De tudo isso (Chile 1)


O país que nos recebe para estes últimos dias de férias é outro.  Depois da resolução de um problema que quase nos comprometeu esta que tem tudo pra ser uma de nossas melhores viagens,  conseguimos,  por fim,  tomar os ares para pisar os pés em território chileno.

Vim tentando aprender o idioma falado aqui por essa gente que,  em princípio,  me parece muito educada,  cordial e um tanto respeitosa. Já sabia que a qualidade da educação aqui no Chile é muito boa,  conforme atestam os índices e segundo relatam muitas  reportagens que li.  A despeito de alguma situação que divirja disso, como há em todo lugar,  cordialidade e boa educação são vistas por aqui.

Chegamos à noite e não deu para fazer muito mais do que um rápido passeio pelo centro histórico e curtir um pouco das várias opções que o hotel nos dá.  Nosso cansaço sugeriu que nos guardássemos hoje para os passeios de amanhã.  Subiremos de teleférico uma montanha de 5,5km. Há várias paradas no caminho (zoos, mirantes...) e, lá do alto,  dizem,  dá pra ver toda a Santiago,  cercada pelas cordilheiras - que já pudemos contemplar, de dentro do avião,  na nossa chegada.  Sim,  aqui tem sol intenso até 21h.

Depois desse passeio,  pretendemos um tour pela cidade toda,  por meio de um serviço de transporte que passa pelos principais pontos,  nos quais podemos descer,  ficar,  aprender e retomar a jornada.  À noite,  vamos provar a comida chilena.  De tudo isso,  o mais engraçado é o meu portunhol. De tudo isso,  o mais fascinante é estar com minhas filhas,  segundo a segundo,  sorrindo muito e  aproveitando esses presentes que a vida nos dá, pra que estejamos cada vez mais unidos a nós mesmos e ao mundo.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Valoração



Viver em São Paulo é uma das experiências mais ricas que uma pessoa pode ter, desde que ela tenha tempo para desfrutar de tudo que esta cidade multitudo tem para oferecer. A pena é que viver aqui, para a maioria dos habitantes - paulistas, paulistanos e outros tantos igualmente importantes - é um desafio, em razão da altíssima competitividade, especialmente no mundo do trabalho. Trabalhar em São Paulo requer muito tempo, seja de trabalho mesmo, seja de locomoção para ele e de volta dele. Necessariamente, aí se coloca um jogo de valores.

Por essa razão, muito dessa cidade se perde ou sequer se mostra para aquele que não conseguiu tempo para abrir seus olhos para ela. Se ficarmos em um só aspecto, o da alimentação, o mesmo acontece. São Paulo parece abarcar o mundo quando em seus bairros reserva uma variedade sem tamanho de restaurantes das mais diversas origens. Pode-se tomar um chá numa casa árabe, almoçar num restaurante mineiro, jantar numa casa mexicana e terminar a noite num pub inglês.

Se, por um lado, a escassez de tempo (muitas vezes, também, o preço) pode menosprezar o valor e esconder tudo isso dos olhos do cidadão comum, o tempo que sobeja e o dinheiro que se esbanja também podem tornar tudo isso tão comum como se fosse o café e o pão na chapa do bar da esquina. Dessa forma, seja por uma causa, por outra ou por outras tantas possíveis, as coisas perdem um pouco do valor que têm - ou vão deixando de ter.

Não está na própria coisa o valor que ela tem. Aquilo que ela vale (e não em refiro somente a dinheiro) depende de uma série de fatores, que a envolvem - naturalmente - e tocam também aquele que lhe confere valor, o lugar onde se encontra, a raridade de sua presença, a sua capacidade de renovação no sentido de se colocar como algo que mereça o valor esperado. Isso é algo para se trabalhar... ainda que trabalho faça correr o risco de ganhar ou de perder valor - que está na interação e não em algo isolado.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Experimentar



Como uma luz que invade a superfície de um espelho, a vida se revela para nós todos os dias em cada minúscula situação que vivenciamos. O fato de nós não percebermos ou de não termos capacidade de ver em certas situações não invalida isso. Se tivéssemos um olhar menos viciado pela carga da nossa experiência, ora positiva ora negativa, talvez nos tornássemos peritos em desvelar coisas, em trazer à tona e em refletir coisas novas e boas.

Caberia a experiência, mas se alguém se dispuser a fazer isso, provavelmente vai colocar lentes que dirigirão não apenas seu olhar, mas também a interpretação das coisas vistas. Não tem jeito: sempre vemos e sempre interpretamos o que vemos. Na verdade, sempre acho que é na ordem inversa o processo: a interpretação que temos para os contextos vivenciados é que nos faz ver as coisas de um ou de outro jeito.

Entretanto, há um grande espaço que na maior parte das vezes separa a interpretação. E é bem nesse espaço que as pessoas se desentendem. Isso porque fazem questão de que aquilo que elas veem seja interpretado como elas o interpretam. E é lógico que interpretações variam tanto quanto variam as pessoas e as situações em que elas se encontram, somadas às experiências de vida acumuladas de cada uma.

Aí se interpõe a difícil decisão entre ser feliz e ter razão. Se para alguns, essa é uma decisão que não representa problema, para muita gente a escolha por ter razão é questão de felicidade. Às vezes, é questão de vida ou morte. Voltamos assim à questão inicial: um olhar menos viciado, uma experiência mais rica podem nos dar experiências e reflexões novas. Sperimentum começa com o mesmo SP de speculum (espelho) e de spe (esperança). Assim vale ver melhor o que o espelho da vida reflete pelas experiências.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Cataratas para não se ver

Cataratas do Niágara, vistas da margem de Ontário, na fronteira do Canadá com os EUA


Sim, está frio nos Estados Unidos. Bastante. Moradores brasileiros de lá dão conta de que algumas cidades estão desertas. Muita gente chega a usar secador de cabelo para tentar fazer um mínimo de água fluir pelos canos. A água aliás, foi um espetáculo à parte em meio a essa nevasca toda. As cataratas do Niagara, como se vê na foto, estão congeladas. O frio intenso é um elemento poderoso.

Tal é a força das águas em uma catarata, que é impossível imaginar um congelamento tanto quanto estamos podendo ver neste caso. A intensa luta entre os estados da água está bem longe de ser um espetáculo vivaz como o que descreve Caetano, quando diz da "luta do rochedo com o mar". Se em uma se vê a água em toda a sua espetacular liquidez, em outra se vê a entrega quase total ao gélido estado que a envolve.

De fato, começo a acreditar que, entre as coisas que julgamos conhecer, nenhuma força pode arrogar para si o absoluto domínio, julgando-se indestrutível, invencível. A neve decorrente de temperaturas baixíssimas já fez exércitos poderosíssimos se renderem (Napoleão, por exemplo, contra a Russia). Esta, nos EUA, congelou o Niagara. Se é assim do ponto de vista natural e sociocultural, não será diferente a chegada de um metafórico rigoroso inverno sobre as relações interpessoais. Os corações e os olhos ficam cobertos por catarata.

100% verão


Poucas vezes a ambiguidade fez tanto sentido para mim. É que às vezes, e parece que cada vez menos, a gente parece mais sensível a questões de natureza social. Ou, antes mesmo de social, questões de natureza humana. Agora há pouco havia um cartaz com propaganda de uma cerveja cujo slogan é 100% verão.

Em situações, digamos, normais, isso me lembraria uma aula de ambiguidade derivada de pontuação que tive na faculdade nos idos finais dos anos 80. E a professora dizia: "Uma andorinha só não faz, verão". E é claro que o sentido ali era de que as pessoas veriam que uma andorinha sozinha não seria capaz de fazer a referida estação do ano.

O que vi há cerca de alguns minutos foi um rapaz, quase um senhor, deitado no chão, com a cabeça apoiada sobre as próprias mãos, que estavam em posição de prece. Levantando minha vista um pouquinho de nada, vi o dito cartaz: 100% verão. Mas acho que muitos, como eu tantas vezes, não viram. Então, não acho que 100% verão ali uma pessoa.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

10% de sua cabeça animal

Pequena amostra de diversos estágios da estrutura e vários locais onde elas foram encontradas durante a pesquisa. Algumas são novas enquanto outras só apresentam restos

Se olharmos essas estruturas construídas em troncos de árvore da floresta amazônica, vamos logo admitir que foi obra de um artista. Dada a sua regularidade, complexidade e beleza, não tardaríamos em elogiar. Há bastante tempo tais estruturas vêm instigando cientistas. Recentemente, o mistério foi desfeito. Ou melhor, começou a ser explorado.

Reportagem no Portal Uol (http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2014/01/08/estruturas-achadas-na-amazonia-sao-obra-de-aranhas-descobrem-cientistas.htm) dá conta de que tudo isso é obra de uma minúscula aranha. Em nossa cabeça, educada a pensar que o humano é o mais sábio, o mais complexo, o mais avançado dos animais, jamais admitiríamos a possibilidade de uma aranha fazer construções assim, mesmo sabendo do que fazem com suas teias.

E se das aranhas avançarmos o olhar para outros milhares de "não humanos vivos", talvez desçamos de nosso pedestal da prepotência. Eles devem fazer ainda mais coisas que não sabemos. Talvez não conheçamos sequer "10% de nossa cabeça animal" (como cantaria Raul). Talvez conheçamos menos ainda do mundo de seres vivos que ocupam este planeta conosco. 

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O cheiro do gosto



Sempre soube que na linguagem existe uma magia que está para além dela. Como a música, como as orações, como os ventos e os oceanos, como o universo que habitamos, há na linguagem algo que é mais, bem mais do que palavra, mais morfologia, sintaxe, mais do que qualquer dicionário ou gramática pudessem imaginar poder supor a possibilidade de abarcar.

Os antigos, bem antigos mesmo, mas nem tanto assim, acreditavam que o poder das palavras era tanto,que não se poderia falar "câncer", por exemplo, para não se atrair a própria doença. Tantas histórias fantásticas se dão por palavras: abracadabra! A própria narrativa do Gênesis nos ensina que tudo foi criado a partir da palavra: Fiat Lux! Assim como ela organiza, pode desorganizar - como cantaria o D2.

Muito mais simples são as coisas ditas com sinceridade e amor, ou mesmo com ódio e rancor... palavras que, mais do que ouvidas, são sentidas. Outras causam medo; há as que motivam; e há sinestesias que fazem o cérebro parar para se reorganizar. Quem não fica estagnado e demora a retomar o raciocínio quando ouve construções como "perfume doce". Isso é como se fosse o gosto do cheiro. E o contrário: o cheiro do gosto? É... a linguagem...