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domingo, 24 de março de 2013

Mirantes e mutantes

Não pude resistir àquele cumprimento do FG. Vinha de longe, vinha das terras, mares e ares por onde ele tinha estado naqueles minutos de contemplação do nada, ou de contemplação do tudo. Não senti que naquele "E aí, Ever?" estava presente o meu amigo. Veio como uma frase gerada por um piloto automático de linguagem, daquelas coisas que a gente diz, por dizer, para cumprir um protocolo.

- Fala, FG! Levanta aí, meu! Me dá um abraço direito, me cumprimenta que nem gente, rapaz! - mal sabia ele que, ao pedir que mudasse de posição no espaço, eu tentava tirá-lo daquele momento de profunda introjeção e viesse à tona para falar de amenidades, de futebol, de mulher, de algum ato ridículo da política moderna, para falar mal de qualquer coisa, para contar piada, enfim: para atenuar o peso que a existência muitas vezes impõe impiedosamente em corações recalcados. Ele sorriu, não mais triste, se levantou quase pisando meu pé e me deu um abraço tão agradecido, que as pessoas ao lado ouviram com nitidez os dois tapas que os homens costumam dar nas costas uns dos outros quando se abraçam.

De volta ao seu lugar, fez um gesto indicando que eu me sentasse à mesa com ele. Aquela cena, pelo fato de estar num boteco tomando um café, me lembrou uma frase de Fernando Sabino no seu magistral "A última crônica": lanço um último olhar para fora de mim, onde estão os assuntos que merecem uma crônica". Eu sabia que dali viria mais coisa boa pra fazer a gente ter um papo legal naquele momento. Esse cara é muito legal mesmo. Na sua simplicidade, ele não tem a menor ideia do quanto me ensina. Talvez, mesmo, por não ter a preocupação de ensinar.

- "pra perceber que olhar só pra dentro é o maior desperdício" foi um trecho que nós dois captamos da música que tocava naquela hora no bar e quase fizemos o mesmo comentário a respeito. Engraçado isso, porque a gente se conhece há tanto tempo, que já tem uma certa sintonia sobre crenças, gostos etc. Foi ele que tomou a palavra, ansioso.

- Ever, que será olhar só pra dentro?

Veja só que coisa. Eu tinha pensado uma frase do Sabino que falava justamente sobre a importância de se olhar para fora. E lá vem FG me perguntar sobre olhar para dentro? Estava aí uma coisa legal: seja pra fora, seja pra dentro, tenho a impressão de que o tempo todo nós estamos mirando. Estamos com algo na nossa mira, na direção do nosso olhar. Miramos tanto, que às vezes fazemos coisas mirabolantes, às vezes fazemos coisas mirabiliosas. Acho que, em essência, somos seres mirantes.

- FG, sei não, rapaz. Nessa música aí, me parece que é algo ruim, porque impede que a gente olhe para fora e encontre a pessoa que pode vir a ser o amor da nossa vida.

- Sei lá, Ever. Não acho que seja tão ruim demais assim não, porque olhar pra dentro pode ser bacana pra gente olhar as besteiras feitas, o tanto de coisa boa conseguida, as coisas ruins também... parece que a gente sai pra fora da gente mesmo e olha pra dentro. É um negócio esquisito.

- Esquisito demais mesmo, mas acho que é importante. Eu acho que eu devia fazer mais. Ando precisando, sabia? Parece frescura,coisa de gente fresca, gente psicologizada, gente que quer se enxergar mais do que deveria. Mas, cara, o negócio é difícil. Difícil porque, não sei, a gente olha pra gente e acha um monte de coisas que não são a gente, ou que a gente pensa que não são. Não sei, também deve ter coisas que a gente não quer ver, e daí esconde. E coisas que a gente queria tanto ver, que até inventa.

- Verdade, Ever. Tem coisa que eu penso, que eu não sei se foi verdade ou se fui eu que inventei. Que doido isso! Então tem hora que eu olho pra trás, quer dizer, olho pra dentro, e não sei se o que enxergo sou eu ou não.

- Sabe, FG, parece que o mundo que está fora das nossas pálpebras se mistura com aquele que está por dentro delas quando a gente fecha os olhos. Parece que a gente traz as coisas pra dentro e elas passam a fazer parte da gente.

Aquilo que eu tinha acabado de falar nada mais era do que a reprodução de uma das muitas histórias que estão no livro "Cidades Invisíveis", de Ítalo Calvino, um livro que mudou minha vida em muitos aspectos. Mas aquilo que FG disse em resposta ao meu comentário mudou muito mais.

- Sei não, Ever. Cê falou desse negócio do que tá dentro e do que tá fora das prálbe...pebras..., como é?, pálpebras. Sabe o que eu acho? Que não é que as coisas de fora começam a ser o que a gente é por dentro, não. Acho que o que a gente é aqui dentro, Ever, e que faz a gente separar as pálpebras, é que vai transformando as coisas de fora.

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