Sabe aquele
estado de espírito em que a gente tem a sensação de que tudo está no eixo,
existindo como deveria existir e nos dando uma satisfação capaz de fazer nascer
no nosso rosto o mais puro sorriso? Um estado de espírito que me lembra o
seguinte trecho de música: “De repente fico rindo à toa, sem saber por quê”,
verso cantado pela Maria Bethânia e que sempre ecoa nos meus ouvidos silenciosamente.
É o estado de
alegria genuína que nos dá a sensação de que a vida vale a pena, a sensação de
que cada momento é único, irrepetível e capaz de fazer nascer em nós os mais
puros sentimentos cabíveis. Como adoro etimologia (ai de mim se não gostasse,
sendo doutorado em historiografia do Português), fui ver a origem da palavra “alegria”.
Sem surpresa para ninguém, ela vem – é claro – do Latim laetitia.
Originalmente tem o sentido de “fazer nascer”; por extensão de sentido, também
remete ao sentimento de dar à luz: alegria.
Trocando em miúdos,
sentimos alegria quando vemos a vida brotar; estamos alegres quando temos a
sensação de que a vida está em movimento, existindo tal qual ela deve existir;
ficamos alegres por darmos vida a algo ou alguém e por recebermos vida de algo
ou de alguém. Uma sensação, como diziam os antigos, inefável – ou seja:
impossível de traduzir satisfatoriamente por palavras. E, realmente, há muitas emoções,
sentimentos e sensações que as palavras, por mais poderosas que sejam, não
conseguem alcançar. Por isso, rimos à toa, por isso suspiramos, por isso nos
sentimos leves.
É extremamente
importante estarmos em contato com o que e com quem nos dá alegria: sejam
pessoas, fatos, objetos, animais, planos, sejam lembranças... sejam
pensamentos. E aí, nesta última palavra, existe um grande inimigo da alegria:
os pensamentos que cultivamos. Quando postos no que não nos traz vida, eles nos
amortecem, eles matam a alegria, tiram o brilho da nossa alma, deixando a gente
desalmado, desanimado (que, aliás, para quem não sabe: originalmente são
palavras de mesmo sentido).
Então me
coloquei a pensar no que me traz alegria. E eu digo sem a menor sombra de dúvida:
há três fatores que me fazem uma pessoa feliz, que fazem a minha existência
plena, que fazem a minha vida valer a pena a cada dia.
O primeiro
deles é a minha família: a que me gerou e aquela que ajudei a gerar. Quando
penso na minha mãe e em minhas filhas, meus olhos se enchem de lágrimas de
satisfação pelo simples fato de essas pessoas existirem. Como elo dessas duas
pontas da vida, com toda certeza me considero o mais feliz dos homens. Hoje, vivendo
em segunda família, vivo a alegria de cuidar e ser cuidado, compartilhando com
esposa e filhos o que tenho de melhor como ser humano.
Minha segunda
alegria é a de ver alguém aprendendo algo comigo, desde algo da matéria em que
me especializei, até algo simples como ensinar uma criança a amarrar seu tênis.
Ver nos olhos da pessoa aquele exato momento em que os neurônios se tocam para
formar uma aprendizagem realmente é impagável, justamente porque significa que
passei a existir na mente daquela pessoa, ou senão porque provoquei um
acréscimo de conhecimento que será útil para a vida toda. Isso é sublime, para
mim.
Minha terceira
alegria é aprender: por isso pergunto, por isso leio e ouço, por isso
experimento e tento, por isso cresço e ajo para me tornar a cada dia uma pessoa
melhor a serviço da minha família e dos que aprendem comigo. E eu próprio tenho
muito o que aprender.
Assim, num
ciclo, a alegria se reproduz em mim, brota, nasce, letitia. E me deixa “rindo
sem saber por quê”.