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domingo, 2 de fevereiro de 2014

Comboio de cordas



Fernando Pessoa, em um de seus mais brilhantes poemas, chamou o coração de "comboio de corda". O poema é o "Autopsicografia" (http://www.insite.com.br/art/pessoa/cancioneiro/143.php), aquele em que ele diz que "o poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente". E eu, muito modestamente, chegando mais para os cinquenta do que para os quarenta, acredito que o Pessoa tem total razão ao designar assim este órgão vital.

Visitei hoje um amigo muito querido, que conheço há quase vinte anos. Ele também está mais para os 50 do que para os 40. Há cerca de um mês, seu comboio de cordas saiu dos trilhos e quase descarrilou de vez, vitimado por um infarto. Não fosse sua sensibilidade de ir ao hospital como quem vai tratar uma dor muscular comum, talvez não estivesse mais conosco para contar as histórias que precederam o infarto.

Suas histórias pré-infarto me fizeram entender melhor que o "comboio de corda, que se chama coração" pode se referir a cordas de instrumento musical. Do meio para o final do ano, alguns acontecimentos pessoais o desestabilizaram bastante. Como faltou a ele determinação para compartilhar, julgou que conseguiria suportar sozinho todo aquele barulho desritmado. Nem todo mundo é Super-homem. Claro que as cordas dos instrumentos atravessaram o tom e criaram um som tão feio, que foi necessário interromper.

Acordes de decepção com notas de mágoa dão o tom da tristeza de quem infarta. O comboio se desfaz e cada vagão deseja partir para um lado diferente do outro. As cordas não dão mais o prumo nem a firmeza e tampouco o tom para a música da vida que pretendia vicejar um pouco mais. Sob essas condições, o "comboio de corda, que se chama coração" não consegue mais girar para "entreter a razão". E se a razão se vai, e se o coração se vai, não nos resta mais nem subir no comboio. Sobra-nos apenas seguir nossa trilha, afinar nossas cordas no tom certo e fazer soarem as batidas da nossa música.


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