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terça-feira, 1 de abril de 2014

De ciscos e icebergs




Faz o mínimo uns dois meses que não tenho a menor ideia de onde estão meus óculos. Com os 45 se exibindo para mim um pouco mais a cada dia, me dizendo que estou mais perto dos 50 do que dos 40, está ficando difícil enxergar com a mesma eficácia com que enxergava há algum tempo. Não são apenas os óculos faltantes ou os anos sobrantes que nos fazem enxergar as coisas de modo ineficaz. Um gesto, uma atitude, uma palavra... podem ser vistos de forma diferenciada daquilo que realmente são (se é que alguma coisa é realmente).

Fatores externos como a própria situação em que uma pessoa se encontra, o lugar onde ela está, a função social daqueles com quem ela fala, o nível e ruído, o tempo de que ela dispõe para a conversa... assim como fatores internos, sobretudo, os ligados à emoção, os sentimentos e as sensações, integram uma gama de elementos capazes de entornar a imagem de algo que acontece na nossa frente ou, principalmente, de coisas que nos dizem.

Isso me lembrou uma experiência que vivenciei já há algum tempo. Vou contá-la aqui, já alterada pelas retinas cansadas da memória, que ora intencionalmente ora não, descolore alguns fatos e carrega a tinta de outros. Ao final de uma das palestras, alguém tomou a palavra e fez um comentário que me deixou um tanto incomodado, a ponto de ter me arrependido do conteúdo que apresentei naquele congresso. Como eu não havia sido o único palestrante, o que ela falou poderia ter servido para mim ou para qualquer outro que ali se expusera. Passei dias remoendo aquilo, como um cisco que arranha o globo ocular.

Por sorte - o que é raro acontecer - pude cruzar com aquela pessoa em uma situação totalmente inesperada. Coisas da vida. Minha hesitação não foi muito forte, então decidi relembrar à pessoa o fato e aquilo que ela havia dito outrora. Antes que o fizesse, ela se antecipou pedindo-me desculpas por ter saído às pressas daquela sala de apresentação sem poder ter me cumprimentado pelo conteúdo da minha palestra. Atônito e completamente desmontado, tratei de abrir melhor meus olhos para perceber que estava diante da ponta de um iceberg: se tivesse continuado com meu desnecessário incômodo, certamente teria rachado o casco do meu navio. Felizmente pude ver com mais clareza o que estava por baixo das águas em que eu navegava, e o que era um perigo passou a ser um ponto a mais na paisagem.


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