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quarta-feira, 2 de abril de 2014

Dor de criança




Minha finada avó, Dona Elvira, a quem já me referi algumas vezes aqui, dizia que "menino não tem querer". Com esta emblemática frase, ela pretendia significar que criança não tem direito a escolha, não tem que opinar, se manifestar ou querer se fazer presente numa discussão. Não pode nem insistir numa dor que ela "deveras sente", como diria o poeta modernista português.

Em sua época (e ela é do início do século passado - da época da Primeira Guerra) era a coisa mais normal do mundo que a criança não tivesse vez. Era absolutamente normal que a criança não tivesse voz. Assim, ela era um constante vir a ser. A criança era um simples pequeno ser que ia sendo formado a cada teco de migalha que os adultos eventualmente viessem a lhe dar. Dessa forma muita gente, ainda hoje, deixa de valorizar o que a criança quer, o que ela sabe, o que ela sente.

Atendo um garoto em meu escritório. 11 anos, apenas. Um potencial de linguagem imenso, uma capacidade de pensamento rápido para jogar com as palavras, que raramente vejo em muitos adultos. Vez por outra, em meio aos nossos estudos, ele diz algo extremamente engraçado. Tanto, que já o atendo na certeza de que teremos alguns segundos de riso livre. Hoje, não. Hoje ele mal ergueu a cabeça para me cumprimentar, mal estendeu a mão. Não demorou para perceber que ali estava faltando muito do menino alegre que eu conheço já há dois anos.

Olhos sem lágrimas, mas marcados de choro. Saliva engolida mais a seco do que o normal. Gestos em contenção, palavras mudas. Queria logo partir para a atividade que havíamos planejado. Sem uma palavra, apesar de meu constante questionamento. Disse-lhe que não me sentia bem em estar diante de alguém sofrendo e eu não poder ajudar. Coloquei-me à sua disposição. Relatei o que eu fazia quando me sentia daquela maneira. Sugeri que, se não quisesse mesmo falar (e ela já havia dito isso, que eram problemas pessoais e familiares), que ele desenhasse ou escrevesse algo para si próprio, apenas para tirar um pouco a pressão que quase o explodia internamente.

Não tardou a ele entender que era necessário dizer. Concordou em que precisava mesmo falar e afirmou que não sabia colocar em palavras. Aos poucos, foi me contando e entrando no assunto que lhe era doloroso. Sentiu firmeza em si próprio e firmou o olhar. Contou o que acontecera e as perdas resultantes daquilo. Algo desproporcional e difícil mesmo de ser suportado pelos pequenos ombros de um garoto. Uma criança com sentimento; com algo para dizer; uma criança com voz. Voz que se sustentou até o fim do relato, que trouxe leveza àquele coraçãozinho, além de trazer de volta o sorriso àquele rosto pueril.



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