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domingo, 30 de setembro de 2012

Melhor tê-los

Um dos meus poetas prediletos, Vinícius de Moraes, num certo contexto, escreveu o conhecido POEMA ENJOADINHO, no qual disse: "Filhos, melhor não tê-los. Mas se não os temos, como sabê-lo?"

Seguramente na maioria das vezes, os filhos são dádivas que a vida nos dá. São presentes de Deus, são consentimento do Universo para que a nossa vida seja preenchida com graça. São oportunidades que recebemos de passarmos pela inesquecível experiência de receber um sorriso gracioso, ingênuo, pequeno e ao mesmo tempo gigantesco para a nossa alma. Talvez nada haja de mais valioso do que um sorriso de filho acompanhado de um olhar carinhoso e satisfeito, saciado, pleno, feliz - como se aquele momento fosse a vida inteira.

Nos filhos depositamos nossa esperança de um mundo melhor, nossa esperança de termos o nosso mundo melhor. Não me refiro ao universo, não, que ele é grande demais para os nossos filhos. Mas, sim, ao nosso redor, às pessoas que convivem conosco, às situações que criamos. Seguindo seu próprio caminho, fazendo sua própria vida, nossos filhos podem fazer mais e melhor, podem ampliar o nosso projeto de fazer da existência uma aventura fantástica na qual cada segundo vale a pena.

Naturalmente, e até por uma necessidade de aprendizagem significativa, cometerão seus erros, comemorarão seus acertos e, em um e em outro caso, encherão nosso coração de esperança, de orgulho, de satisfação. Porque isso é viver, isso é amar. Eles existem para amar e para ser amados. Porque, sim, os filhos, é melhor tê-los.

sábado, 29 de setembro de 2012

Mente quieta...

Juro que procurei a fonte, mais ainda não encontrei o autor do pensamento cantado por Leila Pinheiro: "Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo". Trata-se de um pensamento magnífico, daqueles que resumem num punhado de palavras bem organizadas o que uma pessoa levará, talvez, a vida inteira para conseguir.

Como seria bom, se, nos momentos mais tensos, nas situações mais desesperadoras, naquelas horas em que o que mais queremos era não estar ali, naqueles instantes em que o peso que se põe sobre nós parece infinitamente maior do que podemos aguentar... como seria bom, se nessas horas, pudéssemos aquietar a mente e enxergar a clareza de tudo o que nos envolve como garras de fera faminta; enxergar o real tamanho do que nos amedronta..., se pudéssemos, pelo menos, enxergar para pensar direito.

A espinha ereta, relaxada mas firme, dando conta de toda a movimentação do corpo, favorecendo o funcionamento neurofisiológico, sustentando nossa postura para a batalha do dia a dia, poderia estar assim sempre, em vez de arcar-se para o lado ou para fora em sinal de concentração de tensão, de falta de energia.

Seria maravilhoso, se, nas horas em que a raiva impulsiona todas as energias para se transformar um gesto de agressão ou numa palavra violenta, conseguíssemos tranquilizar o coração e fazê-lo bater uma vez a cada segundo... Seria magnífico, se, na hora em que a tristeza aperta o coração e consome as energias para se transformar em dor de choro ou em choro de dor, nós conseguíssemos "desfibrilar" o coração e fazê-lo bater no compasso da alegria.

Mesmo não sendo assim sempre, é importante lembrar-se de que as coisas se resolverão mais facilmente, se os pensamentos estiverem numa clareza adequada, se a coluna estiver bem apoiada e se o coração estiver numa batida harmônica.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Psicossomatização

Parece palavra sofisticada, parece palavrão, parece que significa uma e não outra coisa... A psicossomatização é uma realidade hoje, sempre foi e sempre será.

As culturas muito antigas, a hebraica e a grega, por exemplo, acreditavam que éramos compostos por realidades distintas. Aqueles julgavam que éramos feitos de corpo e espírito; estes, defendiam que nossa essência dupla é de mente e corpo. De qualquer modo, sejam quais forem, não somos separadamente corpo - mente - espírito. Penso que sejamos tudo isso junto. E, com certeza, muito mais coisa de que talvez nem tenhamos conhecimento.

Pois é. Todas essas realidades que nos compõem são tão juntas, que, quando uma não está bem, a outra reflete, como um espelho formado por outra matéria. É precisamente isso a psicossomatização. A palavra em si já ilustra bem o conceito, na medida em que junta numa só materialidade a psiquê e o corpo. Sim, engana-se quem pensa que a palavra significa soma da mente, ou mente somada. Em grego, o termo "soma" significa "corpo". Portanto, uma psicossomatização é uma manifestação conjunta de um estado simultâneo da mente e do corpo.

Poucas coisas explicam melhor o fato de termos problemas de garganta quando algo está entalado sem ser dito; vale o mesmo para os problemas de estômago, quando há algo claramente "mal digerido"; pouca coisa também explica os problemas de coluna que temos, quando há alguma estrutura ruindo. Os gregos já pregavam uma verdade que vale até hoje: "mens sana in corpore sano". Há uma mente sã em um corpo são.

Palavra de criança

"É só pensar em você, que muda o dia. Minha alegria dá pra ver", canta Chico César uma música belíssima que me faz imediatamente recordar de minha filha mais nova, a Gabi.

Sempre trabalhei demais. Desde muito novo, estudava, trabalhava e trabalhava. Isso mesmo: já mandava dois empregos. Assim que decidi me casar, passei a trabalhar mais para conseguir pagar tudo que envolve o ato de casar. Depois que casei e tive filhas, pareceu que trabalhar demais era uma boa justificativa para manter algum padrão familiar. Depois que me descasei, para me reconstruir foi necessário também trabalhar demais. Enfim, ainda hoje não tenho muito certo para mim se trabalhar demais é uma justificativa plausível ou se é uma desculpa, uma fuga, um sei-lá-o-quê que me afasta de outro sei-lá-o-quê.

Fato é que certa noite chegando bem tarde e cansado em casa, ao abrir a porta da sala, me deparei com um dos rostos mais lindos que meus olhos já puderam contemplar: o da Gabi, minha filha menor. Mas lindo, lindo mesmo. Ainda hoje seu rosto resplandece naquele corpo que é só seu. Ela era tão pequena à época, que seu corpo não ocupava sequer meio sofá.

E era no sofá que ela estava, ajoelhadinha, com as mãozinhas no encosto e o queixinho apoiado ali também, como quem está preparado para fazer algo pensado há muito tempo. E foi isso que fez. Assim que abri a porta e nossos olhares se cruzaram, ela disparou com toda a doçura que lhe é característica: "estava com muita saudade e resolvi ficar aqui te esperando antes de dormir". De fato, quando me lembro dela, quando me lembro dessa cena, minha alegria dá pra ver.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Ser forte

Um dos poemas mais belos de Augusto dos Anjos, apesar de algumas palavras pesadas, é o "Versos Íntimos". Aos que queiram se lembrar, ele começa dizendo: "Vês! Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera. Somente a ingratidão, esta pantera, foi tua companheira inseparável. Acostuma-te à lama que te espera! O homem, que, nesta terra miserável, mora entre feras sente inevitável necessidade de também ser fera".

É preciso ser forte, dizem-nos muitas vezes os outros. É preciso ser forte, dizemos muitas vezes aos outros.

Mas tem hora que não dá. Tem hora que a fera do lado de lá tem mais força, mais fome, mais voracidade, mas determinação do que a fera que somos. Já disse aqui, entre postagens, que assim como Hércules, temos que matar um leão por dia. O dele era o de Nemeia. O nosso é um problema pessoal, interpessoal, familiar, profissional, escolar. Independentemente da natureza que tiver o problema, ele se apresenta diante de nós todo dia. Em algumas dessas oportunidades, dá vontade de ceder, de fraquejar, de entregar os pontos, de deixar-se morrer pela ação do outro (como fez Eurico, o presbítero - de Alexandre Herculano).

É nessas horas que é preciso ser fera. Forte o suficiente para entender que é necessário ajuda. Que é preciso um ombro. Que se carece de um ouvido. Que se deseja uma palavra de estímulo. Que se espera um gesto de compreensão, de solidariedade. É preciso ser forte para se fortalecer nos momentos de fraqueza.  

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Pequenos gestos

Como já disse aqui, um dos meus projetos de vida profissional já foi ser publicitário. Por isso, tenho grande afeição pelo mundo da propaganda e imensa admiração pelo uso da linguagem na publicidade de um produto. Frases curtas, secas, diretas, com sentidos plenos, surpresas, paradoxos, trocadilhos.. Agora me ocorre, por exemplo o famoso: "Pequenas empresas, grandes negócios". A ele poderiam se unir dezenas, como o "Technos,  o primeiro a cada segundo", mas vou me ater ao primeiro dos exemplos.

Parece que passamos a vida a pensar em realizar grandes coisas, em dizer frases de efeito, em construir algo inesquecível que nos torne inesquecível, em nos mostrar grandiosos para assim sermos considerados. Sim, sejam os que admitem isso sem o menor pudor, sejam os que vivem isso escondidos em gestos franciscanos ou samaritanos nos quais a sombra é maior do que aquele que a produz. Independentemente de sermos megalomaníacos ou micromaníacos, esse desejo de marcar nossa presença de modo indelével parece ser comum, bem mais comum do que pensamos.

Dois acontecimentos hoje foram de tal modo extremamente significativos para mim, que sequer posso qualificar, dimensionar ou ainda me atrever a julgar os efeitos que eles me causaram. O primeiro, um cumprimento, um "parabéns". Um atrasado "parabéns", por sinal. Mas o modo como se deu ajudou a encantar o gesto. A pessoa parou o que estava fazendo e, em meio a tantas outras, interrompeu minha caminhada - que sempre se dá do mesmo jeito para o mesmo lugar -, fisgou minha atenção, me deu um abraço muito gostoso e me disse que, embora tivesse tentado, não havia conseguido me parabenizar no sábado e, por isso, fazia-o naquela primeira hora da manhã. E me disse outras coisas que a grandiosidade daquele simples e inesperado gesto me impediu de perceber. Bem sei eu que já quis essa pessoa vivendo ao meu lado o resto dos meus dias.

O segundo gesto, foi logo ao final da manhã. Descia eu as escadas depois da última aula e me dirigia à sala dos professores, para dar aqueles mesmos passos - que sempre se dão do mesmo jeito e para o mesmo lugar - em direção ao meu armário. Eu vinha fatigado, fatigado eu vinha (como dizia Drummond) por uma gripe que tem sugado minhas energias. Mas ali, à beira da porta, uma criatura maravilhosa me esperava: era minha filha, a Isa. Me esperava com um sorriso e era saudada por todos os professores que passavam por ali. Uma até brincou dizendo "eu sei que você é a linda do seu pai, mas vou dizer mesmo assim: minha linda!". Rimos muito e chegou minha vez de cumprimentar minha filha, nunca de modo indiferente. Nunca. E ela me disse: "Oi, pai, tava aqui te esperando pra gente almoçar junto. Queria almoçar com você". Ela não sabe e jamais saberá o que significou o seu convite.

domingo, 23 de setembro de 2012

E aos 55?

Falei de mim aos 11, aos 22, aos 33, aos 44 e aos 66.
O hiato que sobrou foi sobre os 55 anos. Daqui a precisos 11 anos.
Minhas filhas terão 25 e 26 anos.

Minhas meninas, que, aos dias e meses de vida, aplacavam sua cólica e seu sono em meu ombro. Minhas graças, que riam e se contorciam sob as cócegas que lhes fazia. Minhas pequenas, que ouviam com a máxima atenção as histórias que eu lia. Minhas prettinhas, que ficavam perplexas diante das imensas possibilidades da linguagem. Minhas belezas que sempre foram muito mais belas do que qualquer paisagem de qualquer dos muitos lugares a que fomos. Minhas heroínas, que superaram os momentos difíceis que vivemos. Minhas moças, que, dia após dia, foram se tornando cada vez mais autônomas.

Imagino que, da cadeira dos meus 55, poderei observar o caminho por onde, já completamente autônomas, andarão aquelas que ensinei a andar, aquelas que erguiam o bracinho para caminhar de mãos dadas comigo. Elas trilharão com os próprios pés o caminho que tiverem traçado para si. Saberão que, assim como era quando lhes ensinei a andar de bicicleta, estarei por perto para ampará-las antes, durante e depois de uma eventual queda. Se não precisarem, seguirão adiante - felizes, saudáveis, fortes e determinadas - sob o olhar atento e "re-fletido" do pai - orgulhoso de ter contribuído, com duas límpidas joias, que terão feito o mundo ficar melhor.

Aos 66 anos

Se ontem, citando Caetano Veloso, eu fiz referência ao verso: "cego às avessas, vejo o que desejo", hoje quero citar Elis Regina, cantando os versos de Zé Rodrix. Vou transcrevê-los para expressar onde e como eu gostaria de estar quando eu tiver 66 anos:

Casa no Campo

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras
Pastando solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
E meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais

sábado, 22 de setembro de 2012

44, 33, 22, 11 anos

Sim, são números. Não palavras no título desta postagem. Foi um pensamento que me ocorreu hoje pela manhã, indo para a PUC. Às vésperas de completar 44 anos, quis me lembrar de como era minha vida aos 33, aos 22, aos 11. Todos sabemos que a memória é falha; todos sabemos que a memória é seletiva; todos sabemos que reconstituir lembranças é reconstituir o passado. "Não olho pra trás, mas sei de tudo. Cego às avessas, vejo o que desejo" - canta Caetano.

Hoje, aos 44 anos, olho pra trás com um sentimento imenso de satisfação. Quem sabe da minha história, quem sabe do que passei na minha primeira infância, quem sabe da luta árdua da minha mãe, apoiada por todos os demais familiares, para nos dar condições de desenvolvimento... enfim, quem sabe da minha história, sabe o quanto tenho a agradecer à vida por ser quem sou, como sou, por que e para que sou hoje. Sou grato a cada pessoa que deixou sua marca na minha vida e ajudou a construir minha existência.

Aos 33, eu vivia o período pós "bug do milênio" - acreditou-se que os computadores todos iriam travar. Bobagem, a gente acredita em tanta coisa alarmante, que depois não passa de miragem... de poeira... de fumaça sem fogo. Era o ano de 2001, eu já tinha a eterna bênção da existência das minhas filhas. À época, com 3 e 4 anos, Gabi e Isa já preenchiam a razão da minha vida. Aquele foi o ano em que cedi aos muitos pedidos para que fizesse doutorado. Academicamente, ganhei muitas coisas, aprendi muito, cresci demais. Mas, fora da Universidade, perdi outras em que eu acreditava também (como o bug do milênio) e que viraram fumaça sem fogo.

Com 22, eu já havia migrado da faculdade de Teologia para a de Letras, atrás do meu sonho de trabalhar com gente e de poder ter melhores condições de sustentar uma família. Naquela época, eu trabalhava com informática e cogitava a possibilidade de me tornar professor. Eu já tinha bastante da "vida louca" que tenho hoje: morava na Mooca, estudava em Guarulhos, trabalhava no Ibirapuera, fazia teatro e construía sonhos. Vi as Diretas Já, vi Tancredo ruir, vi a Constituição, vi o gol do Cannigia na Copa do Mundo contra o Brasil. Mas continuei sonhando.

Quando tinha 11, pré-adolescente, já morando em São Paulo, passava sozinho boa parte do dia. Chegava da escola e me virava enquanto esperava minha mãe, que só chegaria à noite, depois de trabalhar em dois, três empregos em sua jornada (no Mappin, no Hospital, na Alfa...). O que eu fazia sozinho em casa? Disputava acirrados campeonatos de futebol de botão. Eu tinha alguns times, montava a tabela de jogos e jogava contra mim mesmo. Feliz, eu aprendia a competir comigo mesmo, eu superava falhas, desenvolvia estratégias, aprimorava técnicas. Não só de jogar futebol de botão. Mas de lidar com o tempo.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Palavras da alma

Quando Chico César canta que "sua presença me faz rir em dias feitos pra chover", ele faz mais do que uma antítese ou um paradoxo indireto; faz mais do que uma hipérbole; mais do que uma divisão regular do verso. Dizer que a presença de alguém transforma em sorriso o que era para ser a inundação de lágrimas é mais do que dizer, é inculcar, é despertar a vontade de vivenciar essa experiência.

Será isso o belo? Será esse o efeito misterioso da poesia? Será esse o jogo que os poetas tanto adoram praticar? Será essa a magia? Será essa a elegância que Aristóteles recomendava a todo bom uso da linguagem?

Dizer com graça, com sabedoria, com perspicácia, com sensibilidade... é mais do que dar aos olhos o brilho uma imagem; mais do que dar aos ouvidos a carícia de uma sonoridade; mais do que despertar no cérebro uma relação entre contexto, significante, significado e sentido. Construir assim as frases é imprimir na alma do outro a nossa alma; é dar de nós ao outro; é dar às palavras vida - a nossa vida.

Mais: é fazer das palavras o veículo que nos conduz por entre aqueles que existem conosco - em dias feitos para arder ao sol, ou "em dias feitos pra chover".

Faltam palavras, faltam pessoas

"Cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição", canta Renato Russo em um de seus últimos discos. Versos muito caros para mim e um tanto significativos por uma série de razões.

Ao atravessar uma avenida hoje, envolvido pela música que ouvia do meu celular, fui bem até a penúltima faixa, quando fui surpreendido por um carro que entrou naquele sentido e esteve muito perto de me atingir. Embora eu seja normalmente lento e, às vezes distraído, estava atento naquele momento aos carros que dessem seta para alertar uma conversão à direita. Se aquele motorista tivesse acionado a seta, eu não teria atravessado. Óbvio que reprovei sua atitude, porque colocou minha vida em risco.

Depois de algum tempo, tentei me colocar no lugar daquele motorista, que dirigia um carro antigo, sob mais um dia de sol escaldante nesta São Paulo que não recebe chuva há mais de 60 dias. Provavelmente apressado para chegar logo ao seu destino, teve de fazer algumas conversões sem o devido alerta por meio da seta. Sobre mim, ele deve ter pensado que eu era mais um desses irresponsáveis que se desliga do mundo por meio dos fones de ouvido e, ao atravessar a rua distraído, não presta atenção direito nos carros que viram.

Eu achei que o motorista estava errado. O motorista achou que eu estava errado. Processos como esses devem ser a base de muitos conflitos nas relações interpessoais. A pessoa X, insatisfeita, não diz porque acha óbvio que a pessoa B deveria perceber seu estado. Por sua vez, a pessoa B, insatisfeita, pela mesma razão acredita que aquela deveria perceber sua situação. Os dois esperam receber um pouco de atenção. A, de B. B, de A. Um olhar, um abraço, uma palavra. Ambos, calados, irritados ou magoados, ficam "imersos em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição". Quando faltam palavras, existe a possibilidade de estarem faltando as pessoas.



terça-feira, 18 de setembro de 2012

Palavra é ação

Cecília Meireles, tão singela e tão incomensurável como sempre, já havia expressado sua perplexidade diante das palavras: "Ai, palavras. Ai, palavras. Que estranha potência a vossa! Todo o sentido da vida principia à vossa porta. O mel do amor cristaliza seu perfume em vossa rosa. Sois o sonho e sois a audácia, calúnia, fúria e derrota".

A tradição bíblica judaico-cristã tem muita razão quando retrata Deus criando o mundo por meio da palavra. Foi por meio da palavra que ele criou todas as coisas, todos os animais e o homem (também um animal). À sua ordem FIAT LUX!, fez-se a luz. Por meio da palavra, tudo se fez. Passando da tradição judaica para a cristã, encontramos no Evangelho de São João a informação segundo a qual "No princípio era o verbo. E o verbo se fez carne e habitou entre os homens". Tudo nasce na palavra e continua no homem.

Muito modestamente, defendo a ideia de que em nosso mundo contemporâneo todas as nossas relações são mediadas pela linguagem. Em cerimônias de casamento e batismo, não vêm à toa as palavras "Eu os declaro marido e mulher" ou "Eu o batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". Mais: no dia a dia, quando alguém diz "Eu prometo" ou "Eu juro", produz no outro uma expectativa de cumprimento muito maior do que quando simplesmente diz algo. Negócios são fechados com palavras em contrato. Informações correm com as pernas das palavras escritas, faladas, representadas por qualquer forma. As palavras fazem a realidade.

É importante observar o quanto produzimos coisas nas pessoas, o quanto interferimos nelas (e elas em nós) quando circulam elogios, quando se apresentam difamações, quando se disparam indiferenças. É preciso notar também que as palavras são fontes de energia para aqueles que nos rodeiam - energia positiva, que lhes serve de estímulo, de tônus, de motivação, de vontade de seguir a vida. Não posso negar que o contrário também é verdadeiro. A palavra é mais do que um conjunto de sons articulados; mais do que letras. A palavra é uma ação. Mais: é uma interação - uma INTER - AÇÃO. Ela tem força. Tem a potência de que falou Cecília Meireles e é digna de nosso respeito, de nosso cuidado, de nossa perplexidade.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Minha palavra sou eu

Ontem iniciei o texto com uma citação a Arnaldo Antunes. Faço o mesmo hoje. Aliás, adquiri mais um livro dele. Chama-se n.d.a.. Me identifico muito mesmo com o seguinte: "Tanto faz o que você fala, se tanto faz o que você faz".

Para mim isso é quase um mantra que literalmente guia meu comportamento. Como considero a linguagem mais um dos muitos comportamentos sociais que nos definem, nos mostram, nos informam, que dão forma a nós e ao mundo que habitamos, para mim minha palavra sou eu.

Não lido bem com descumprimento de palavra. Se prometo, faço todo o possível para cumprir. Se digo, é porque creio. Se canto, é porque o canto traduz o que eu quero dizer. Salvo exceções que acontecem quando estou fora do meu eixo emocional, quando  que me dirijo a alguém, faço-o para construir. Os que me rodeiam sempre terão uma palavra respeitosa, bem-humorada e atenta, que em geral condiz com meus gestos, meu sorriso, meu abraço. Minhas palavras são para bem soar, para abençoar.

Não. Definitivamente, não. Erro muitas vezes. Firo muitas vezes (firo-me mais vezes), embora para isso use mais o silêncio do que as palavras. No entanto, nunca o faço gratuitamente. Sei que cada um de nós carrega um fardo pesado todos os dias, ora conhecido ora desconhecido. Sei que cada um de nós enfrenta bravamente um leão por dia, como se fosse Hércules sob a incumbência de seus 12 trabalhos. Não quero que minha palavra seja mais um peso nem mais um leão.

domingo, 16 de setembro de 2012

Desatar nós


Um verso do Arnaldo Antunes: "Meu coração bate sem saber que meu peito é uma porta que ninguém vai atender". Gosto muito da poesia de Arnaldo: seus jogos de palavras, sua simplicidade aliada a uma densa profundidade sempre me dizem mais do que aquilo que está escrito. Um, e apenas um, dos aspectos possíveis desse verso que citei há pouco é o fato de o coração insistir em bater, movido pela esperança de ser atendido, de dar/receber atenção, de nos salvar da letargia que nos engole muitas vezes.

Dada a personificação presente no verso, esse "comboio de cordas" - como o chamaria Fernando Pessoa - revela o papel da esperança dentro do indivíduo. Ela vem ali, feito água mole batendo em um peito empedernido, para gritar a possibilidade em face da dificuldade "im-posta" reinante. Vem para, com seu canto ritmado - allegro ma non troppo -, fazer soar sua voz harmônica aos ouvidos do silêncio absoluto.

Ora, quem impõe o silêncio e ensurdece a alma? Quem anestesia o sentimento e amarra braços e pernas?

"É preciso ouvir a voz que vem do coração", canta Milton Nascimento. É necessário saber que algo é possível. É urgente se permitir alcançar. É imperioso querer. É essencial ter esperança. É vital despertar o alguém que é constantemente chamado à vida pelo coração. É crucial desatar os nós que impedem que alguém se depare com a felicidade.

sábado, 15 de setembro de 2012

O tempo e a distância

Tive hoje a feliz oportunidade de ir ao encontro de um amigo meu. Amigo desde a época da adolescência, quando jogávamos futebol, estudávamos, frequentávamos igrejas, cuidávamos de pessoas, fazíamos planos. Em relação ao nosso futuro, sempre tivemos isto em comum: queríamos cuidar de pessoas. Ele se tornou pastor. Eu, professor. Ambos bastante realizados em nossos propósitos de vida.

Lá pelo fim dos anos 80, quando eu cursava o segundo ano de Publicidade (portanto, a um ano de me formar), ele me fez um convite desses que só sendo mesmo muito amigo para aceitar. O colégio onde ele estudava enfrentava muitos problemas: violência, drogas... os de sempre. E ele me chamou para fazer o terceiro ano lá, porque acreditava que poderíamos fazer algo para diminuir aqueles problemas. Como sabem, não sou publicitário. Demos àquele contexto a nossa contribuição.

Até de o destino separar o curso da vida da gente, fizemos bem a nós mesmos interferindo positivamente na vida de muitas pessoas: ensinamos muita coisa boa, cativamos jovens e adultos, espalhamos alegria e esperança entre as pessoas. Hoje ele fez o lançamento de um livro no qual publicou um artigo e organizou outros tantos. Reencontrá-lo foi ótimo.

À saída do evento, pudemos reafirmar nossa sólida amizade, nossa consideração mútua, nossa preocupação um com o outro, nossa satisfação em nos ver bem, nossa esperança de que a felicidade esteja sempre ao nosso alcance. São coisas simples assim, que dão sentido à vida, que sustentam a razão que é a essência da palavra amigo, "mesmo que o tempo e a distância digam não".

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Religião para

O mundo do Oriente Médio está sacudido por manifestações religiosas contra a exibição de um filme americano que satiriza Maomé. Há, por essa razão, conflitos no Irã, no Iraque, no Iêmen, no Egito, na Tunísia, no Marrocos... E isso, não pouco coincidentemente, às voltas do 11/09; sob os ecos da Primavera Árabe.

Para que isso, meu Deus! Para que provocar os sentimentos legítimos de seguidores de outra religião?

Penso, muito honestamente, que toda e qualquer religião deveria servir, pelo menos para unir as pessoas consigo mesmas, com as outras e com o seu mundo. A palavra tem a ver com a capacidade de "re-ligar", tem a ver com a necessidade de unir aquilo que foi (ou que se considera) cindido. Pouco importa se o sujeito é de uma ou de outra religião. Importa que ele esteja feliz e que ele deseje que os que o rodeiam, próxima ou longinquamente, estejam felizes. Para tanto, só o respeito à diversidade pode servir.

Os direitos essenciais precisam ser mantidos, independentemente da fé que alguém professe. Nossa literatura está repleta de episódios de sincretismo religioso. Veja-se "O pagador de promessas" (Dias Gomes), por exemplo. A tentativa de unir forças, muitas vezes é dizimada por ações ditas ortodoxas, radicais e intolerantes. Para onde vai a prática ecumênica? Achar que tudo no mundo é uma questão de bem contra mal, de bom contra ruim, de salvos contra condenados é algo muito mais antigo do que o próprio Cristianismo. Entender o mundo com Maniqueu o entendia é um reducionismo tão barato, que só pode dar mesmo em conflitos, em batalhas, em guerras, em morte.

A religião é para a vida. Quando os valores religiosos passam a valer infinitamente mais do que os valores humanos propriamente ditos, alguma coisa está errada. Muito errada. Nesse caso, a religião para.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Entre o bom e mau

Dan Brown não escreveu apenas 1 livro polêmico. O "Código da Vinci" mexeu com muita gente que tinha dificuldades em aceitar pontos de vista não ortodoxos. As interpretações que ele oferece para os símbolos e para os personagens ali simbolizados realmente abalaram algumas estruturas. Outro livro dele que provoca alguns incômodos é o "Anjos e Demônios". Não vou fazer aqui propaganda de um nem de outro; vou apenas utilizar este último para estabelecer um link como que escrevi ontem, a saber: sobre a presença de pessoas que atuam como anjos em nosso dia a dia.

Pois é. Quem conhece o símbolo do Ying Yang ou quem conhece a teoria do Humanitismo defendida por Machado de Assim em um de seus mais impressionantes romances (Quincas Borba) sabe que as coisas não são opostas entre si, mas, de alguma forma, complementares. Noite e dia, vida e morte, amor e ódio muito provavelmente sejam partes da mesma moeda. Não sei se um existe em consequência do outro, ou se um existe para o outro, ou se um existe com o outro, ou se um existe no outro... nem sei mesmo se existem um E outro.

O fato é que, assim como há pessoas de bem que passam pela nossa vida todos os dias como mensageiros de coisas boas, não há dúvida: também há aquelas que como aves de rapina fazem questão de colocar seus bicos afiados dentro do nosso fígado, dentro dos nossos pulmões, dentro do nosso coração, minando nossas energias, minguando nosso sangue, derramando bile sobre a doçura de nossos dias, pintando de cinza a aquarela da nossa existência.

Para essas pessoas não estou aberto. Não estou aqui para saciar sua fome de putrefatos corações. Não. Eu estou aqui para celebrar a vida, minha família, meus amigos. Para exibir meu sorriso sincero a cada pequena conquista minha ou mesmo para eventuais tropeços. Estou aqui para premiar com abraços e palavras de incentivo cada vitória da minha família e dos meus amigos. Estou aqui para amar e ser amado; não para lamentar e reclamar (é isso que querem os maus). Estou aqui, sim, para viver e deixar viver. É isso que me interessa: o que há de bom.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Tem gente aí

Tenho uma amiga, muito amiga mesmo, que é física. Tão apaixonada pela Física, que largou uma promissora carreira para dedicar-se à conclusão de seu curso de graduação na USP. Falta muito pouco para que ela realize seu sonho e passe a atuar exclusivamente na sua área.

Não são muitas as vezes em que nos encontramos. Nem são poucas. Mas sempre encontros que rendem conversas inesquecíveis e um tanto intrigantes. Imagine-se a conversa entre uma física e um sujeito da área das Letras. Desde detalhes de linguagem e seus registros, trocadilhos e curiosidades até relatividade, tunelagem, física quântica, nanotecnologia e tanto mais. Acompanhados de Erdinger e Paulaner, damos muita risada e muitas vezes cedemos pasmados a aprendizagens, constatações e contestações.

Na última vez, falamos sobre realidades que compõem a nossa realidade, mas que são imperceptíveis aos nossos sentidos - partículas de matéria diversa que nos rodeiam e, de certa forma, interferem na nossa vida. Quem sabe na próxima vez falemos de coisas palpáveis, bastante concretas: de pessoas que às vezes passam pelo nosso dia, cumprem uma determinada missão e, dali a pouco, vão para outras paragens.

Para mim, isto é nítido: tem gente que independentemente do quantum de atenção que lhe dedicamos, traz para nossa vida algo de muito bom. Ora um ombro, ora um sorriso, ora um olhar, ora só um ouvir. Às vezes traz coisas grandiosas; às vezes, coisas tão singelas que se tornam igualmente grandiosas. São pessoas que, muito provavelmente, não saibam o que estão fazendo. São pessoas que, sem asas, nos acolhem. Pessoas que, sem água mitigam nossa sede. Que, sem alimento, aplacam nossa fome. Que, sem saber, nos tiram da ignorância. Com certeza, são anjos. Em forma de gente.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O que é?

Se Chico Buarque perguntava "O que será que será?" e Gonzaguinha perguntava "O que é o que é, meu irmão?", eu aqui, em contexto completamente diferente do deles, me pergunto: afinal, o que que faz a gente continuar acreditando que vai dar certo, que vai dar pé, que vai dar samba?

Que força é essa? Que magia é essa que faz a gente continuar acreditando, a despeito de evidências em contrário? O que é que faz a gente sorrir a "cada vez que a vida diz 'não'"? Tem uma pulsão, tem um força, tem uma ex-pecta-tiva (algo que se põe pra fora do peito), tem alguma coisa que faz questão de viver, que luta contra a terra seca para fazer vingar sua semente.

Tem algo que impulsiona, que insiste em dizer que "se entregar é uma bobagem". Tem um trem que bate no peito (não falo do coração), tem um negócio que nos acorda a cada manhã, que nos dá uma réstia ou uma floresta de esperança. Sei o que é, não. Sei que tem.

Deve ser um pouco do combustível que emprestamos dos sorrisos e dos abraços que damos e recebemos; deve ser um pouco das alegrias que vivenciamos a cada momento do dia; um pouco do aprendizado com as coisas negativas. Deve ser um pouco de tudo. Mas não é pouco. Se pouco fosse, aqui não estaríamos.

É como se Raul cantasse em nosso ouvido a cada instante: "tente outra vez"! E lá vamos nós de novo, com garra, com vontade, pro campo de batalha na tentativa consciente de vencer a guerra em que estamos envolvidos. Cada um tem a sua. "Não pense que a cabeça aguenta se você parar. Há uma voz que canta; há uma voz que dança; há uma voz que gira, bailando no ar" - mas eu não sei o que é.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Que atire a primeira pedra

Quem de nós nunca passou pela experiência de atirar uma pedra em um lago?

Sempre foi muito legal ver a pedra dando saltos sobre a superfície da água. Para isso, a gente jogava a pedra numa angulação quase paralela à da água. A gente até contava para ver quem fazia a pedra saltar mais vezes antes de afundar-se definitivamente.

Outro modo de jogar pedra em um lago é simples: apenas jogá-la para vê-la formar um dos mais belos espetáculos que a natureza oferece. Quando a pedra penetra o corpo da água, ela forma círculos concêntricos, que vão se espalhando simetricamente em pequenas ondas, um círculo após o outro, um maior que o outro e um mais fraco que o outro.

Por mais doido que possa parecer (e eu sei que pareço, muitas vezes), esse espetáculo é para mim uma possibilidade de reflexão. Sempre que penso nas coisas que faço, penso nelas como pedras lançadas na superfície de um lago. Não para saltar sobre, mas para afundar e formar aquelas ondas que vão se multiplicando, crescendo, até a superfície do lago se acomodar de novo.

Tenho consciência de que as coisas que falo, as coisas que faço, o modo como me porto diante de minhas filhas, de meus familiares, de meus alunos, de meus amigos... produz coisas maiores do que o que eu falei ou do que eu fiz. Assim como os círculos concêntricos de que falei acima. 

Parecendo coisa de doido ou não, entendo que uma palavra de incentivo gera uma sensação gostosa, que desperta um sorriso, que relaxa o espírito, que se transforma em disposição para o corpo, que se abre mais feliz diante do mundo e produz em outras pessoas outros círculos.

É com essa consciência que lanço minhas pedras no lago do meu dia a dia, esperando produzir ecos de coisas boas.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Por um triz

Já citei Cazuza aqui, inclusive para iniciar uma reflexão. Vou fazê-lo de novo, porque o que quero dizer encontra eco em um de seus versos, no qual ele revela: "Estamos, meu bem, por um triz pro dia nascer feliz".

Hoje de manhã, depois de um sms recebido, pus-me a pensar no que é que faz o dia ficar bonito, nascer feliz. Não é outra coisa senão a projeção de nós mesmos, de nosso estado de espírito sobre o dia. Um dia cinza pode ser tão amargo quanto um dia ensolarado, se o nosso espírito estiver emanando amargura. É como no conhecido refrão: "I wanna know: have you ever seen the rain coming down on a sunny day?".

Por outro lado, pouco importa se o sol ofusca nossos olhos e aquece nosso corpo com seu brilho e calor; ou se grossos e barulhentos pingos de chuva de um dia frio encharcam e arrefecem o ar que passa pelo nosso corpo, passeando por dentro e por fora dele.

Por que pouco importa? Porque se o coração estiver cheio de esperança, se o espírito estiver aquietado, se a alma estiver vívida, o corpo reagirá emanando boa-vontade diante do dia que se abre para nós.
O instante que antecede o abrir dos olhos a cada manhã é o triz pro dia nascer feliz

Desse jeito vale pedir bis: "Me dê de presente o seu bis pro dia nascer feliz".

É preciso

Vou ligar aqui três músicas com um tema comum. Não faço aqui nenhum tipo de pódio, de patamar nem comparação alguma de gênero musical ou de qualquer outra natureza. Vamos lá: já há uns quarenta anos, os Beatles cantavam: "All you need is love". Sem dúvida alguma, uma verdade inquestionável. Há cerca de 30 anos, com sua voz inconfundível, Elba Ramalho cantava o refrão: "...porque o que se leva desta vida, coração, é o amor que a gente tem pra dar". Por fim, por volta de 20 anos atrás, o vozeirão afinadíssimo de Renato Russo ecoava a sensacional verdade, segundo a qual, "é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã..."

Ninguém mais hoje acredita que só se recebe amor da namorada, na noiva ou da esposa. Ou, ainda, somente dos membros que compõem o núcleo familiar. Recebe-se amor de pessoas próximas e distantes, recebe-se amor daquelas pessoas que são amigas da gente. Dá-se amor às pessoas próximas, àquelas que estão conosco custe o que custar, àquelas que sabem de nossos pontos fortes e fracos, àquelas que já nos viram rir e que já nos viram chorar, àquelas que não têm pudores em nos dizer que erramos, àquelas que se alegram com as nossas alegrias e dividem conosco horas de boas risadas e diversão, horas de jogos, de passeios, de "charla", como diria Vinícius de Morais.

Cultivar amizade é cultivar gestos de amor, independentemente de a pessoa fazer parte de nossa família, de ter uma relação estreita conosco, de ter qualquer interesse. Cultivar gestos de amor é cultivar a vida. E tudo que a gente leva desta vida é mesmo o amor que a gente tem pra dar às pessoas, hoje e sempre como se não houvesse amanhã, porque isso é tudo de que elas precisam. De que nós precisamos.




quinta-feira, 6 de setembro de 2012

É humano

Na minha área de estudo e de atuação profissional a noção de erro já não tem a mesma força de antes. Por isso, em vez de se falar em erro, tem-se procurado falar de inadequação. Assim, um desvio como "Se eu tivesse mais tempo, eu tinha me dedicado mais" não é mais considerado necessariamente um erro, a não ser que ele aconteça numa situação formal de comunicação em que expressões como essa representem alguma forma de prejuízo a quem a profira. Por favor, não quero entrar aqui em embates linguísticos nem discutir preconceitos devidos à linguagem.

Em outras áreas, entretanto, erros são erros. E não vou eu, aqui, me atrever a comentar as especificidades de área que não seja a minha. Mas desvios de dinheiro público, descaso com a saúde, indiferença em relação à educação, estelionato, violência de qualquer natureza (psicológica, emocional, física, financeira e outras)... enfim, atitudes que depõem contra a dignidade do ser humano são erros.

Errar uma vez é algo a que todos estamos sujeitos. Acho até que errar duas, vá la. Agora, cometer o mesmo erro diversas vezes, viciar-se nele, fazê-lo propositalmente, pode não só ser um sinal de falta de percepção moral, como também de incapacidade de superar falhas ou mesmo de uso de má fé.

É preciso que possamos aprender sempre. E isso, muitas vezes, passa pelo erro. Desde que possamos aprender a rir dos nossos erros, a entender sua origem e, principalmente, aprender a desenvolver estratégias para não cometê-los mais, os erros são bem-vindos.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Esperança

É, no mínimo, curioso ver como as fontes de energia estão por aí à disposição daqueles que se dirigem a elas com ímpeto, vontade, determinação e equilíbrio. A despeito de muitas não serem renováveis, a procura por elas é cada vez maior. Vejam-se as fontes fósseis, hidráulicas, de biomassa e outras que, diferentemente da eólica ou solar (por exemplo), têm se aproximado da exaustão. Mas continuamos recorrendo a elas quase incessantemente.

A gente também, como seres bio-psico-sociais, tem sua fonte de energia. Essa fonte é o elemento que faz a diferença entre uma existência com sentido e uma existência sem sentido algum. Ou com qualquer sentido - o que, no fundo, dá na mesma (?). A meu ver, longe de qualquer reflexão filosófica aprofundada, essa fonte tem nome: esperança. Ela nos impulsiona. A falta dela nos emperra.

É porque temos esperança que plantamos: esperamos um dia colher. É porque temos esperança que investimos: esperamos retorno. Investimos tempo, dinheiro, esforço, energia. É porque temos esperança que ousamos abrir os olhos e tirar o corpo da cama todos os dias: esperamos dar mais passos na busca de nossos objetivos. É porque temos esperança que concordamos em continuar vivos por muito tempo: esperamos propagar confiança em um futuro melhor, para nós e para os que fazem parte da nossa vida.

No dia a dia, às vezes lágrimas; às vezes poeira; às vezes luminosidade em excesso ou escassez; às vezes cataratas, enfim, não incomumente, alguns fatores se colocam entre nossos olhos e aquilo que esperamos. É fato. Como também é fato que é preciso manter firme o olhar em todas as coisas e pessoas que nos trazem esperança.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Gracias a la vida

Passei o dia cantando e ouvindo a maravilhosa música da Mercedes Sosa hoje: Gracias a la vida.
Guardadas as naturais diferenças de gênero, essa música expressa muito da gratidão que tenho pela vida e por toda graça que me é concedida a cada dia. Para quem quiser ouvir e ler (inclusive com tradução), o link é: http://letras.mus.br/mercedes-sosa/37544/traducao.html

Segue a letra


Gracias A La Vida

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en el alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo


Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el oído que en todo su ancho
Graba noche y día grillos y canarios
Martirios, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna de mi bien amado


Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él, las palabras que pienso y declaro
Madre, amigo, hermano
Y luz alumbrando la ruta del alma del que estoy amando


Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos
Playas y desiertos, montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio


Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros


Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto


Gracias a la vida, gracias a la vida

domingo, 2 de setembro de 2012

Mudas mudas. Muda.

Há poucos dias, depois de decidir o prato que queria na Spoletto, ganhei um vasinho já com terra e mudas para plantar trevo de 4 folhas. Trouxe para casa e plantei. Mas o meu dia a dia corrido me fez esquecer dele. Na verdade, esperei que a senhora que me ajuda aqui em casa pudesse, além das muitas outras coisas que ela já faz (lavar, passar, limpar), que pudesse também cuidar de mais aquela plantinha em meio às outras duas ou três que tenho aqui em casa.

Não fosse um trevo de quatro folhas e todo o imaginário que se construiu socialmente em torno de sua figura, eu não teria esta preocupação agora. Por uma necessidade minha, a diarista não veio na sexta-feira, para vir na quarta. Pois eis que hoje, domingo, ao precisar uma tomada da sacada, me deparei com o vasinho onde está o trevo. Seco, terra seca. E as mudas... mudas.

Para mudar aquela situação, imediatamente me coloquei a regar a pequena porção de terra onde quero que se desenvolva o trevo. Vamos ver no que dá. Não fosse eu precisar da tomada (energia) ali de fora, não teria podido ressuscitar as mudas de trevo e dar nova energia a elas.

Espero que não seja assim com fatos e pessoas com que estou envolvido todos os dias: que eu não delegue a outros a responsabilidade pelo cuidado; que eu não me esqueça de dar de mim para que a vida possa brotar. E se desenvolver forte, saudável e feliz.

Simples - mas não menos que isso

Minha irmã se casou hoje.
Muito feliz por ela e pelo Eduardo, agora meu oficial cunhado.

Quis dizer a eles, na oportunidade que tive de falar a todos, que nesta vida que iniciam juntos, uma das coisas mais importantes que vão precisar olhar com atenção é  simplicidade. Sim, porque ser simples, viver com simplicidade, parece simples.

Salvo exceções, o cotidiano é simples. As coisas do dia a dia acontecem uma após outra com tanta naturalidade, que até parece espontâneo. Ou vice-versa. Mas o fato é que o dia a dia é uma máquina de boca aberta esperando para nos engolir. E justamente por não vermos o que é simples.

Daí, erramos em supervalorizar uma coisinha, uma pequena irritação, por uma meia, por um tempero, por um atraso... e deixamos de ver nisso uma coisa simples. Transformamos uma migalha de neve em uma avalanche.

De igual modo, erramos em infravalorizar uma coisinha, um abraço inesperado, um presentinho, um sorriso maroto... e deixamos de ver nisso uma coisa simples, para ver em seu lugar algo insignificante, uma sombra oca da escassez.

É com a justa medida das coisas simples, que a gente perde ou se perde. É com as coisas simples que a gente ganha ou se ganha. Espero, Carol e Edu, que vocês (e todos os que me leem) se ganhem a cada dia, valorizando em sua proporção correta aquilo que é simples. Como a vida, como cada um de nós.

sábado, 1 de setembro de 2012

When september ends

Sim, o título desta postagem é trecho de uma música do Green Day. Uma das estrofes é: "As my memory rests, but never forgets what I lost, wake me up when september ends". 

Agosto passou, chegou ao seu fim hoje. Mais um pouquinho e ele finda para voltar a florir daqui a muito tempo. O que era para se viver neste agosto, coisas augustas ou não, já são passado. São coisas cujos últimos respiros se dão nestas últimas horas que antecedem o fechamento de seus olhos.

Daqui pra frente: setembro. Não há para onde fugir: do dia primeiro ao dia trinta, haveremos de passar em construção de experiências que serão simplesmente esquecidas, ou que serão eternas habitantes de nossa memória - esteja ela descansando, esteja ela trabalhando.

Por isso, não será possível dormirmos tão profundamente a ponto de solicitarmos que nos acordem quando setembro acabar. Não. Mesmo sem nossa autorização, cada um dos trinta dias se oferecerão a nós pedindo que escrevamos uma história - a nossa existência em setembro/2012.

Que em 30 de setembro, já iniciada a primavera, nossa memória possa estar com muito mais histórias de coisas boas para lembrar do que ruins para esquecer. E isso depende menos da primavera e do mês de setembro do que de nós mesmos.