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segunda-feira, 8 de abril de 2013

Tocar o terror

FG acompanha minha carreira de professor há praticamente 20 anos. Como crescemos praticamente juntos, frequentamos, muitas vezes, os mesmos campos, estádios, bares, colégios e outros lugares que a memória já guardou sob a chave do "esforce-se para lembrar". Na época de faculdade, passamos a nos ver menos, naturalmente, mas, como diz Rachel de Queiroz, nenhuma distância ou tempo considerável é capaz de desfazer amizades verdadeiras.

E ele sabia que eu, desde cedo, tinha descoberto o gosto pela leitura. Lia de tudo, tanto os livros técnicos da faculdade, quanto romances, notícias, quadrinhos e quetais. Atualmente, em aula tenho trabalhado com meus alunos a capacidade narrativa, especialmente voltada para a produção de terror, suspense etc. Por isso venho relendo muitos contos de Edgar Allan Poe (O Gato Preto, por exemplo). FG se interessou pelo assunto e num desses nossos bate-papos não-virtuais veio falar comigo a respeito.

- Ever - era como ele invariavelmente introduzia sua fala - lembra que a gente conversou muitas vezes sobre aquelas histórias doidas lá de medo? Daquelas lá que o cara arrancou os olhos do gato, enforcou e depois ainda teve a manha de pegar outro gato que ele ia matar também?

- Lembro, sim, FG. Gostou da história?

- Muito doida, Ever, muito doida, meu! E esse cara aí dessa história ainda ia matar o segundo gato. Só não matou porque a mulher dele tentou parar ele. Coitada. Sobrou pra ela.

- E você se lembra do que aconteceu com ela?

- Como esquecer, Ever!? O cara é o maior doido, meu: o machado que ele ia descer no gato, ele desceu foi na cabeça dela! Muito doido, mano, muito doido! E ainda quebrou a parede e enfiou o corpo da mulher lá pra ninguém ver. E mais: ainda se orgulhou de ter escondido tão bem!

- E por que você está me falando dessa história agora, FG?

- Tava pensando... ... ... Você acha, Ever, que as pessoas fazem maldades porque querem fazer?

Aquelas perguntas dele eram sempre como um golpe no estômago. Tinham sempre o poder de travar minha respiração, meu olhar e todos os meus movimentos numa busca frenética por uma resposta pronta, que nunca vinha. Sob o efeito da pergunta, fiquei assim, paralisado um tempo. Até ir recobrando aos poucos, bem aos poucos, a consciência necessária para responder.

- Rapaz, não consigo dizer que não, viu?

- (...)

- Acho que no fundo, algum tipo de gosto as pessoas têm. Elas podem até não admitir, FG. Mas eu acho que alguma parte bem escondida dessas pessoas deve sentir um gostinho de sobremesa assim na alma quando fazem algum mal. Vai ver elas até nem saibam que têm isso, vai ver que até se desculpem, se arrependam... mas só depois de saborear o prato principal e a sobremesa.

 - Sabe, Ever, eu acho que essas histórias doidas aí, devem ser um monte de coisas que as pessoas até pensam em fazer e que, se pudessem, iam fazer, sabe? Acho que todo mundo tem um tanto de bicho do mato dentro de si mesmo, e que se não tivesse alguma regra de comportamento ia tocar o terror por aí.

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