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quarta-feira, 17 de abril de 2013

Ajuda pra pedir ajuda

A conversa daquele dia foi interrompida com um gesto involuntário bastante engraçado para o momento em que estávamos, no calor da discussão, na seriedade do assunto (porque já tínhamos passado dos assuntos corriqueiros de futebol e mulher) e no momento mesmo do nosso encontro ali. Sem mais, sem menos, vimos a cabeça do FG despencar da mão em que estava apoiada. Plaf! Do jeito que lançou-se para baixo, como que tomada de um susto, como um movimento de anzol que fisga sua presa, voltou-se para cima, pendularmente.

- Opa! Pegou um peixe grande!!! - disse, sem muitos pudores o mais jovem de nós, que estava sentado bem à frente do FG. Essa foi a reação espontânea ao pequeno susto que levou com o movimento súbito que presenciou.

- Eita! Quê que eu to vendo aqui?? Ô, FG, vai dormir!

A recomendação do Poeta, mesmo em tom de ironia, um tom jocoso e ao mesmo tempo cuidadoso, tinha muita razão de ser. Meu amigo estava mostrando coisas que não precisavam aparecer em público (o seu extremo cansaço) e estava precisando mesmo pôr seu sono em dia.

Envergonhado, FG se levantou e foi ao banheiro lavar o rosto para poder continuar com a gente o tempo que pretendíamos ficar ali. Dali a pouco voltou ele, com um sorriso meio amarelo acompanhado de um movimento nervoso da mão direita que, sem a menor necessidade real, coçava a nuca. Sentou-se e suspirou. Já havíamos combinado entre nós, que, quando FG voltasse, não faríamos piada do que acabara de acontecer.

- Que acontece, meu amigo? E se isso acontece dirigindo? Olha o perigo!!

- Nada, Poeta. Eu tomo cuidado dirigindo. Aqui é que eu fui relaxando o corpo nessa cadeira confortável. Claro que tem a cerveja na cabeça, mas é que eu apoiei as costas, depois dobrei a coluna, aí encostei a cabeça na mão e, quando vi, já não via mais nada. Nem sei o quanto eu perdi de conversa.

Poucas vezes tinha visto FG dar uma explicação tão detalhada de um gesto. Especialmente um gesto difícil de descrever como este: ceder ao sono. Tomei a palavra:

- Rapaz, fale aí. O que é que está acontecendo com você?

Ele insistiu em dizer que não estava acontecendo coisa alguma. Que estava tudo bem. Que todo mundo estava legal. Que o trabalho isso. Que aquilo e coisa e tal. Mas que ele estava com sono naquela hora. E ainda mandou um "só isso" para tentar tranquilizar a gente.

- Tá dormindo direito em casa, mano? - quis saber o mais jovem.

- Tô sim, tô sim.

- Quantas horas?

Aí a coisa pegou, porque a pergunta não era fácil e talvez o próprio FG não tivesse se dado conta de quanto estava dormindo. Ou deixando de dormir. Demorou, mas veio a resposta.

- Umas 3 horas...

- !!!

- ???

- ...

- Como assim, três horas só? Tá maluco ou quer que a gente tenha dó?

A pergunta do Poeta era um anzol jogado na água de FG. E qualquer que fosse sua resposta para as alternativas que lhe foram dadas, ele se complicaria. Achou logo uma saída:

- Não é nada disso.

- Então, o que é?

- Acho que é acúmulo de coisas pra fazer, pessoal! Só isso...

- Ô, meu!!?? - interpelou o mais jovem - Cê não percebe a doideira que cê tá falando? Como é que é "só isso", se é "acúmulo"? Se é um, não é o outro, rapaz. Acorda!

Ao silêncio de FG diante do golpe certeiro que lhe dera o rapaz, vim em seu socorro e lhe perguntei por que não pedia nossa ajuda.

- Pra não incomodar, Ever.

- Incomodar, rapaz? E você acha que amigo se incomoda de ajudar amigo? Justamente você, que ajuda todo mundo, indiscriminadamente. Ajuda até quem você não conhece. Ajuda até inimigo seu. Ajuda até a quem não lhe agradece. Não mede esforço para ajudar, manhã, tarde, noite, madrugada, você está sempre aí, pronto pra toda obra, enfim, justo você? Não, não entendo.

Não sei o que se passa na cabeça do meu amigo FG, enquanto ele prepara uma resposta para mim, mas sei claramente que este é um daqueles caras que fazem de tudo para ajudar e que têm imensa dificuldade em aceitar ajuda, em pedir ajuda, em ser ajudado. Eu tinha certeza de que já tínhamos pegado pesado com ele até ali. Mas, joguei a última pergunta pra ele:

- Qual é, rapaz? Qual é o problema em ser ajudado? Se acha super-herói? Quer mostrar para alguém que você é mais do que é realmente? Não quer dever nada para ninguém, é isso? Não quer parecer chato ao pedir ajuda? Não quer incomodar os outros ou não quer que os outros se incomodem com você e correr o risco de ser rejeitado ou mal visto por eles? Quer ser sempre o legalzinho que não incomoda ninguém? Está virando egoísta? Acha que ser amigo é uma mão de via única? Acha que amigo não tem prazer em ajudar?

Uma mão no meu ombro me fez parar o interrogatório insano e perceber perplexidade e tristeza no rosto cansado de FG.

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