Em um dos poemas mais conhecidos de Fernando (Nogueira) Pessoa, ele diz que "o poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente". Embora essa seja a parte mais citada do poema, hoje me atenho à última estrofe, na qual ele afirma que "nas calhas de corda, gira a entreter a razão esse comboio de corda que se chama coração".
Muito diferentemente de pessoa para pessoa e época para época, chega um momento da vida em que as pessoas acreditam estar em pleno domínio de suas emoções e se gabam disso, como se tivessem superado uma das maiores etapas de sua vida, como se tivessem passado do Romantismo de segunda geração para o Realismo, período em que a razão reina suprema.
Entretanto, a vida tem uma série de esquinas nas quais sempre há algo pelo qual temos a impressão de ter passado várias vezes - o que nos dá a sensação de que nunca esbarraremos nele ou tropeçaremos ou escorregaremos. Mas, é justamente nesses locais em que a gente bate a cabeça, torce o tornozelo ou engancha uma parte da roupa.
E é nessas horas que as cordas do coração, como piano, como violão, como fado, soam a canção da memória que desperta acordes que surpreendem a razão. Aí é que se tenta fingir ser dor a dor efetivamente sentida e se percebe que Romantismo e Realismo não são coisas diferentes, mas complementares. Aí é que se vê que em vez de mais coisas nas esquinas, talvez haja mais esquinas nas coisas.
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