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terça-feira, 7 de maio de 2013

Entrevista - Parte II

Segue a segunda parte da entrevista concedida à Revista Língua Portuguesa.

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- E trechos de receita ou hinos de futebol transcritos aleatoriamente, conforme casos divulgados pela imprensa? Por quê?
Há que se analisar o contexto em que a citação a um hino de clube ou a uma receita aparece na redação do candidato. Prega-se, há muito tempo, a intertextualidade, isto é, a capacidade de o candidato citar outros textos como forma de corroborar sua própria argumentação. Se a receita ou o hino de clube – evidentemente um trecho e não na sua completude -  vier com o intuito de fortalecer a qualidade do raciocínio, não vejo grande problema – embora seja um recurso não recomendado em termos de argumentação por autoridade. Entretanto, se o trecho de hino ou de receita vier em tom de zombaria ou de desprezo pela situação avaliativa, é evidente que impedirá que a redação tenha nota máxima, sobretudo porque fere a própria relação formal entre os participantes da situação comunicativa: um candidato e um avaliador.  Se mal utilizada a citação, o candidato também pode perder pontos relativos ao domínio do gênero textual cobrado – no caso do ENEM, uma dissertação argumentativa. Em textos assim, todos os enunciados devem convergir para fortalecer a argumentação do candidato. Se não houver essa finalidade, haverá inadequação.

- Redatores podem ter boa argumentação e, num contexto de nervosismo de exames, tropeçarem na gramática?
Podem. E não só redatores em situação de exame vestibular. Qualquer um de nós pode tropeçar na gramática, assim como pode tropeçar na escolha de uma roupa, de um talher. O comportamento linguístico é um comportamento eminentemente social. Assim como um erro ortográfico ou um erro sintático não compromete o texto todo, uma escolha de um talher ou de uma peça de roupa considerada errada não impede que alguém se vista ou deixe de se alimentar. Qualquer pessoa em contexto de nervosismo está mais exposta a erros, e isso deve ser considerado por ambas as partes: pelo redator e pelo candidato.

- Neste caso, sua aprovação pode ainda assim ser considerada justa? Por quê?

Enquanto não nos libertarmos do ideal clássico de perfeição e do maniqueísmo que divide as coisas em justas e injustas, só boas ou só ruins, continuaremos jogando fora da bacia o bebê e a água do banho. Não são poucos os exemplos de pessoas hoje absolutamente respeitadas dizerem claramente que não dominam gramática. Luís Fernando Veríssimo é um. No seu famoso texto O Gigolô das Palavras, ele afirma claramente que “Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo”. E ele ainda brinca com isso, dizendo mais: “Dizer ‘escrever claro’ não é certo, mas é claro, certo?”. Não quero comparar os candidatos ao Veríssimo nem este àqueles. Quero apenas dizer que considerar injusta a aprovação de alguém apesar de um ou outro erro gramatical pode ser uma postura de inflexibilidade que tende a revelar que só os perfeitos têm lugar ao sol. A vida não é assim: em todos os papéis sociais estamos sujeitos a falhas. Mas, assim como nós mais acertamos que erramos, não somos execrados a cada erro cometido, também os candidatos não devem ter considerada injusta sua aprovação apesar de seus erros, pois eles mais acertaram que erraram. Não, não estou dizendo que temos de ser coniventes com erros, mas que a nossa postura diante do erro precisa ser revista.

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