Muitos o consideravam um pão e viam justiça no fato de ele
ter encontrado um broto em que se amarrou e a quem pediu em casamento em plena
boate. Um adolescente que ouça esse relato –
tão comum nos anos 50 – terá sérias dificuldades de compreensão, dado o uso de
algumas palavras que tornam complicada a compreensão do que se quer dizer. Hoje
em dia, para a maioria dos jovens, expressões como “um pão”, “um broto”,
“amarrar-se” e “boate” soam estranhas. Elas são vistas como “coisa de gente
velha”, e, assim, como coisa de gente velha, foram ficando para trás, caindo em
desuso e entrando na categoria daquilo que não tem mais utilidade.
Expressões como essas são vistas como alvo de piadas,
sobretudo, porque servem para caricaturar um quadro social daquele que é
passível de riso; daquele que serve como esteio para mostrar a força do que
existe em detrimento do que já existiu. Para os mais jovens, trata-se de
palavras que não fazem sentido e não fazem parte do seu material linguístico,
do seu universo vocabular. Quer dizer: eles não convivem com tais palavras;
afinal eram utilizadas por pessoas de três gerações antes da sua. E como a
questão geracional hoje é algo que muda com uma rapidez absurda, tudo o que é
antigo é deixado de lado. Funciona com palavras, funciona com aparelhos,
funciona com pessoas – seja no âmbito pessoal, seja no acadêmico, seja no
profissional.
Do ponto de
vista profissional, ações preconceituosas e discriminatórias
baseadas nas diferenças de idade são conhecidas como etarismo[1].
Por meio dessa prática, o mundo tem visto pessoas velhas serem quase
literalmente descartadas de suas funções – não por serem incapazes de aprender
as novidades do trabalho nem por serem incompetentes no desenvolvimento de suas
funções, mas apenas por não serem jovens ou – como diria meu aluno – por
fazerem “coisa de gente velha”. Esquece-se de que o Brasil, em poucos anos,
estará numa pirâmide invertida na qual a população será majoritariamente idosa.
Esquece-se do tanto de sabedoria e de experiência acumuladas nas muitas idas da
vida de um idoso.
Uma pessoa que
já viveu mais tem grande chance de já ter lido mais, ter escrito mais, ter
trabalhado mais, ter acumulado muito mais experiência, mais habilidade e mais
competência do que uma pessoa que ainda depende de pesquisas no Google para se
inteirar de coisas simples. Naturalmente isso não é uma generalização
irresponsável, mas uma constatação. Nada impede que, dependendo da situação, um
jovem em particular tenha mais leitura, escrita, trabalho e vivência do que um
idoso em particular – mas essa não é a regra. Por conta dessa diferença de
saber acumulado, as diferenças se mostram, se evidenciam inclusive nas palavras
utilizadas. Daí é que dizemos que existem palavras que denunciam a idade.
Os usos de linguagem de pessoas com mais de 70 anos, é
verdade, são o claro exemplo do que chamamos de variação linguística diacrônica[2]
(histórica ou temporal) pelo fato de em seu vocabulário estarem presentes
diversas palavras que têm pouquíssimo uso hoje em dia ou que não são mais
utilizadas pelas novas gerações, cuja tecnologia – por um lado – banhou com
novos termos e – por outro lado – empobreceu com termos generalizantes. Tome-se
um idoso e se apresente a ele uma palavra como “upload”; ou peça-se a ele que
guarde seus arquivos na “nuvem”; ou ainda que ele “tire um print da tela”; ou
que ele escolha entre um sistema “Android ou IOS”. Tudo isso é pedir muito para
uma pessoa que ainda lida em seu cérebro com a ideia de fotocópia.
O fato é que,
enquanto uma palavra como “fotocópia” pode revelar a idade de uma pessoa, ou
que uma palavra como “datilografar” possa ser reveladora do tipo de tecnologia
que uma pessoa conheça, não se pode imaginar que esses detalhes linguísticos
sejam inadequações sociais – no sentido de provocarem constrangimento em quem
as ouve ou as lê. Pior ainda: não se deve discriminar alguém por utilizar
palavras como essas, porque isso não é indicativo de maior nem de menor
adequação: trata-se, apenas, de uma variação linguística. Comportamentos
discriminatórios dessa natureza não revelam preconceito linguístico; revelam,
sim, um preconceito social – que, como qualquer preconceito, deve ser evitado.
O outro lado
dessa realidade tem tanto valor como este, isto é, do mesmo modo que um idoso
não pode nem deve ser discriminado pelas palavras que ele utiliza, uma pessoa
mais jovem também não deve ser discriminada pela mesma razão. Ambas as
categorias de palavras têm seu valor em seu contexto específico e, nesse
sentido, vale frisar a ideia de que, quanto mais competente alguém for para
utilizar a linguagem, maiores serão as suas chances de sucesso nas interações
sociais pretendidas. O inverso disso é verdadeiro também: quanto menos uma
pessoa dominar a linguagem (o que implica dominar palavras antigas e novas),
menos competente ela será para estar nos contextos em que ela pretende estar.
Assim como
acontece com as palavras, acontece com as pessoas. Umas são discriminadas,
ridicularizadas e relegadas a um segundo plano, enquanto outras são
valorizadas, prestigiadas e priorizadas. Quanto mais soubermos conviver com as
palavras (lendo, ouvindo, escrevendo e falando), melhor saberemos conviver com
as diferenças de idade (respeitando, valorizando, prestigiando, valorizando).
Palavras e pessoas, jovens e menos jovens, todas têm o seu valor, todas têm
algo a contribuir, todas podem colaborar para a produção de um mundo melhor em
que se possa viver em harmonia.
[1] PEREIRA,
Marie Françoise Marguerite Winandy Martins. Um estudo sobre o etarismo nas
organizações. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.
[2]
Preti, Dino. Sociolinguística: os níveis de fala. São Paulo: Nacional,
1987.
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