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quinta-feira, 2 de julho de 2020

Velhas palavras para pessoas novas





Muitos o consideravam um pão e viam justiça no fato de ele ter encontrado um broto em que se amarrou e a quem pediu em casamento em plena boate. Um adolescente que ouça esse relato – tão comum nos anos 50 – terá sérias dificuldades de compreensão, dado o uso de algumas palavras que tornam complicada a compreensão do que se quer dizer. Hoje em dia, para a maioria dos jovens, expressões como “um pão”, “um broto”, “amarrar-se” e “boate” soam estranhas. Elas são vistas como “coisa de gente velha”, e, assim, como coisa de gente velha, foram ficando para trás, caindo em desuso e entrando na categoria daquilo que não tem mais utilidade.
Expressões como essas são vistas como alvo de piadas, sobretudo, porque servem para caricaturar um quadro social daquele que é passível de riso; daquele que serve como esteio para mostrar a força do que existe em detrimento do que já existiu. Para os mais jovens, trata-se de palavras que não fazem sentido e não fazem parte do seu material linguístico, do seu universo vocabular. Quer dizer: eles não convivem com tais palavras; afinal eram utilizadas por pessoas de três gerações antes da sua. E como a questão geracional hoje é algo que muda com uma rapidez absurda, tudo o que é antigo é deixado de lado. Funciona com palavras, funciona com aparelhos, funciona com pessoas – seja no âmbito pessoal, seja no acadêmico, seja no profissional.
Do ponto de vista profissional, ações preconceituosas e discriminatórias baseadas nas diferenças de idade são conhecidas como etarismo[1]. Por meio dessa prática, o mundo tem visto pessoas velhas serem quase literalmente descartadas de suas funções – não por serem incapazes de aprender as novidades do trabalho nem por serem incompetentes no desenvolvimento de suas funções, mas apenas por não serem jovens ou – como diria meu aluno – por fazerem “coisa de gente velha”. Esquece-se de que o Brasil, em poucos anos, estará numa pirâmide invertida na qual a população será majoritariamente idosa. Esquece-se do tanto de sabedoria e de experiência acumuladas nas muitas idas da vida de um idoso.
Uma pessoa que já viveu mais tem grande chance de já ter lido mais, ter escrito mais, ter trabalhado mais, ter acumulado muito mais experiência, mais habilidade e mais competência do que uma pessoa que ainda depende de pesquisas no Google para se inteirar de coisas simples. Naturalmente isso não é uma generalização irresponsável, mas uma constatação. Nada impede que, dependendo da situação, um jovem em particular tenha mais leitura, escrita, trabalho e vivência do que um idoso em particular – mas essa não é a regra. Por conta dessa diferença de saber acumulado, as diferenças se mostram, se evidenciam inclusive nas palavras utilizadas. Daí é que dizemos que existem palavras que denunciam a idade.
Os usos de linguagem de pessoas com mais de 70 anos, é verdade, são o claro exemplo do que chamamos de variação linguística diacrônica[2] (histórica ou temporal) pelo fato de em seu vocabulário estarem presentes diversas palavras que têm pouquíssimo uso hoje em dia ou que não são mais utilizadas pelas novas gerações, cuja tecnologia – por um lado – banhou com novos termos e – por outro lado – empobreceu com termos generalizantes. Tome-se um idoso e se apresente a ele uma palavra como “upload”; ou peça-se a ele que guarde seus arquivos na “nuvem”; ou ainda que ele “tire um print da tela”; ou que ele escolha entre um sistema “Android ou IOS”. Tudo isso é pedir muito para uma pessoa que ainda lida em seu cérebro com a ideia de fotocópia.
O fato é que, enquanto uma palavra como “fotocópia” pode revelar a idade de uma pessoa, ou que uma palavra como “datilografar” possa ser reveladora do tipo de tecnologia que uma pessoa conheça, não se pode imaginar que esses detalhes linguísticos sejam inadequações sociais – no sentido de provocarem constrangimento em quem as ouve ou as lê. Pior ainda: não se deve discriminar alguém por utilizar palavras como essas, porque isso não é indicativo de maior nem de menor adequação: trata-se, apenas, de uma variação linguística. Comportamentos discriminatórios dessa natureza não revelam preconceito linguístico; revelam, sim, um preconceito social – que, como qualquer preconceito, deve ser evitado.
O outro lado dessa realidade tem tanto valor como este, isto é, do mesmo modo que um idoso não pode nem deve ser discriminado pelas palavras que ele utiliza, uma pessoa mais jovem também não deve ser discriminada pela mesma razão. Ambas as categorias de palavras têm seu valor em seu contexto específico e, nesse sentido, vale frisar a ideia de que, quanto mais competente alguém for para utilizar a linguagem, maiores serão as suas chances de sucesso nas interações sociais pretendidas. O inverso disso é verdadeiro também: quanto menos uma pessoa dominar a linguagem (o que implica dominar palavras antigas e novas), menos competente ela será para estar nos contextos em que ela pretende estar.
Assim como acontece com as palavras, acontece com as pessoas. Umas são discriminadas, ridicularizadas e relegadas a um segundo plano, enquanto outras são valorizadas, prestigiadas e priorizadas. Quanto mais soubermos conviver com as palavras (lendo, ouvindo, escrevendo e falando), melhor saberemos conviver com as diferenças de idade (respeitando, valorizando, prestigiando, valorizando). Palavras e pessoas, jovens e menos jovens, todas têm o seu valor, todas têm algo a contribuir, todas podem colaborar para a produção de um mundo melhor em que se possa viver em harmonia.



[1] PEREIRA, Marie Françoise Marguerite Winandy Martins. Um estudo sobre o etarismo nas organizações. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.
[2] Preti, Dino. Sociolinguística: os níveis de fala. São Paulo: Nacional, 1987.

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