Sempre
procurei ter uma boa relação com as palavras, tanto com as que eu digo ou escrevo
quanto com as que eu ouço ou leio. Isso porque sei do tamanho poder que elas
têm sobre a vida cotidiana das pessoas. Ainda mais quando são ditas repetidas
vezes, com intenção formadora, as palavras deixam marcas difíceis de apagar da
memória das pessoas. E, quanto mais associadas à memória, mais ligadas a algum
tipo de emoção, que pode ser boa (eufórica) ou ruim (disfórica). São palavras
que muitas vezes definem o que somos.
Experiências
escolares da minha época (hoje nem tanto) levavam os professores a nos fazer
repetir a escrita de uma palavra dezenas de vezes para que fixássemos sua
ortografia. Quantas e quantas vezes repeti a tabuada, as capitais, os órgãos, as
siglas. Inúmeras vezes advogados repetem palavras-chave para persuadir o juiz.
Centenas de vezes os publicitários repetem slogans para fisgar consumidores. Tantas
e tantas vezes repeti as letras de música que adoro. Infinitas vezes repeti
para minhas filhas, tão pequenininhas à beira do mar ou em uma piscina: água na
altura do umbigo é sinal de perigo. Pois bem: só depois de me tornar gente grande
é que percebi o quanto uma palavra intencionalmente repetida pelo meu avô fez
toda diferença no meu modo de ser: perseverança.
Ele
sempre nos dizia esta palavra como uma das características essenciais na vida
de uma pessoa de bem. Agora, muitas décadas depois dessas experiências e apenas
há alguns anos de sua morte, é que eu posso contemplar o efeito que a palavra perseverança
causou em mim. Deus sabe o quanto sou grato àquele homem absolutamente simples
e de uma sabedoria de vida absurdamente grande, um homem cheio de vida, de
alegria, de sorriso fácil, de energia enorme, de dedicação incrível; um homem
austero quando deveria ser; uma pessoa de valores claramente definidos. Ele me
ensinou a perseverar.
Juntamente
com “humildade” e “obediência”, perseverança é a palavra que me traz à
lembrança o fato de que é preciso me manter firme, ser constante, permanecer,
não desistir. Foi assim que consegui resistir às muitas intempéries que a vida
me impôs: a falta de recursos na infância, o abandono do meu pai, a solidão em
grande parte do dia, o desafio da vida em São Paulo (considerando que vim de
Janaúba – conhece?), o fato de trabalhar desde os 13 anos, as inexplicáveis crises
convulsivas da adolescência, a ocupação do dia todo entre trabalho e estudo –
que me trouxe um amadurecimento precoce –, uma separação que ficou na conta do
imponderável, um zunido de 24horas nos ouvidos, umas dores lancinantes de
hérnia... e tantas outras chances que eu tive de desistir. Em todas elas, escolhi
perseverar. E sou feliz.
De
algum modo, o ensinamento do meu avô reverbera silenciosamente na minha cabeça
e no meu coração. Esse ensinamento vive aqui dentro numa região da minha
memória de longo prazo – aquela em que guardamos os conhecimentos essenciais
aos quais não precisamos dedicar esforço para lembrar. São registros de memória
que, em situações vitais nos fazem agir de modo a nos despertar para o valor da
vida e para os valores da vida. Ainda que não tenhamos consciência deles, eles
continuam firmes e fortes, eles perseveram em nós, atuando nessa fantástica
máquina que é o nosso cérebro – amplamente desconhecido nas ações inconscientes.
Estou
certo de que é por preferir perseverar, que eu escolho conscientemente ver o
que de melhor a vida tem para oferecer; enxergar o que há de bom nas pessoas,
nos acontecimentos e nas coisas que nos rodeiam em nosso dia a dia. Sem dúvida,
erro algumas vezes, mas não resta a menor dúvida de que o volume de acertos é
infinitamente maior, porque o tino nos leva às decisões que, mesmo não
parecendo as melhores imediatamente, vêm a se mostrar positivamente no longo
prazo.
E
tudo isso porque, entre muitas, uma palavra dita em várias oportunidades pelo
meu avô criou em mim um jeito de ser, de pensar, de agir de reagir, um jeito de
viver. Já estou na casa dos cinquenta anos e me pego pensando na maravilha de
herança deixada por ele – uma herança inestimável e que jamais tirarão de mim.
Penso também no que estou deixando como legado aos meus familiares, aos meus
amigos, meus alunos, à família que eu constituí e com a qual convivo todos os
dias, e, sobretudo, no que estou deixando como legado às minhas filhas. Mas
isso não se mede no presente, porque só depois de muito tempo é que se veem as
marcas deixadas, gravadas no inconsciente como parte constitutiva da existência.
Que Deus me dê sabedoria para sempre dizer palavras que gerem vida a todos os
que me dão o privilégio de sua companhia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário