A idade das palavras e as palavras da idade – palavras
idosas
Prof. Dr. José Everaldo
Nogueira Jr.
Penso que nessa quarentena a que
estamos submetidos há mais de 100 dias, muitos desenvolveram formas de se
manter emocional, física, psicológica, espiritual e intelectualmente saudáveis.
Isso para que a Covid, que já matou mais de 10 milhões de pessoas, não matasse
o que temos de melhor: o sentido da nossa vida cotidiana. Particularmente, em
cada uma dessas áreas que citei eu tentei trabalhar algo e acho que (acho que)
estou saudável. Do ponto de vista intelectual, eu estudei bastante: li muitos
livros, escrevi muitos textos, montei cursos, fiz cursos, estudei línguas:
inglês e italiano.
No caso do estudo da língua
italiana, trata-se de um desejo antigo, um desafio, uma oportunidade de
aprender um pouco desta que é a mais próxima da nossa língua-mãe, o latim. Ainda
no nível mais elementar de leitura e compreensão de frases italianas vou me
aventurando. Foi nessa experiência que me deparei com um vocabulário bem
diferente (embora algumas palavras soassem familiares pelo fato de eu viver em
São Paulo há mais de 40 anos) e com uma estrutura frasal diversa da que
costumamos ver no Português, além de uma construção sintática e semântica bem
interessante. No plano vocabular, uma palavra me despertou a presente reflexão foi
“fenestra”.
Inicialmente me ela lembrou uma
crônica do Luís Fernando Veríssimo, que brinca com a palavra “defenestrar”.
Logo depois comecei a pensar sobre a idade das palavras e do quanto elas duram
na nossa língua. Quando li a palavra “fenestra” e a coloquei em contextos
diferentes com frases diversas, percebi que no Português atual, essa palavra
muito provavelmente já está na gaveta daquelas que – como dizem os linguistas –
caíram em desuso. Os filólogos, por sua vez, diriam que “fenestra” já é um
arcaísmo. Os professores de Português talvez a utilizem como exemplo de uma
variação linguística diacrônica – aquela em que o tempo cala e cega algumas
palavras, tornando-as estranhas ao convívio moderno, como se fossem dignas de
vergonha e de causar, por isso, algum constrangimento a quem a utiliza (coisa
de gente velha). Palavras também são idosas, isto é, elas têm muitas idas,
muita caminhada, muita experiência, muita utilidade.
Sim, é fato que o uso de algumas
palavras, de certas expressões ou mesmo de alguma pronúncia pode ser
denunciador do tempo e pode despertar ações de discriminação. Lembro-me aqui da
palavra “datilografia”: pense-se um jovem dos dias atuais e pergunte-se a ele
se conhece o sentido da palavra. Tome-se este mesmo jovem (aliás, usar a
palavra “jovem” já não é algo tão “jovem”) para apresentar a ele a expressão
“caiu a ficha” e veja-se se ele sabe explicar a expressão tomando sua origem.
Por obséquio (kkk), não faça isso, porque ele vai dizer “tipo não”. E se você
lhe perguntar se não gostaria de saber, provavelmente ele vá responder “tô de
boa”. Dessa forma, enquanto nós – menos jovens – vemos nesse tipo de linguagem
um empobrecimento da capacidade vocabular e comunicativa, eles – menos
experientes – veem, na nossa forma de nos comunicar, algo lento, atrasado,
ultrapassado, desnecessário.
“Fenestra” não existe no
vocabulário dos mais jovens e, no caso de alguns, nunca existirá – de onde se
conclui que esta realidade nunca terá existido em sua mente, em sua vida. Isso
é triste porque, reduz a história, as possibilidades de comunicação rica, a
variedade e flexibilidade, a competência discursiva. Triste também porque
mostra que, de acordo com o modo de ser desta geração, os fatos, as coisas, as
pessoas, as relações, as palavras... têm curta duração e são substituídas por
outras que sejam menores e que possam caber nos contextos mais variados – sem
prejuízo da comunicação porque, afinal, o que importa é comunicar. Ou, como
dizem: isso não vai bugar a resenha porque tá de boas.
Não: o que importa não é, apenas,
comunicar: é obter sucesso nas interações sociais mediadas pela linguagem e,
quanto maiores forem as possibilidades de expressão, maiores serão as chances
de alguém ser melhor entendido; quanto mais recurso vocabular, frasal, textual
e discursivo alguém possuir, maiores serão as condições de ele se fazer
entendido e de entender tanto o que lhe dizem quanto o que lhe é dito, o que lê
e o que lhe é escrito. Enfim, em termos de interação social pela linguagem,
tanto é importante conhecer um grande número de palavras (antigas ou não),
quanto é importante estar atento às novas formas de comunicação, às novas
palavras, às novas expressões, aos novos sentidos.
Se houver esta consciência de que
precisamos lidar com o novo e com o velho, bem como de reconhecer o fato de que
tanto palavras consideradas antigas quanto palavras ditas modernas têm seu
valor na nossa comunicação do dia a dia, tanto melhor será a nossa relação com
as pessoas, porque elas (as pessoas) também são antigas ou são novas. Assim
como as pessoas, as palavras também têm idade, também são vitimadas por ações
de inclusão e de exclusão. Muitos idosos estão sendo excluídos do convívio
social, do mesmo modo que muitas palavras estão sendo deixadas ao relento para
ali – muito de vez em quando – terem sua lembrança reavivada como algo que um
dia existiu, um dia foi útil. Dessa forma, tornam-se palavras idosas, vistas
apenas por uma pequena abertura numa parede, uma janela, uma fenestra.
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