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quinta-feira, 2 de julho de 2020

A idade das palavras e as palavras da idade


A idade das palavras e as palavras da idade – palavras idosas
Prof. Dr. José Everaldo Nogueira Jr.

Penso que nessa quarentena a que estamos submetidos há mais de 100 dias, muitos desenvolveram formas de se manter emocional, física, psicológica, espiritual e intelectualmente saudáveis. Isso para que a Covid, que já matou mais de 10 milhões de pessoas, não matasse o que temos de melhor: o sentido da nossa vida cotidiana. Particularmente, em cada uma dessas áreas que citei eu tentei trabalhar algo e acho que (acho que) estou saudável. Do ponto de vista intelectual, eu estudei bastante: li muitos livros, escrevi muitos textos, montei cursos, fiz cursos, estudei línguas: inglês e italiano.

No caso do estudo da língua italiana, trata-se de um desejo antigo, um desafio, uma oportunidade de aprender um pouco desta que é a mais próxima da nossa língua-mãe, o latim. Ainda no nível mais elementar de leitura e compreensão de frases italianas vou me aventurando. Foi nessa experiência que me deparei com um vocabulário bem diferente (embora algumas palavras soassem familiares pelo fato de eu viver em São Paulo há mais de 40 anos) e com uma estrutura frasal diversa da que costumamos ver no Português, além de uma construção sintática e semântica bem interessante. No plano vocabular, uma palavra me despertou a presente reflexão foi “fenestra”.

Inicialmente me ela lembrou uma crônica do Luís Fernando Veríssimo, que brinca com a palavra “defenestrar”. Logo depois comecei a pensar sobre a idade das palavras e do quanto elas duram na nossa língua. Quando li a palavra “fenestra” e a coloquei em contextos diferentes com frases diversas, percebi que no Português atual, essa palavra muito provavelmente já está na gaveta daquelas que – como dizem os linguistas – caíram em desuso. Os filólogos, por sua vez, diriam que “fenestra” já é um arcaísmo. Os professores de Português talvez a utilizem como exemplo de uma variação linguística diacrônica – aquela em que o tempo cala e cega algumas palavras, tornando-as estranhas ao convívio moderno, como se fossem dignas de vergonha e de causar, por isso, algum constrangimento a quem a utiliza (coisa de gente velha). Palavras também são idosas, isto é, elas têm muitas idas, muita caminhada, muita experiência, muita utilidade.

Sim, é fato que o uso de algumas palavras, de certas expressões ou mesmo de alguma pronúncia pode ser denunciador do tempo e pode despertar ações de discriminação. Lembro-me aqui da palavra “datilografia”: pense-se um jovem dos dias atuais e pergunte-se a ele se conhece o sentido da palavra. Tome-se este mesmo jovem (aliás, usar a palavra “jovem” já não é algo tão “jovem”) para apresentar a ele a expressão “caiu a ficha” e veja-se se ele sabe explicar a expressão tomando sua origem. Por obséquio (kkk), não faça isso, porque ele vai dizer “tipo não”. E se você lhe perguntar se não gostaria de saber, provavelmente ele vá responder “tô de boa”. Dessa forma, enquanto nós – menos jovens – vemos nesse tipo de linguagem um empobrecimento da capacidade vocabular e comunicativa, eles – menos experientes – veem, na nossa forma de nos comunicar, algo lento, atrasado, ultrapassado, desnecessário.

“Fenestra” não existe no vocabulário dos mais jovens e, no caso de alguns, nunca existirá – de onde se conclui que esta realidade nunca terá existido em sua mente, em sua vida. Isso é triste porque, reduz a história, as possibilidades de comunicação rica, a variedade e flexibilidade, a competência discursiva. Triste também porque mostra que, de acordo com o modo de ser desta geração, os fatos, as coisas, as pessoas, as relações, as palavras... têm curta duração e são substituídas por outras que sejam menores e que possam caber nos contextos mais variados – sem prejuízo da comunicação porque, afinal, o que importa é comunicar. Ou, como dizem: isso não vai bugar a resenha porque tá de boas.

Não: o que importa não é, apenas, comunicar: é obter sucesso nas interações sociais mediadas pela linguagem e, quanto maiores forem as possibilidades de expressão, maiores serão as chances de alguém ser melhor entendido; quanto mais recurso vocabular, frasal, textual e discursivo alguém possuir, maiores serão as condições de ele se fazer entendido e de entender tanto o que lhe dizem quanto o que lhe é dito, o que lê e o que lhe é escrito. Enfim, em termos de interação social pela linguagem, tanto é importante conhecer um grande número de palavras (antigas ou não), quanto é importante estar atento às novas formas de comunicação, às novas palavras, às novas expressões, aos novos sentidos.

Se houver esta consciência de que precisamos lidar com o novo e com o velho, bem como de reconhecer o fato de que tanto palavras consideradas antigas quanto palavras ditas modernas têm seu valor na nossa comunicação do dia a dia, tanto melhor será a nossa relação com as pessoas, porque elas (as pessoas) também são antigas ou são novas. Assim como as pessoas, as palavras também têm idade, também são vitimadas por ações de inclusão e de exclusão. Muitos idosos estão sendo excluídos do convívio social, do mesmo modo que muitas palavras estão sendo deixadas ao relento para ali – muito de vez em quando – terem sua lembrança reavivada como algo que um dia existiu, um dia foi útil. Dessa forma, tornam-se palavras idosas, vistas apenas por uma pequena abertura numa parede, uma janela, uma fenestra.


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