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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Um eu menor me faz maior


Normalmente me pego perdido em pensamentos que me tiram de onde estou e me colocam muito longe, bem longe do espaço externo em que me encontro. Uma coisa assim meio fora do normal (o que às vezes é tão normal nos adultos). Esses pensamentos me trazem para muito perto de mim, muito mesmo, de modo que me vejo dominado, como se eu tivesse sido abduzido, levado para outra dimensão da existência e posto cara a cara comigo.

Pois bem, a última vez foi quando eu vinha andando tomando um sorvete no meio de um monte de gente que ia tomar o metrô. E no meio do caminho, em vez de ter uma pedra, tinha um espelho. Como tinha muita gente, o fluxo era devagar. Parado diante do espelho, vi que tinha um cara me olhando enquanto o mundo acontecia ao meu redor. Atrás desse cara, vi uma criança que passava zunindo em sua bicicleta azul, um modelo Monark dos anos 70.

Assustei com aquela cena inusitada, porque afinal de contas alguém de bicicleta no meio de um monte de gente indo tomar o metrô não é nada normal. Senti que o menino não conseguia alcançar quem ele queria. Seus lábios contraídos, ora pelo esforço imenso que fazia, ora pelo tanto de palavras contidas, pareciam segurar um grito de socorro, um desesperado pedido de ajuda. Seus olhos meio fechados esmagavam lágimas infantis de quem sabia que não ia conseguir o socorro nem a ajuda; de quem sabia que não teria um adulto para tomá-lo nos braços e oferecer-lhe ouvido, ombro e sorriso.

Foi então que parei de olhar a cena no espelho e me virei para o menino que existia no meio daquela multidão, que nem o percebia. Como que por encanto nossos olhares se cruzaram e por trás das lágrimas esmagadas e no meio das palavas contidas nos lábios, ele me viu e quis me falar algo. Seus soluços, o tremor de seu peito, o suor que escorria em sua testa eram para sua mãe, que se afastava num ônibus em direção a uma cidade muito distante, sem imaginar que seu filho se lançava ao nada do tempo e do espaço na tentativa de vê-la mais um pouco.

A força de suas pedaladas cederam à tristeza e sua desistência encontrou em mim algum conforto, quando percebeu que eu o observava atento como uma presa diante de um predador. Quando cheguei bem perto dele e ele desceu da bicicleta, pude distinguir que aquela imagem de menino franzino, moreno e carente, cansado, triste e desiludido estava sentindo o que eu senti um dia em que montei na minha bicicleta Monark e corri desesperado atrás do ônibus que levava minha mãe para longe de mim.

Não sei muito bem o que aconteceu, mas meus lábios contiveram palavras de dor revivida; meus olhos esmagaram lágrimas de um pedido de socorro... como se o tempo ecoasse sentimentos. Abracei o menino e senti que a lágrima que escorria do seu rosto encontrou a que escorria no meu. Senti que os batimentos do coraçãozinho dele estavam no mesmo ritmo que o meu. Abracei aquele menino com tanto amor e compaixão que rodei no ar com ele, aliviando dores caladas por décadas. E no giro que dei com ele nos braços, dei de cara comigo no espelho, levando a pazinha de sorvete à boca, num gesto que estava parado por alguns segundos. A imagem do menino, do eu menor, tinha me tornado um homem maior.

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