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domingo, 29 de junho de 2014

Lições espelhadas



Sempre achei que o futebol é uma metáfora da vida naquilo que ele é em essência, isto é, excluídas as questões exteriores ao campo de jogo. O comportamento individual em função dos objetivos maiores da equipe são, para mim, pelo menos, muito semelhantes ao que podemos experimentar em nosso cotidiano, considerando os diversos papéis sociais exercidos por nós.

Uma das características desta Copa do Mundo tem sido a marcação de gols nos minutos finais do tempo regulamentar ou mesmo nos acréscimos feitos a ele. Muitos jogos foram definidos desta maneira na fase de grupos do torneio. Não tem sido diferente na fase eliminatória, chamada de oitavas de final. Esse gol marcado no final traz algumas lições possíveis.

Considerando o jogo da Holanda contra o México, por exemplo, temos uma clara ilustração para o fato de que vale a pena continuar insistindo até o fim, por mais que pareça improvável que a vitória se sentará à nossa mesa e nos servirá o seu banquete de alegria. Depois de estar perdendo o jogo até os 43 minutos do segundo tempo, quando empataram, empenharam todas as forças possíveis para, aos 49 minutos virarem o placar e passar à frente do México, que não teve mais como reagir.

Já o jogo da Grécia contra Costa Rica ilustra outra coisa: às vezes a vitória é simples ilusão. Os gregos estavam perdendo o jogo e correndo risco de ter a vitória decretada, dadas as chances de gol do adversário. Isso mudou quando um jogador costa-riquenho foi expulso. Tudo se transformou para os gregos, pois conseguiram empatar quase no final do jogo. Levaram, portanto o jogo para a prorrogação. E desta, para os pênaltis. E destes para a derrota.

sábado, 28 de junho de 2014

É só um jogo



Gosto da música "É uma partida de futebol", do Skank, essa banda mineira que vai de reggae a baladas com a mesma qualidade. Ao longo da música, esta ideia é repetida: "o que está rolando agora é uma partida de futebol". Apesar de óbvio ululante, o fato tem de ser reforçado: nenhum desses jogos da Copa do Mundo (nenhum outro, na verdade) passa de algo além de um simples jogo, uma simples partida de futebol.

Assistindo sozinho em casa à partida, muitas vezes me vi altamente irritado com os erros e a falta de competência da seleção brasileira, que se viu dominada muitas vezes pela chilena. Por vezes, me surpreendi aos palavrões impetrados contra jogadores que repetidamente falhavam e chegavam a colocar em dúvida a capacidade da vitória do Brasil. Incompetente e incapaz foram os nomes bonitos com os quais difamei os errantes. Mesmo sozinho, tive vergonha de mim.

No próprio estádio houve confusão entre integrantes da delegação brasileira e da chilena, que saíram aos tapas e empurrões no intervalo do jogo. Há acusações de que o assessor de imprensa da nossa seleção teria agredido um jogador chileno - aquele que chutou a bola no travessão a dois minutos do fim do tempo de prorrogação. A confusão começou ainda no gramado, quando o até então incompetente centroavante brasileiro provocou um jogador chileno. Pra quê, meu Deus?

Em Belo Horizonte, um homem sofreu um infarte durante a exibição do jogo em um bar. Até foi levado ao hospital, mas, apesar de seus joviais 60 anos não resistiu. Ele não se lembrou da máxima do Skank: "o que está rolando agora é uma partida de futebol". Não precisava deixar as emoções chegarem a esse ponto; deveria ter se envolvido apenas o necessário para possibilitar que, após o jogo, pudesse voltar tranquilamente para sua casa. Infelizmente para ele aquilo era mais de uma partida de futebol. Acabou sendo o fato que desencadeou um processo que culminou na sua morte.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

A mordida de Suarez




No texto de ontem fiz referência à possibilidade, para mim muito clara de um convívio simultâneo de duas características bastantes antagônicas do ponto de vista social em nós. Referi-me também a um caso ocorrido no aeroporto da Bolívia onde um homem que, contrariado em sua compra de passagem, esfaqueou 11 pessoas - das quais 9 gravemente feridas. A partir desse fato, desenvolvi minha reflexão. Assim que a concluí, lembrei de outra muitíssimo mais recente.

Na Copa do Mundo, em um dos jogos mais disputados do torneio - entre Uruguai e Italia - o atacante Luis Suarez desferiu uma violenta mordida no zagueiro italiano. Este era muito maior do que o agressor e potencialmente mais capaz de um ato de violência de grandes proporções. Entretanto, o que se viu foi o menor mordendo o maior. E não era a primeira vez que Luis Suarez havia mordido alguém em pleno desenvolvimento de uma partida de futebol.

Pois, sim. Durante uma partida de futebol, que é vista e revista por milhões de pessoas. No caso de isso acontecer em um jogo de Copa do Mundo, o número de telespectadores chega a 2.500.000.000, que se somam às dezenas de milhares que presencial diretamente no estádio. Isso tudo somado é quase 1/4 da população mundial. Foi, portanto, um ato absolutamente público. O fato de ser em público (presencialmente no estádio e à distância, pela TV) é o que parece incomodar a maioria. No fundo, acho que todos se incomodam de alguma forma.

A aplicação da pena, que parece seguir o chamado princípio da exemplaridade, parece querer ensinar ao mundo que o que fez Suarez não se deve fazer. Ele, sua seleção e o país (em maior escala) estão punidos. Punidos pelo que se faz fora do público. O problema é fazer em público? O problema é o fazer ou é o público? No interior de 4 paredes deve haver muitas coisas piores que se disfarçam de boas atitudes como as de Dr. Jekill, de "O médico e o monstro". 

quinta-feira, 26 de junho de 2014

O médico e o monstro





Sempre fui encantado pelos (poucos que conheço) textos de Robert Lewis Stevenson. Um deles, "O Médico e o Monstro" sempre me despertou a curiosidade, justamente pela possibilidade de conviverem na mesma pessoa duas características tão díspares de uma mesma natureza. É o que acontece ali na narrativa de Stevenson: Dr Jekill, um respeitadíssimo médico e constante pesquisador, consegue desenvolver uma estratégia para dar vazão ao seu lado pior: Mr Hyde. É este último que sai pelas ruas de Londres apavorando todo tipo de gente, de qualquer idade, crença ou posição social. Logo após suas atrocidades, retorna para seu laboratório, onde tudo volta ao "normal".

Está aí a palavra-chave: normal. O convívio social, para que seja mantido em um grau estabelecido com aceitável, tolera certos tipos de comportamento e torna outros repugnantes e absolutamente rejeitáveis. São comportamentos que ferem a norma posta, comportamentos anormais, portanto. Como o do homem que, em um aeroporto da Bolívia, pelo fato de ter rejeitada a compra de uma passagem para o Chile, revoltou-se e, em menos de  um minuto deixou brotar de si seu Mr. Hyde e esfaqueou 11 pessoas.

Religiosos diriam que se trata de um homem sem Deus. Ou, como disseram os portugueses jesuítas sobre os índios brasileiros: são gente sem fé, sem lei e sem rei. Psicólogos diriam que se trata de um sociopata, de alguém com sério distúrbio que não lhe permite o devido controle de seu "id" - sua natureza mais instintiva. Sociólogos o classificariam como um homem avesso às normas socialmente estabelecidas que reage às pressões de seu entorno. Todos têm suas próprias razões (cantaria Renato Russo) ao fazerem o que fazem. Julgá-las não cabe.

Eu, por meu lado, estou com Stevenson: o médico e o monstro são a mesma pessoa. Não se trata necessariamente de uma pessoa "com problemas" de ordem social, psicológica ou de outra natureza. Trata-se de uma pessoa que, em certo momento, movida por algo com que concorda ou de que discorda, deixa vir à tona e manifestar-se aquilo que ela faria "em primeira instância". Evidentemente condeno a atitude do homem do aeroporto (como a de tantos outros que praticaram esse tipo de violência - e outras de ordem social, econômica, psicológica - entre outras), mas não é isso que está em discussão aqui, e sim a dupla natureza de que somos constituídos.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Fartura de poder

Astrónomos identificaram uma estrela feita de diamante do tamanho da Terra

Ontem publiquei em minha página do Facebook uma notícia, segundo a qual foi encontrada uma estrela do tamanho do nosso planeta, uma estrela toda de diamante. Seria então um diamante de mais de 510.065.500 km2. Não, não. Não sou capaz de dimensionar isso. Não consigo medir em comparação com nada. Não sei se alguém seria capaz de imaginar o que seria isso em termos de distância a percorrer.

Mas o engraçado é que já se começa a pensar em termos de proveito dessa estrela. Muito curiosamente é a primeira pergunta que me faz cada pessoa com quem eu comento. Algo como "e já tem alguém que vai explorar?", como se fosse a coisa mais óbvia do mundo estar sob nossas posses, nossos pertences a exploração de tudo que há no Universo. Essa nossa sensação de sermos donos do mundo em que moramos é algo assustador.

É sabido que o diamante é a substância mais dura de todo o nosso planeta. Mais dura do que a cabeça de muita gente (como a minha). Por ser um cristal feito de carbono que resistiu a um incomensurável processo de pressão e calor.  O que conhecemos passa por um processo de lapidação, mas não há substância capaz de quebrar ou de arranhar um diamante. Daí talvez decorra seu aspecto de pedra preciosa. Não só: também é usado em furadeiras e outros equipamentos para cortar sólidos de alta resistência.

Porém não acho que seja isso o que passa pela cabeça das pessoas quando perguntam se já há alguém explorando a imensa estrela de diamante. Talvez essas pessoas pensem na sensação de poder que lhes traria o fato de terem diamante em fartura. Ou na sensação de fartura que lhes traria o fato de terem diamante em seu poder.

domingo, 15 de junho de 2014

Preconceito meu



Esta semana está sendo um pouco difícil por diversas razões. Sequer tenho conseguido administrar as publicações aqui no Sempreever. Nesses últimos dias, minha filha tem estado um pouco doente. Precisei levá-la a uma consulta médica a fim de averiguar o que estava acontecendo com ela. Entre os muitos afazeres normais de todo dia, a prioridade às filhas sempre fala mais alto. Ao levá-la, descobri um preconceito latente em mim.

Como queríamos uma informação de ordem geral para depois podermos dar os encaminhamentos devidos à especificidade do que minha filha precisava. Então, não tivemos dúvida: procuramos um clínico geral no hospital. Depois de passarmos por toda a triagem de aferição de pressão, febre etc., esperamos por mais de uma hora até sermos atendidos. Foi bom, conversamos bastante e aproveitamos o tempo com o papo bom que sempre temos e, claro, rindo felizes.

Quando fomos chamados, dirigimo-nos até a sala 4, onde nos esperava uma doutora. A calça marrom e a blusinha bege já haviam chamado a nossa atenção. A jovialidade dela despertou ainda mais a nossa curiosidade. Mas nada disso se destacou mais do que o gesto dela de verificar a garganta da minha filha. Logo após pedir que abrisse bem a boca, sacou do bolso do avental branco um I-phone. Pensei comigo: vai atender um telefonema ou responder uma mensagem. Não: acionou o aplicativo de lanterna e iluminou o que precisava ver.

Como estou envelhecendo, achei aquela atitude bastante avançada e típica desta geração que usa os smartphones para quase tudo. Gostei da atitude, mas será que um dia vão consultar o Google pelo smartphone para saberem identificar os sintomas ou para medicar? Estendi meu pensamento aos engenheiros, arquitetos e demais profissionais que, com sua jovialidade e práticas características, desafiam nossa sensação de credibilidade.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Metáforas e comparações




No mínimo, no mínimo, engraçado esse dentista. Já faz um tempo, estava almoçando  com um dentista que é meu amigo há um tempo. Ele integra a turma do futebol (esporádico na prática, mas eficaz na amizade). Pós-jogo, entre uma cerveja e outra de domingo à tarde, alguém levantou o assunto voltado para os diversos trabalhos realizados por ele, que atende o dia todo de todos os dias. Trabalha um montão. Por isso mesmo, tem história de sobra pra contar.

Até aí, normal. Afinal, contar histórias é coisa comum para dentista que, às vezes, fica mais de hora atendendo um mesmo paciente de boquiaberto naquelas cadeiras desconfortáveis e com uma bomba de sucção de saliva pendurada no canto da boca. Quando alguém lhe perguntou qual era a melhor hora para se pensar em trocar a escova de dentes, ele, fino como é, emendou: olha, escova de dentes é que nem vassoura de piaçava. Depois que você cansa de varrer a casa e a bicha já está entortando as cerdas, tá na hora de trocar.

Só o sotaque dele já é algo que faz rir por natureza, mas aquela comparação com vassoura de piaçava foi ruim demais. Ri tanto, quase cuspi o gole de cerveja que eu estava prestes a engolir. Lancei a mão à boca e virei o rosto para não correr risco de encharcar os demais colegas. Eles também rachavam de rir. Ele não aguentou e se colocou no grupo dos gargalhões. Antes de nos acalmarmos e controlarmos nossa risada, ele emendou outra.

Depois de aproveitar as nossas arcadas dentárias expostas nas gargalhadas, ele notou que alguns dentes estavam meio amarelados. Coisa de dentista: igual professor que fica tentado a corrigir quem fere a norma, ou igual a psicólogo que fica analisando os outros o tempo todo. Explicou que isso se dá porque os dentes são porosos e, por isso, os resquícios de alimentos penetram os poros e se mantêm lá. Isso não aconteceria - disse ele - se os dentes fossem como peças de porcelana, como pratos e (esperei o pior...) (que veio...), como pratos e privadas - que ficam sempre brancos independentemente do tipo de substância que eles...
** incríveis metáforas e comparações odontológicas...  Dá pra não rir?

terça-feira, 10 de junho de 2014

Enganar a quem?



Têm sido dias fáceis, não. Daí a não publicação nesses dois últimos dias aqui no blog. Mas vamos lá, retomando o pique e considerando a proposta que fiz a mim mesmo de me desfocar e tratar de assuntos que estão fora de nós, como dizia o cronista em busca de sua "Última Crônica". Aliás, naquele texto, Fernando Sabino faz exatamente o relato da interação entre os membros de  uma família de negros e seu exterior em pleno boteco carioca.

Não estou num boteco e muito menos no Rio de Janeiro, mas gosto de escrever crônicas e me propus relatar conversas não concluídas do meu dia. Falava com um aluno esses dias e a nossa conversa ficou ecoando na minha cabeça. Por ocasião da compra de um livro, lembrei-me da conversa agora às vésperas de decidir sobre o que escrever.

Eis que aplicava uma avaliação para averiguar o grau de aprendizagem do que havia sido objeto de estudo entre nós. E notei que o garoto havia lançado mão de recursos indevidos para responder a algumas questões. Quando percebi e me aproximei dele, logo se descompôs para rapidamente se recompor com um sorriso amarelo. Depois que entregou a avaliação notei que não havia acertado nem 1/5 das questões de múltipla escolha e, nas questões dissertativas, sequer entendia a própria letra. (Sim, pedi que lesse).

Pedi que ficasse até o final, para que pudéssemos conversar. Ele não hesitou e atendeu prontamente ao meu pedido. Quando estávamos apenas nós dois na sala, relatei o que eu (achei que) tinha visto. Ali, apenas entre mim e ele, não houve como não reconhecer a falha. Disse-lhe que, ao menos desta vez, não havia conseguido me enganar. Por conta disso, repassei-lhe perguntas: a quem está conseguindo enganar? Por quanto tempo? O que iria efetivamente conseguir a médio e longo prazo agindo daquele forma? Escutou o próprio silêncio, baixou os olhos, curvou a cabeça. Colocou a mochila nos ombros. E saiu.


domingo, 8 de junho de 2014

Tempo de mudanças



Com o fim do semestre chegando, um misto de sobrecarga e folga começa a aparecer e a confundir umas coisas e a esclarecer outras. Primeiro: este se torna um momento de constante verificação das agendas e das coisas por fazer, tentando confirmar o tempo todo se realmente não falta o que fazer. Segundo: à medida que vai se passando, este momento se torna um espaço para poder fazer o que mais se gosta de fazer quando se está sozinho. Um momento para pensar novas possibilidades.

Naturalmente cada pessoa terá a sua escolha, vivendo sozinha ou não. Um vai passear no parque, outro vai nadar, vai viajar, vai ver amigos ou familiares, vai ler e/ou escrever, vai a restaurante... enfim, vai fazer o que gosta de fazer. Para exemplificar concretamente, falo de mim. Passei horas hoje, talvez umas 5 ou 6 horas tocando músicas que nossa banda vai apresentar em um evento que vai acontecer daqui a três semanas. Só para quem toca é claro o prazer de produzir ou reproduzir música.

Muitas outras horas do dia dedicadas a nada, inovando coisas em casa, arrumando uma coisa aqui, outra ali, assistir a séries de TV, ver programas esportivos... tudo isso depois de ter acordado tarde (8h30). Entre essas muitas coisas descompromissadas, uma me colocou na cabeça a ideia de despersonalizar um pouco este blog. Apesar de ser evidente que muito tenha a ver com meu cotidiano, é preciso dizer que há uma diferença entre o sujeito que escreve e o sujeito que vive realmente.

Desconsiderar isso implica pensar que todas as coisas que escrevo sejam necessariamente sobre mim. Naturalmente as pessoas tendem a pensar isso. Nem todas. E me divirto em dizer que esta ou aquela fala era apenas uma reflexão. Mas concordo que nesses dias o blog tem ficado bem pessoal. Para atenuar isso, tive a ideia de registrar conversas que não tenham sido levadas ao fim (alguma conversa chega ao fim?), tomando o cuidado de não revelar o grau de veracidade da conversa, nem o dia nem a pessoa com quem conversei. Vai me interessar o conteúdo, não as pessoas que o veicularam. Os tempos estão mudando.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Música pra cair e levantar



Todo mundo já teve momentos na vida em que se pegou cantando com a maior intensidade possível a música "tente outra vez", do Raul. Exceto os muito mimadinhos e protegidinhos de mãmis e pápis, todos já tomaram uma e/ou outra bordoada da vida, que resultou em perda de sentido momentânea. Tanto que deve ter ficado como retrata Bob Dylan em "Like a Rolling Stone": with no direction home, a complete unknown, like a rolling stone

Os mais antigos, menos agitados e muito mais ponderados, vão se lembrar dos versos da cançã o"Volta por cima", de Paulo Vanzolini (morto há alguns meses), na voz de uma Beth Carvalho ou de um Jorge Aragão: reconhece a queda; não desanima; levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. Essa é justamente para aqueles que conseguem refletir direitinho sobre o tombo e refazer os passos para não cair mais naquele mesmo lugar.

Os mais jovens muitas e muitas vezes não veem sentido na queda e às vezes nem sabem por que caíram ou onde caíram ou se existe a possibilidade de caírem ali novamente. Daí, cantam, de uma banda mais recente, como Capital Inicial, a famosa estrofe: Se não faz sentido, discorde comigo: não há nada demais. São águas passadas, escolha outra estrada e não olhe pra trás. E seguem o jogo, com grande chance de caírem de novo, mas, curiosamente, seguem.

Nem sempre é 'so easy' se viver, canta Lulu Santos, na canção "Tudo Bem". Essa, na verdade, é a conclusão a que ele chega depois de dizer: já não tenho dedos pra contar de quantos barrancos me atirei, quantas pedras me atiraram ou quantas atirei. É assim, um dia a gente cai, outro a gente levanta. Um dia a gente é a caça, outro a gente é o caçador. Estou como Chico Buarque: Hoje é o dia da graça, é o dia da caça e do caçador.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Tem dia que de noite é assim




A frase eu ouvi de um ex-aluno que encontrei há pouco. Achei genial, seja pela concisão, seja pela antítese dia/noite, seja pelo uso de ter por haver, seja pela ambiguidade do assim. O cara me contava que hoje para ele estava sendo um dia em que tudo, tudo, estava dando errado. Um dia daqueles em que não deveria ter saído de casa. Aliás, como ele disse, não deveria sequer ter saído da cama.

Lembrou do filme "Um dia de Fúria", no qual o personagem interpretado por Michael Douglas, enfrenta uma série de situações que o levam às raias da loucura, como aquela em que, pela diferença de apenas um (1) mísero minuto, não pode escolher o que comer, uma vez que naquele restaurante só se serve o que ele queria até um minuto atrás, um minuto passado. Em outro estado de espírito, essa situação seria contornada sem a menor complicação. Mas, como se trata daqueles dias em que tudo quer dar errado...

Ele também fez referência a um antigo desenho animado, que eu até costumava assistir quando mais novo. Esse ex-aluno de pós-graduação regula um pouco de idade comigo e, por essa razão, conhece o mesmo repertório de desenhos animados que eu. Por conta disso, quando ele repetiu a frase "Oh, vida! Oh, azar", rimos. Ele, um riso nervoso; eu um riso largado, que logo tratei de conter. Vai que ele veja nisso também mais uma coisa errada do dia: ser alvo da risada de um ex-professor.

Contou que perdeu as estribeiras da paciência no trabalho. Por essa razão, foi advertido por seu chefe no final da manhã. Acrescentou que, indo para sua consulta médica (que havia marcado há tempos e para qual tinha pouco tempo disponível) escolhera um atalho para chegar mais rápido. Surpreendeu-se com um acidente de moto bem no trajeto de onde não dava mais para voltar. Não só perdeu a consulta, como não conseguiu voltar para o trabalho a tempo de evitar nova chamada de atenção amanhã. Pedi a ele que pudesse registrar sua experiência aqui no blog. Como ele respondeu que, pelo menos isso seria bom no seu dia, eis aqui contada a saga do aluno que me ensinou que "tem dia que de noite é assim mesmo"

terça-feira, 3 de junho de 2014

Cobranças



Quem não se lembra do conto "O homem nu", de Fernando Sabino - esse excelente cronista. Embora eu ache o texto "A última crônica" o melhor, este do "Homem Nu" também é brilhante. Acho isso pela hilária situação criada por um casal, em que o marido decide combinar com a mulher para que ela não abra a porta em hipótese alguma, a fim de evitar uma possível cobrança de uma conta cujo dinheiro ele não tinha naquele momento.

Saber lidar com cobranças é uma preocupação que todos devemos ter. Isso tanto do lado de quem exerce a cobrança, quanto do lado de quem a sofre. No conto "O Homem Nu", vemos claramente alguém lidando muito mal com uma cobrança. As consequências são esclarecedoras, apesar de caricaturais, do que pode ocorrer com a inabilidade para lidar com a situação em que alguém é cobrado. É claro que não se trata apenas de cobrança financeira. Há outros tipos que podem desembocar em mesmas consequências.

Um aluno mediano meu, que está acima da média de sua classe, passa por um grau de cobrança maior do que é necessário e reage de modo estranho ao que se espera: fica tenso ao extremo, no limite de esgarçar a corda de sua paciência, entre a explosão do choro e da gargalhada nervosa. Tenta a todo custo o resultado máximo em cada avaliação. Outro, que já era bom passou a ser cobrado excessivamente pela mãe e, quando viu que, quanto mais melhorasse, mais seria cobrado, decidiu se tornar aluno mediano.

E assim segue a vida deles: um feliz porque reduziu o nível de cobrança assumindo uma posição que lhe é confortável e que o deixa feliz. E outro, uma posição desconfortável e que não lhe deixa feliz (mas à sua mãe, sim). Cobrar mais do que se deve - ou cobrar menos - é tão ruim quanto pagar mais do que se deve - ou menos. Em breve, as portas se fecham e as pessoas ficam nuas, para fora de casa, envergonhadas como "O homem nu", da crônica de Fernando Sabino.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Era pra ser



"Hoje o tempo voa, amor; escorre pelas mãos, mesmo sem se sentir. E não há tempo que volte...", cantava Lulu Santos. Acho que, assim como o tempo, uma série de outras coisas escorre pelas mãos, ainda que não sintamos o volume delas baixar, ainda que não percebamos escassear, ainda que sejamos indiferentes à sua presença em nossa mão, achando ilusoriamente que ele forma um todo com a nossa mão.

Mas tudo se esvai. Se não cultivado, se não renovado, se não alimentado, se não cuidado, se não desejado... tudo se esvai, assim como as brisas frescas de outono, os ventos gelados de inverno, as intensas águas de verão, assim como o verde das folhas na primavera. Não tem prazo determinado como as estações, mas, por certo, a depender de certas situações, tudo se esvai.

Muita coisa morre e renasce, como Fênix na mitologia. Muita coisa só morre. Dizem os enunciados mais populares que "a esperança é a última que morre". E se diz isso como se fosse uma frase de efeito positivo, que vai manter as chamas até o fim, que vai levar o nadador ate a praia. Mas, o que se diz de verdade é que a esperança morre. E o morrer da esperança não importa se se dá cedo ou tarde. Ela morre.

Quando ela morre, morre um pouco da gente. Ela passa a ser velada como aquilo que era pra ser. Ela cria a saudade do que não se viveu. Na minha época de criança, o jogo de palavras mais complexo que eu conhecia era "a volta dos que não foram". Na época era engraçado isso. Hoje se aplica a esta reflexão: a morte da esperança é a volta do que não chegou a ir. É o enxoval do filho que não nasceu.

domingo, 1 de junho de 2014

Pro + pósito



Já escrevi aqui que felicidade não é estado permanente. É antes um momentâneo instante em que tudo parece estar em harmonia. Quanto mais desses instantes houver, mas feliz a pessoa se sentirá. E como esse estado é daqueles que despertam o chamado núcleo accumbens, a sensação de querer repetir experiências boas se intensifica, de modo que se procurará fazer coisas que despertem essa sensação.

Longe de uma abordagem piegas do sentimentos e sensações que nutrimos, penso hoje que um dos segredos de estar cada vez mais em contato com o que chamamos "felicidade" é sentir-se na rota. Ou, em outras palavras, sentir que se está caminhando na direção da realização de algo que se crê como melhor para aquele momento. Independentemente de serem coisas grandes ou pequenas, de grande ou de pequena significação, o que importa é que as coisas vão acontecendo na direção pretendida.

Isso me leva à palavra "propósito", cujo sentido inicial é o de ter algo à frente: Pro+Posito = posto à frente. É justamente o fato de ter um propósito que faz as coisas terem sentido, parecerem coerentes e, por conseguinte, criarem a sensação de certeza, de segurança, de tranquilidade, de felicidade. Quando sentimos estar na direção certa, sentimo-nos melhor, porque não temos a impressão de perda (de energia, de tempo, de dinheiro, de paciência, de rumo, de sentido).

Qualquer desses psicólogos, formados ou não, profissionais ou metidos a, virão me dizer que isso nada mais é do que um distúrbio de quem precisa ter tudo sob controle, de quem não sabe lidar com o imprevisível, com o imponderável, de quem não curte as surpresas da vida. Tudo bem: esse é o propósito deles. Interpretar, explicar os outros. Mas deixemos os outros a si próprios na busca do que os faz felizes. Isso mesmo. Assim. De propósito.