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quarta-feira, 31 de julho de 2013

O Alienista

"Dizem que sou louco por pensar assim. Se eu sou muito louco por eu ser feliz, mais louco é quem me diz e não é feliz"... inesquecíveis versos da Balada do Louco, dos Mutantes. Saudosos Mutantes, há pouco retomados por Zelia Ducan, num projeto muito bonito. Seja na voz da Rita Lee, seja na voz do Ney (mais recentemente), a música tem um poder elocutivo impressionante: ela diz muito. Muito mesmo.

Quem sou eu para julgar se alguém é louco ou não. Sequer sei o que a loucura é. Como escrevi ontem, tênues são as fronteiras entre as coisas, de modo que, para mim, as coisas não são opostas entre si, mas complementares. Vou sair então do termo 'loucura' e ficar no termo 'esquisitice'. Isso sempre me lembra minha filha menor, que, com dois anos e diante de um senhor (mal) fantasiado de Papai Noel, abriu e ergueu sua mãozinha para dizer: "Que Papai Noel esquisito!".

Pois me vi numa situação dessas hoje. Voltava para o escritório à tarde, quando, da calçada, olhei para dentro de uma loja e vi uma moça por trás do balcão, batendo as mãos em posição invertida por sobre a cabeça, como quem aplaude e boceja ao mesmo tempo. Claro que não parei de andar para olhar melhor e tentar entender que gesto era aquele. Simplesmente continuei meu trajeto rindo e, literalmente, falei algo como "que pessoal esquisito".

Quando levantei a cabeça novamente, me deparei com pessoas que vinham na direção contrária à minha. Elas me olhavam como quem olha algo incompreendido. Também, pudera: um sujeito andando, balançando a cabeça e falando sozinho... Enfim, que situação: eu achando esquisito o gesto da moça; as pessoas achando esquisito o meu gesto. Sei, não. Na minha época, Silvio Brito cantaria "Tá todo mundo louco, oba!". Bem aquilo que pensava O Alienista, de Machado de Assis, não?

terça-feira, 30 de julho de 2013

Os lados e as pontes

"Não se ofenda com meus amores de ontem; eles tornaram-se pontes pra que eu chegasse a você", canta Jorge Vercilo esses versos sobre a continuidade das coisas. Sobre o fato de que muito do que julgamos serem coisas diferentes, na verdade, são partes de uma mesma realidade. Nós as separamos apenas para poder entendê-las melhor e para encaixar nelas algumas coisas que lhes parecem próprias.

Não me esqueço da primeira vez que vi e ouvi uma pessoa dizer - como se estivesse dizendo a coisa mais extraordinária do mundo: "uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa". Nem sei o que comentar de um pensamento como este, ao mesmo tempo tão óbvio e tão enganoso. Quem se lembra do Humanitismo, de Machado de Assis, sabe bem do quanto uma dada realidade está imbricada em outra em relações de continuidade, de complementaridade.

Os orientais já pregavam isso com a teoria do Yin Yang, pela qual se pode enxergar na morte uma continuidade da vida (e vice-versa), na noite uma continuidade do dia..., pela qual se pode enxergar como complementares realidades tidas como opostas, ora mais graves, como o ódio e o amor, ora mais suaves como as férias e o trabalho.

Para mim, encerra-se hoje o período oficial de férias. Mas nessas férias eu fiz, de muito bom grado, coisas relativas ao trabalho. A partir de amanhã, continuarei fazendo muitas coisas que fiz nesse período de férias. Estar com minhas filhas, descansar, fazer projetos, ensinar pessoas, aprender com elas, sair de SP e voltar... enumeraria uma série grande de fatos que me fazem ver a continuidade das coisas, como se umas fossem pontes para as outras.

Estação lunar

"Apenas apanhei na beira-mar um táxi pra estação lunar" ouvidos no sotaque original de Geraldo Azevedo são versos que fazem a gente viver as várias narrativas que este brilhante cantor e compositor nos faz sentir quando ouvimos suas músicas que, expõem várias críticas sociais metaforizadas. Quem não se lembra, por exemplo, da "Canção da Despedida", que ele compôs com Geraldo Vandré - outro a quem ando me esquecendo de citar aqui.

Pois é. Essa história de esquecimento comigo não é de hoje. Confesso que já melhorei muito nisso. Para tanto, foi necessário melhorar em muito o nível do registro das ações que tenho por desenvolver ao longo de um dia, uma semana, um mês. Já relatei alguns casos quase imperdoáveis aqui, casos que só um coração muito, muito, mas muito bom mesmo poderia relevar.

Às vezes, a gente mesmo se joga em alguns esquecimentos "na melhor das intenções". Dedicando-nos a outras coisas ou a outras pessoas, deixamos passar compromissos inadiáveis e irremediáveis - características que só vamos admitir depois de perdermos o "táxi pra estação lunar". Hoje mesmo, atrasei-me para uma reunião importante, que me fez assumir por dois anos uma alteração de vaga.

É assim, eu acho, como cantam Los Hermanos: "o esforço pra lembrar é a vontade de esquecer". Concordo bastante com isso, mesmo sabendo as implicações psicossociológicas disso. Na verdade talvez nem haja essa dimensão toda para o esquecimento. Ou talvez haja um pouco mais do que isso. Não sei, não lembro o que já estudei sobre memória e esquecimento. Um misto de (falta de) organização e vontade interfere. Em um ou em outro caso, às vezes estamos na estação lunar, para onde apanhamos um táxi. 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Cérebro eletrônico

"O cérebro eletrônico faz tudo, faz quase tudo, mas ele é mudo". Esses são versos de Gilberto Gil, na música Cérebro Eletrônico, que marcam ainda um momento em que o computador (e posteriormente a internet - que só vai aparecer na versão de 1996) ia mostrando seu poder de tocar diversas realidades nos mais diversos lugares do mundo. Mais que isso: mostrando seu poder sobre as pessoas, embora Gil insista em marcar nossa individualidade em versos como "mas ele é mudo" ou "mas ele não anda" ou para dizer que cérebro eletrônico algum nos dá socorro em nosso "caminho inevitável para a morte".

Hoje é praticamente impossível pensar um computador sem acesso à internet. Daí talvez o fato de a regravação mesclar com tanta naturalidade essas duas ferramentas. Tanto, que, desconhecendo a história, jamais o poderíamos imaginar. E é assim hoje: temos a impressão de que um computador sem acesso à internet, a despeito de toda e qualquer outra operação que ele fizer, é considerado incompleto e nos limita em muitas operações.

Com a nanotecnologia, tudo vai ficando concentrado em pequenos aparelhos. "Na minha época", por exemplo, uma CPU chegava a ter a minha altura. Hoje, está quase tudo concentrado em um smartphone, em um tablet - ou algo que o valha. Ter, à mão, um celular que não acesse à internet já é algo limitador. E não basta mais o acesso por wi-fi. É preciso ser 3G. Digo mais, 4G e quantos mais Gs forem necessários.

Ainda não é claro para mim se realmente dominamos essas máquinas e as tecnologias nelas embutidas. Ou se nós estamos ficando cada vez mais dependentes delas. Muito do que Gil cantava sobre o cérebro eletrônico no início dos anos 70 já pode ser repensado hoje. "Com seus botões de ferro e seus olhos de vidro", o cérebro eletrônico pode não andar, como ele cantava, mas nos põe em contato com qualquer lugar do mundo a qualquer momento. 



sexta-feira, 26 de julho de 2013

Telas: tê-las e vê-las

"Pela janela do quarto, pela janela do carro, pela tela, pela janela, quem é ela? Eu vejo tudo enquadrado. Remoto controle" são versos muito bonitos cantados pela Adriana Calcanhoto, voz limpa e acompanhada de um violão sempre muito bem tocado em cordas de nylon. Os versos me fazem pensar nas coisas que enxergamos a partir da perspectiva de onde estamos: o quarto, o carro, diante de uma tela ou de uma janela. Esses quadros, essas telas nos fazem ver a nós mesmos.

Bom seria, muito bom seria, se, quando essas imagens se mostrassem a nós, nós pudéssemos ter à mão um controle remoto para alterar a maneira com que uma imagem se afigura diante de nós. Ou alterar a imagem ou mesmo substituí-la por outra que seja mais agradável, e que pode estar mais à frente ou mais atrás. Se não alterar nem substituir, ao menos acelerar a velocidade de visualização, para que pudéssemos contemplá-la com mais vagar, ou para que pudéssemos vê-la apenas de relance.

Mas o que é mais legal, e nisso está a graça de observar a linguagem em seus meandros e nuances, é o fato de que Adriana Calcanhoto canta "Remoto controle", e não controle remoto. Com o controle remoto, seríamos bem capazes de manipular as imagens conforme nossos interesses pessoais. Entretanto, seja do quarto, do carro, diante da tela ou da janela, quando tais imagens se colocam diante de nós, o que temos é apenas um remoto controle do que elas nos causam.

É assim, eu penso, a vida: um conjunto de quadros pintados ora por nós mesmos, ora por outros. Um amontoado de tintas sobrepostas, lançadas ou docilmente desenhadas sobre uma tela que chamamos de memória, uma tela diretamente ligada às nossas emoções, tanto eufóricas quanto disfóricas. Telas de artistas, telas de crianças, telas de iniciantes, telas que talvez sejam retratos de nós mesmos. No fundo (da memória), no quarto, no carro ou na janela, é bom vê-las, é bom tê-las.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Assistir. Assistir a.

"I get by with a little help fom my friends. I get high with a little help from my friends. I Gonna try with a little help from my friends" são versos dos Beatles, versos compostos pelo (talvez) menos talentoso dos chamados jovens de Liverpool: Ringo Starr. Em um grupo, seja ele de grande ou de pequena expressão, dificilmente todos têm o mesmo talento, o mesmo nível, a mesma competência. Mas, juntos, formam um grupo.

Não me importa aqui a diferença entre grupo e equipe, que palestrantes fazem nessas reuniões motivacionais. O nome que se dá a alguma coisa nem sempre representa dignamente esta coisa, e, com toda certeza, não é esta coisa. E nem tudo que tem o nome que tem, merece tê-lo. Enfim, gostaria de falar aqui a respeito do comportamento de grupo. Ou de equipe. É uma questão de assistir.

Hoje o Brasil assistiu ao jogo final da Taça Libertadores e viu o Atlético Mineiro ser campeão, depois de reverter um placar quase impossível (já que havia perdido o primeiro jogo por 2 gols de diferença), empatar os dois tempos da prorrogação e vencer a disputa dos pênaltis. Não foi à toa: foi devido à força que o grupo inteiro se deu desde o final da primeira partida, aos incentivos dados durante a semana, aos treinamentos intensos, à participação das famílias e, sobretudo, ao apoio constante da torcida.

Me parece ser assim na vida da gente também. Não só nos momentos leves da vida, mas, sobretudo, nos mais pesados, sempre haverá pessoas que assistem a nós, pessoas que nos observam de perto ou de longe. E há pessoas que nos assistem, pessoas que nos ajudam, pessoas que somam forças conosco, pessoas que formam um grupo que nós também integramos. Com elas, com uma pequena ajuda delas - e vice-versa - é que se conquistam as pequenas e grandes vitórias do dia a dia."I get high with a little help from my friends".


terça-feira, 23 de julho de 2013

Pobrema

"Eu canto em Português errado. Acho que o imperfeito não participa do passado". Esses são versos de Renato Russo, mais uma vez demonstrando um uso criativo de linguagem ao falar do tempo passado, do qual o imperfeito não faria parte, segundo seu modo de entender. Claro que é uma referência à possibilidade de cada um poder fantasiar o passado, na tentativa de eliminar dele o que for imperfeito.

Mas o que me fez lembrar desses dois versos hoje não foi o segundo, e sim o primeiro, que trata do uso do "Português errado". Quem me conhece sabe que não sou purista. Nem na vida, em geral; nem na língua, em particular. A Linguística evoluiu muito, de tal modo que a relação da língua com a vida real faz cair por terra a excessiva preocupação com o certo e o errado. Lembro aqui uma frase espetacular do Veríssimo: "...'falar claro' não é certo. Mas é claro, certo?". Genial.

Hoje, ao ser atendido por uma gentil operadora de telemarketing, dessas que trabalham em grandes companhias de telecomunicação, fui brindado com um uso caricato de linguagem considerado errado e, não raramente, ridicularizado pela maioria dos puristas. Depois de colher quase todos os meus dados, a moça quis confirmar meu nome "compreto". Nada demais, nada de mais. Afinal esse rotacismo R/L é comum na língua. Quem nunca ouviu "frauta doce"? Quem nunca teve brinquedo de "prástico"?

Passada essa primeira parte do atendimento, sempre tentando mostrar a gentiliza necessária às atendentes, a moça quis saber qual era o "pobrema" e como ela poderia me ajudar. Detalhei o que ocorria, e ela, depois de analisar a situação, disse que na rua onde eu estava (cujo nome ela teve dificuldade de ler) havia mesmo intercorrências que estavam sendo resolvidas. Perguntei-lhe o prazo para resolução. Ao que ela me respondeu: "Até as seis hora". Aguardei. E foi melhor do que eu esperava. O problema foi resolvido antes.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Ecos mudos

"Scrivimi, poca voglia di parlare allora, scrivimi" é um bonito verso de Nino Buonocuore, na música Scrivimi, que trata de uma relação em que alguma forma de distanciamento impede a possibilidade de diálogo frente a frente. Daí, entre vários outros, o pedido para que se escreva quando houver pouca disposição para falar. Isso me faz pensar na baixa qualidade de gerenciamento de relações. Me faz pensar no silêncio e na página  branca como resposta.

Muitos de nós certamente já passamos por isso. Experimentando, muito provavelmente, os dois lados: seja dando o silêncio e a página em branco como resposta; seja recebendo como resposta a página em branco e o silêncio. É claro que o silêncio é, muitas vezes, uma demonstração de sapiência, como tenta provar o Eckart Tolle, em O Poder do Silêncio. Mas também pode ser sinal de falta de educação, de indelicadeza mesmo, de indiferença até.

Tem um outro lado a se considerar nisso. O lado que é o mesmo lado nosso. Nosso interior. Quando jogamos perguntas para dentro. E, para nossa surpresa, ouvimos como resposta apenas o eco dos nossos questionamentos. Tem coisa que não é para ser perguntada nem respondida por outro, senão por nós mesmos. Não é um divã, uma poltrona ou uma cama que vai favorecer uma resposta límpida.

Sócrates praticava com seus alunos, nas suas magnas aulas peripatéticas, a maiêutica - um método pelo qual fazia seus alunos perceberem que a resposta para a qual se dirigiam estava dentro deles mesmos. Como um efeito bumerangue, a pergunta era recebida (e respondida) por quem a havia lançado. Quase 2500 anos se passaram desde Sócrates. E continuamos fazendo perguntas para nós mesmos. Vendo páginas em branco. Ouvindo ecos mudos.


Exterminador do passado

"Pra frente é que se anda" é um dos versos que compõem a música-diálogo de Chico: Amigo é Pra Essas Coisas. A ideia é de que, como não se pode apagar o passado, deve-se seguir sempre em frente. Se nos fosse dado o poder de olhar para trás e escolher algo da nossa vida que quiséssemos apagar, o que será que esfregaríamos com a borracha? O que será que ensoparíamos com o líquido corretivo? O que exterminaríamos?

Neste final de semana, tive oportunidade de assistir a dois filmes que tratam do tema: "Efeito Borboleta" e "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças". O primeiro levanta a possibilidade de voltarmos no tempo e alterarmos um acontecimento que, em tese, apagaria um acontecimento absolutamente traumático. Já o segundo considera ser possível conectar-se a um programa de computador que transforma a memória em arquivos deletáveis.

É fato que muitos de nós, pelas mais diversas razões, ora consciente ora inconscientemente, já tivemos alguma forma de alteração de fatos que vivenciamos. Se não fatos, algumas falas, com certeza, foram acrescidas, ou levemente alteradas, ou ainda silenciadas. Se não fatos nem falas, sonhos ou fragmentos deles podem ter sido tão intensamente contados e mentalmente vivenciados, que passamos a ter dificuldade de distinguir entre sonho e (o que chamam de) realidade.

Olhar para trás é quase um anátema, um gesto condenável. No âmbito da mitologia greco-romana, quem não se lembra de Orfeu, que, depois de descer ao inferno para resgatar Eurídice, não podia deixar que ela olhasse para trás? Quem não se lembra de Ló, cuja mulher, ao sair de Gomorra, não resiste a olhar para trás? Assim como as histórias, os filmes e a MPB, ditados populares seguem o mesmo conselho (por exemplo, quem vive de passado e´museu). Mas às vezes, um "hasta la vista, baby" seria muito bem-vindo, não?

domingo, 21 de julho de 2013

Limit - ações

"Será só imaginação? Será que nada vai acontecer? Será que é tudo isso em vão? Será que vamos conseguir vencer?", peguntas indignadas, sinais de uma extroversão de uma pessoa introvertida (ou o contrário), que vêm da voz de Renato Russo, na música Será, que, aliás, tem os mesmos acordes da música Let It Be, dos Beatles, e também da música With or Without You, do U2. 

Comecei um texto aqui, outro dia, com a música "O que será", do Chico, para falar um pouco da ditadura sob a qual vivemos em relação a alguns aspectos internos nossos, e que muitas vezes se expõem, num jogo em que tentam emigrar, mas se reconhecem e imigram, tomando o caminho de volta. Por certo, estou errado ao chamar isso de limitação. Quando vejo isso nas pessoas, tento dizer-lhes que as limitações existem para serem superadas. Falo a alguns alunos, por exemplo, que me dizem não conseguir melhorar a letra.

Tem gente que tem seriíssimas dificuldades para se localizar espacialmente. A longa distância, o senso de direção desse pessoal é uma nulidade, uma possibilidade tão remota, que faz desistir às vezes. Mas acho legal que esse pessoal recorre a subterfúgios, como o do GPS. Ainda ontem ouvi um relato engraçado, segundo o qual, até com o GPS, a pessoa conseguiu não conseguir se achar. Achei muito louvável a atitude dela de, mesmo diante da sua dificuldade, não se intimidar e botar o carro na rua. Claro que procurei incentivar a fazer mais isso, mas... no fundo, os "serás" ecoavam na minha cabeça.

Primeiro, o do Chico: o que será? Depois, os do Renato Russo: Será que essa dificuldade é só imaginação? Será que nada vai acontecer? Será que seu esforço para superar essa dificuldade será em vão? Será que ela vai conseguir vencer? Por ora, é melhor deixar pra lá, como sugere Paul MCcartney: "let it be", pois ela vai ter de continuar a vida com ou sem essa limitação (with or without).

sexta-feira, 19 de julho de 2013

O amor é origami

"Love, love, love. All you need is love. Love is all you need", cantavam os Beatles no refrão - talvez - mais conhecido da banda inglesa que sacudiu o mundo com suas canções simplesmente complexas, ou complexamente simples. Não sei o que dizer dessas coisas que são tão singulares, que nos fazem sentir culpa se dissermos serem simples ou se dissermos serem complexas.

Etimologicamente "plex" é algo como uma dobra. O que quer que se chame de complexo é algo dobrado de tal modo, que dificulta ser visto em sua inteireza. Uma vez formatado, a gente nunca vê o papel inteiro do origami, por exemplo. Por sua vez, o papel do origami, antes de ser dobrado e formatado, é algo simples. Permite-se que seja visto inteiramente. Alguns sentimentos são assim.

O amor é complexo - se é que o amor é um sentimento (e não uma entidade superior, como acreditavam os clássicos). Parece tão simples, parece tão inteiro, um bloco que se vê, se compreende e se interpreta por qualquer ângulo. Todo mundo fala, todo mundo canta. Todo mundo parece ter uma clareza (para mim) tão assustadora, que me faz sentir um cretino, um idiota - no sentido de incapacidade de compreensão.

Às vezes, esse "todo mundo" parece "um bocado de boca sem ninguém pra dublar" quando inquirido sobre o que efetivamente é o amor. Aí, esse mesmo pessoal resolve dar uma de João Grilo e Chicó: "sei, não; só sei que é assim". E nada diz, além de que é coisa pra sentir e não pra entender. Mas, se os Beatles têm razão, como é que não se entende aquilo de que mais se precisa? Que forma tem essa dobradura? Que formato assume esse formato de origami?

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Ponto de vista

"Já conheço os passos dessa estrada. Sei que não vai dar em nada. Seus segredos sei de cor. Já conheço as pedras do caminho e sei também que ali sozinho eu vou ficar, tanto pior". Chico Buarque, de novo. Só que, agora, na música retrato em branco e preto. Belíssima letra, por sinal, como costuma acontecer com o que Chico sempre escreveu. Sua técnica de composição, suas rimas e especialmente sua habilidade em utilizar a linguagem figurada dão a impressão de que parece ser tão simples. Tão simples como andar.

Estou habituado a observar pessoas na rua e a escutar a história que seus gestos e suas feições me contam. E também a ler o que me falam os seus passos. É assim com um senhor que há pelo menos 10 anos vejo passar correndo. Sempre o mesmo trajeto, o mesmo traje num ultrajante sinal de que aquela regularidade pode ser sinal de alguma forma de irregularidade que não sei qualificar. Nem quero.

É assim também com um senhorzinho de seus 60 pra 70 anos que vejo todos os dias de manhã quando vou para o Colégio. Seus passos, rápidos e incrivelmente pequenos, chegam a provocar algum incômodo em quem vê. Ele vem, em geral, apoiando-se nas paredes das casas, descendo pelas calçadas nada regulares do bairro onde moro. Ele deve levar muito tempo para chegar ao seu destino. Mais ainda para voltar, uma vez que, em tese, estará mais cansado e, além disso, enfrentará as escadas subindo-as.

Hoje, para minha surpresa, vindo para o escritório, de dentro do carro meus olhos lançaram-se sobre mais um senhorzinho, agora já de cabelos todos brancos e, assim como o que descrevi acima, com passos rápidos e incrivelmente pequenos - um passo que não era maior que o próprio pé. Mas este tinha duas diferenças: era mais idoso, estava entre seus 70 e 80; não se apoiava nas paredes, mas numa bengala. Pois é. Foi quando me deparei que "andar" pode não ser simples. Mesmo pra quem já conhece os passos.

Censura

"O que será que será que andam combinando no breu das tocas?" é um dos encantadores versos de Chico Buarque que, disfarçados em rimas, melodias e figuras de linguagem eficazes driblavam os órgãos censores e se faziam ouvir por nós, que sempre compusemos o povo e que quase sempre não tivemos força suficiente para romper aquilo tudo contra o qual Chico e outros tantos cantavam.

Pois é. Penso que do mesmo modo que desde os primeiros movimentos da Ditadura em nosso país - tempo em que eu não passava de um menino do interior do interior do interior de Minas Gerais - há em nós algo que não nos permite expressar ou fazer algumas coisas. Talvez isso se dê em razão da ação de alguns órgãos censores que estão por aí e estão por aqui, que todo mundo vê e sabe que existe... mas que nem todo mundo entende ou que nem todo mundo tem força capaz de sublevar-se. "O que será que será?"

Me diverti muito hoje com os meus limites, especialmente com minha limitação para cantar. Chega a ser engraçado. Falta-me técnica, treino, disciplina, coragem, espontaneidade, falta-me um monte de coisa que me impede de cantar naturalmente, afinadamente. Não estou reclamando; apenas constatando que, mesmo agora, em alta madrugada (são 2h30 - vizinhos, perdoem), eu e meu violão fazemos o melhor que podemos.

Tentei subterfúgios, como uma voz-guia no fone, mas ainda assim o negócio é cômico - não fosse o trágico dele próprio. Mas eu tomo a voz de Chico e me pergunto com muita sinceridade: "O que será que será? O que não tem conserto nem nunca terá... Que todos os avisos não vão evitar?". Assim como a mim, a muitos esse tipo de censura velada e absolutamente forte limita pensamentos e ações. Quiça um dia "todos os meninos possam desembestar e todos os destinos possam se encontrar".

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Obrigado a nada

"Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir, a certidão pra nascer e a concessão pra sorrir, por me deixar respirar, por me deixar existir, Deus lhe pague" é o início do fim da música com que comecei o texto de ontem aqui no Blog. É um trecho que mostra uma gratidão mesclada com uma certa insatisfação, enfim, um sentimento que não se mostra explicitamente, mas que também parece ser - assim como o trecho - o início do fim da vida do personagem.

Lembro bem de uma placa que marcou muito um certo momento da minha vida. Engraçado isto: eu passei quase dez anos por aquela placa e não a havia notado. Não sei bem - ou não me lembro hoje - do que era aquela instituição em cuja parede de entrada se podia ler algo como "aceite a vida e sempre agradeça por tudo". Não me lembro se era para agradecer a algo ou a alguém. Não interessa agora. O que me importa é o ser grato sempre.

Confesso haver momentos em que agradecer, momentos em que ver as coisas como uma graça, momentos em que fechar os olhos e respirar fundo para dizer "obrigado"... é coisa para espíritos bastante evoluídos e/ou resignados. Convenhamos: não é o caso da maioria. Mas é uma postura louvável em todos os aspectos, sobretudo, o de superação e o do anglo pelo qual se vê a vida.

A vida, dizia John Lennon, "é o que acontece enquanto a gente está ocupado fazendo outra coisa". No dia a dia, a gente é levado a agradecer muitas coisas a muita gente. E a agradecer muita gente a muitas coisas. Isso me leva a um jogo de palavras numa música dos Titãs: obrigado por nada; obrigado a nada. O fato é que não há a menor sombra de dúvida de que a gente tem muitos mais a agradecer do que a reclamar. 



terça-feira, 16 de julho de 2013

Cimento e lágrima

"Subiu na construção como se fosse máquina. Ergueu no patamar quatro paredes sólidas. Tijolo com tijolo num desenho mágico. Seus olhos embotados de cimento e lágrima" são conhecidos versos da música Construção, de Chico Buarque. Mais uma de suas obras primas. Importante notar o tamanho dos versos: todos têm 12 sílabas poéticas. Importante também notar cada palavra final: são todas proparoxítonas. Em termos de poesia, isso é construção rara.

O tamanho regular dos versos e a posição regular da sílaba tônica de cada última palavra parece atribuir monotonia à música. Mas a trama contada não confirma isso. O trecho a que me referi trata especificamente do trabalho do personagem que, como máquina, tijolo por tijolo, perfeitamente, ergue quatro paredes sólidas; já como homem, embota seus olhos com cimento e lágrimas.

Esta semana está sendo de recados importantes para pessoas que se entregam mais ao trabalho do que à vida. Eu, por exemplo. Tomada pelo agravamento de uma hérnia lombar, além de outros problemas físicos menores, mas não menos doloridos, uma amiga minha foi proibida de continuar trabalhando. O trabalho em excesso provocou esses problemas e os agravava a cada dia. Consciente disso, ela optou por não diminuir sua carga. A vida tomou outra medida.

Amanhã, um grande amigo meu, médico, diabético (a quem já me referi aqui) passará pela amputação de meia perna, em razão do agravamento de um pequeno ferimento que começou há dois meses. Retardou o tratamento para não atrasar o trabalho. Tomou esta medida conscientemente. A vida conduziu à outra opção. Absolutamente triste com os dois fatos, peço a Deus pelos meus amigos e começo a escutar o recado da vida para não embotar meus olhos com cimento e lágrima.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

De 1 a 1.000.000

Tive hoje de uma conversa muito gostosa com meu sobrinho, um garoto lindo que eu adoro e que está numa fase de aprendizagem a mil por hora. Ou a um milhão. Ele já sabe escrever o próprio nome. Então me dediquei a ensiná-lo a escrever seu sobrenome. Confesso não ter sido muito difícil para nós dois. Ele aprendeu rápido e fez as associações fonema-letra rapidinho.

Então, resolvi mudar de linguagem e comecei a explorar números. Me certifiquei de que ele sabia direitinho a sequência de 0 a 9. Parabenizei, enfático, por sua esperteza. Quando eu comecei a ensinar para ele que um 1 podia virar 11; que um 2 podia virar 22, que um 3 podia virar 33... não demorou muito para ele já querer fazer o 77, o 88. E quando eu disse a ele que um 10 podia virar 100, 1.000, 1.000.000... aí foi demais. 

Não tem preço olhar aquele rostinho cuja boca se entreabre num sorriso meio contido meio escancarado de alegria pela descoberta. Aquela bochecha subindo e os olhinhos se apertando com o prazer de aprender. Uma mãozinha apertando-se contra a outra como quem agarra um bem precioso. Como sempre digo, além da existência das minhas filhas, poucas coisas me dão tanta satisfação quanto ver alguém aprendendo comigo.

E uma coisa simples para nós, adultos letrados alfabética e numericamente. Mas para a criança, uma descoberta que vai abrir muitas portas por associação. Às vezes acho que J.M. Barrie tinha muita razão ao criar Peter Pan - o personagem que não queria se tornar adulto. A magia da aprendizagem, o prazer das coisas simples parece que vão esmaecendo ao longo do tempo na vida adulta. Aí, o que seria 1.000.000 pode se tornar apenas 1.

domingo, 14 de julho de 2013

Parabéns ao Sempreever

"Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure", dizia Vinícius em um de seus mais belos e conhecidos poemas. E este é o desejo que tenho em relação a este blog. Hoje, 13 de julho, ele completa seu primeiro aniversário. E, assim como tenho pelas pessoas mais próximas, tenho por ele um carinho imenso e desejo sempre sua presença.

Lembro claramente quando chegamos de viagem de Costa do Sauipe. Depois de descansarmos, minhas filhas e eu nos sentamos aqui, exatamente onde estou agora, no sofá de casa e construímos o blog. Meu primeiro agradecimento é a elas, pois, sem que me ajudassem, eu não teria conseguido fazer nem teria motivação para tanto. Às minhas meninas, que são a razão de eu viver, minha primeira gratidão.

O blog foi criando vida e, aos poucos, como todo recém-nascido, foi ganhando uma forma, uma feição. Percebi que, muitas vezes, ele era um espelho de mim mesmo, translúcido. Aliás, quando fui fazer meu perfil, eu disse que as palavras de cada texto se incumbiriam de me revelar. E é fato. Cada texto ali é um retrato de mim, de um momento, de um pensamento, de um fato corriqueiro do meu dia a dia.

Houve muitos momentos em que, ao concluir alguns textos, eu me vi completamente emocionado, levado às lágrimas, num claro movimento de catarse em que eu libertava coisas que eu gostaria de dizer para mim mesmo. Os textos são uma tentativa de diálogo comigo mesmo. Vou tentar inovar neste ano novo do blog em motivá-lo não só com músicas, mas com fotos, fatos, relatos cotidianos. Quero que esta prática de linguagem se fortaleça e se estabeleça. Imortal o blog não é, mas quero "que seja infinito enquanto dure".

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Sobra de escassez

"Às vezes eu assisto tv como o cachorro que vê o frango a rodar... porque o que está lá dentro é tudo que eu quero ter, porque o que está lá dentro é tudo que eu não posso ser". Versos da música Televisão de Cachorro, da banda mineira Pato Fu, que eu curto muito, sobretudo pelos arranjos de guitarra, pela voz da Fernanda Takai e, sobretudo, pelas letras, claro. Esta música fala do que vemos e não podemos ter/ser.

Tive problemas com a internet, com o meu celular e com o meu computador. Passei um dia e meio sem que os três pudessem estar um à disposição do outro. É uma sensação bem ruim esta de  saber que há algo; desejar-se este algo e não poder tê-lo. Seja pelo excesso, seja pela escassez (dois lados da mesma moeda?), muitas vezes somos impedidos de obter aquilo que desejamos.

Voltando hoje da nossa viagem de férias, uma cena de escassez na estrada. Havia um carro na lateral da pista - um espaço gramado, nem acostamento era. Mas era um carro. Olhava-se e podia-se ver ali um carro. Embora um carro seja objeto de desejo de muita gente, aquele  não poderia saciar ninguém. Ele não tinha rodas nem pneus. Não tinha motor nem eixos. Não tinha nada, além da carcaça. Era algo que poderia aguçar o desejo, mas nunca realizá-lo. Naquele carro sobrava escassez.

Também a abundância pode ser impeditivo para a realização de desejos. Adoro mergulhar: piscina, lago, rio, oceano, mar. Para mim, sempre um convite a imergir meu corpo. Tive a sensação impeditiva da abundância diante das Cataratas do Iguaçu: 1.400.000 metros cúbicos de água por segundo. Tive a mesma sensação na Usina Hidrelétrica de Itaipu, no Rio Paraná de onde são represados 28.000.000.000 de litros de água, que caem nos reservatórios a 700.000 litros por segundo. Como mergulhar o corpo nisso? Pois é: fiquei como o cachorro que vê o frango a rodar.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Uma gota de saciedade

“Eu trocaria a eternidade por esta noite” é um verso impressionante de Nando Reis, presente na música Relicário. Eis uma troca daquelas em que se vê aquele que propõe a troca como alguém ampla, completa e irrestritamente satisfeito; como alguém em quem é impossível caber mais uma gota sequer de saciedade.

O dia hoje foi dedicado a duas coisas bastante satisfatórias. A primeira delas foi um passeio que desejávamos muito desde que viemos para Foz do Iguaçu: Parque das Aves. De que se espera ver uma série de aves de todas as cores, tamanhos e formas, não há dúvidas. Agora, passar por um borboletário e contemplar asas que parecem desenhadas à mão, além de poder ter as borboletas pousando em nossa própria mão... é muito além do que se pode esperar.

Um passeio hoje deu errado, porque não fomos informados de que era preciso fazer reserva: o passeio por dentro da Usina de Itaipu. Em 2010, até por conta da idade das meninas, não pudemos conhecer internamente a Usina. Fizemos só o passeio panorâmico. Mas amanhã cedinho estaremos lá. Então, fomos novamente para a Argentina, a um Duty Free: produtos com preços realmente convidativos fizeram com que passeássemos duas vezes por cada loja.

Mas o que vale de cada um desses passeios, de cada uma dessas visitas, de cada uma dessas descobertas, não é o passeio, não é a visita, não é a descoberta: é o prazer de fazer cada uma dessas coisas ao lado de minhas filhas, é o prazer de estar o dia inteiro com elas: desde o acordá-las de manhã até desejar-lhes uma boa noite de sono. Essa, sim, é a viagem dos meus sonhos. Eu trocaria a eternidade por essa viagem.

Incomparável

“Terra, planeta água! Terra, planeta água! Terra, planeta água!” é um conhecido refrão de Guilherme Arantes para uma não menos conhecida música sua, homônima – se não estou enganado. Fala de águas de todos os tipos e de todos os lugares, dos igarapés aos grandes oceanos. Com certeza, nada se compara ao que vi ontem: água, muita água. Me lembrou os versos de Prince: "Nothing compares to you".

Como sabem, estou em Foz do Iguaçu há alguns dias. Daqui fui a alguns lugares, como os países imediatamente vizinhos. Visitei parentes das minhas filhas. Conheci lugares interessantes. Mas nada, nada se compara ao que vivemos hoje. De toda a viagem, com toda certeza o dia mais esperado. Fomos ao Parque Nacional do Iguaçu.

Já bastaria a trilha que fizemos na rota das quedas d’água. A visão estupenda daquelas cores intensas entre as quais prepondera o branco, o barulho uníssono das águas se chocando contra si mesmas de alto a baixo, o movimento delas correndo desesperadas, o cheiro de água misturado com terra, planta e pedra, e tudo isso somado ao tanto de água que salta sobre nós... já seria em si mesmo experiência inesquecível.

Para o fim, não poderia ser melhor, estava reservado o passeio de bote, no qual descemos o caudaloso e agitado Rio Paraná, em direção às quedas. O condutor do bote nos fez passar por entre as águas que despencavam. Entramos embaixo das cachoeiras.  Embora quisesse muito, não era possível abrir os olhos para contemplar. Só dava para sentir aquela água fria e intensa saudando a nossa presença e a nossa veneração por ela. Experiência incomparável.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Reticenciando

Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará", canta acertadamente Lulu Santos para se referir a uma antiga e muito respeitada verdade, já  por Camões no século XVI: "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades". 

Aqui mesmo em Foz do Iguaçu, onde passo parte de minhas férias, está tudo tão diferente de como estava em 2010 quando vim conhecer a cidade. A maior atração daqui, as Cataratas, já haviam me impressionado pelo volume de água: gigantesco. Hoje esse volume está três vezes maior. É realmente de tirar o fôlego. 

Encontrei um amigo aqui que, no meio de um bate-papo descontraído, me fez uma pergunta interessante. Quis saber: se um cara era meu cunhado, e a filha dele era minha sobrinha enquanto eu fui casado, que grau de parentesco eles têm comigo agora que não sou mais casado com a irmã dele? Só consegui pensar no quanto e no como até o status das relações muda. Tudo muda. Respondi que agora eles são apenas bons amigos. 

Hoje digito esta crônica direto no meu celular, porque o todo-poderoso ultrabook, que resolvia todos os meus problemas, hoje não resolve mais.  Como se vê, tem coisas (pessoas, crenças, gostos...) que mudam pra melhor, ou pra pior. E tem aquelas que, simplesmente, mudam. "Não adianta fingir nem mentir pra si mesmo". Elas mudam, e ponto final. Ou melhor: mudam, e reticências...

sábado, 6 de julho de 2013

O arpoador de heróis esmaecidos

"Meus heróis morreram de overdose" - inesquecível verso de Cazuza na música Ideologia. À beira de seus últimos dias, Agenor de Miranda Araújo Neto - por meio de seu personagem, o Cazuza - cantava verdades sociais e pessoais de uma maneira tão bombástica quanto a sua própria vida.: intensa, rápida, fulminante e extremamente significativa.

Na música Ideologia, um pouco dos dois lados: o social e o individual (embora, apenas didaticamente se possa separar um do outro). Quando ele fala da morte dos heróis - dos heróis que são nossos - me faz pensar em uma série de imagens que nós criamos - por um lado - e que criam em nós - por outro. Essas imagens, erigidas do mesmo modo que um castelo de areia na areia da praia do Arpoador, são - como tudo - fadadas ao fim.

Elas esmaecem em razão de algum motivo exterior aos próprios heróis, ou não. Muitas vezes, verdades ou boatos, máscaras tiradas, chãos desfeitos, identidades perdidas, enfim, uma série de fatores fazem a imagem do herói perder o viço, o vigor, a força. Mesmo que a pessoa (ou seja lá o que for) que temos como heroína ou como herói continue entre os vivos. Ela pode não corresponder mais à imagem original. Ela pode ser vítima de um arpoador embaixo d'água ou mesmo da força de uma onda sobre a areia.

Essa morte do herói pode se dar também por vontade dele mesmo. Ele pode se cansar desse status e abrir mão disso por diversas razões, inclusive por acreditar ser isso o melhor para nós. Ele também pode ser destituído desse trono em razão de uma mudança em nossa percepção do mundo e das pessoas. Enfim: Supermans, Batmans, Pais, Mães, Professores, Amigos... todos, por uma razão ou outra correm sérios riscos de virar cidadãos comuns e passar a brilhar com a intensidade de uma luz  normal.

Do que gostar mais

"Nem sei se gosto mais de mim ou de você" é  um verso de Roberto Carlos, na música Como vai você.   Esse trecho me faz pensar em como as coisas se tornam  uma só, quando a gente se identifica com elas por tanto gostar. Estou numa região do Brasil que faz  fronteira com dois outros países: o Paraguai e a Argentina. É a segunda vez que visitamos o lugar, movidos pela paixão de ver as águas das Cataratas e de Itaipu.  Não sabemos se gostamos mais de uma coisa ou de outra. Vêm de lugares diferentes, mas a gente gosta tanto, que parecem ser uma coisa só.

Hoje foi um dia extraordinariamente bom. Nada melhor, como sempre digo, do que a companhia das minhas filhas  - ainda mais por um periodo prolongado , como é o caso das férias. Desde que entramos no carro para  atravessar de São Paulo ao Paraná, temos vivido horas muito agradáveis - como sempre, aliás. Em Curitiba, por exemplo, pudemos ir a um delicioso restaurante no qual comemos bem demais. O supra-sumo do jantar foi um conchiglione de figo... aquilo dever ser receita de deuses. Deve haver pouquíssimas coisas melhores no (meu) mundo.

De Curitiba a Foz do Iguaçu, uma estrada cheia de paisagens estonteantes, que propiciaram fotografias magníficas - mesmo com o carro em movimento. Ao chegarmos aqui, já tínhamos roteiro definido. Mal deu tempo de ajeitar as coisas, tomar um banho, cochilhar um pouco, e já estávemos rumando para a Argentina. Lá, além de conhecer um pouco do comércio local, pudemos  provar a tão famosa carne argentina. Realmente, de se tirar o chapéu: muito saborosa e de uma maciez inacreditável.

Como não poderia deixar de ser, já que estávamos em um restaurante tipicamente argentino, um trio de violões faziam ecoar uma música regional absolutamente agradável. Ouvir "besa me mucho" aqui nas terras de Gardel foi uma experiência muito legal. Mas não menos legal do que deixar os olhos se banharem de imagens impressionantemente belas de um casal que dançava tango. Simplesmente genial.  Até agora não sabemos se gostamos mais de  uma coisa ou de outra. A dança, a música, a carne, o lugar em si, a companhia (naturalmente) fazia tudo confluir para uma coisa só: o prazer "de ser quem eu sou, de estar onde estou".

quinta-feira, 4 de julho de 2013

O verso e o inverso

"Meu coração vagabundo quer guardar o mundo em mim" é um verso de Caetano Veloso que muito me encanta porque tudo que é simples e profundo me encanta. Como é que pode tanta ingenuidade em um coração só? Ele não pode conter o mundo em mim. O mundo não cabe em mim. Quiçá o inverso. Mas não o verso.

Viajo hoje. Daqui a pouco vou afastar o sono do corpo das minhas filhas. Vou dar ao carro a grata oportunidade de carregar nossas malas. Vou dar às rodovias e estradas o presente da nossa passada rápida por sobre elas. 900km nos separam do nosso destino. E isso me anima. Me anima, sobretudo, porque são horas ininterruptas em que desfrutarei da presença, do sorriso, da graça, da voz, do olhar das minhas filhas.

Me anima mais ainda porque viajar pelas estradas e rodovias é, para mim, experiência ímpar. Seja de dia, seja de noite, a viagem é sempre um colírio, é sempre um bálsamo para o corpo inteiro. É extremamente prazeroso ver aquela estrada correndo inveterada por baixo de nós; ver aquelas paisagens verdes nos enquadrando; ver o céu (dourado de sol ou prata de lua e estrelas) nos envolvendo.

Tem muitas coisas na viagem pelas estradas e no próprio local para onde vamos que merecem ser objeto de nossas fotografias. Celulares ótimos, com lentes que captam imagens a 8MPs e zooms fantásticos, vão flagrar fotografias inesquecíveis. Mas nenhuma dessas imagens será mais bonita do que aquelas que escolho para gravar na memória do coração. O mesmo coração que, de imagem em imagem, vai guardando o mundo nele - porque "não se cansa de ter esperança de um dia ter tudo que quer".

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Cabeça nas nuvens. E o pé?

"Ficaremos parados com a cabeça nas nuvens e os pés no chão". Com esse verso, volto uma vez mais aos Engenheiros do Hawaii. Ao Humberto Gessinger, para quem já devo estar devendo dinheiro, de tanto que cito neste blog. Esse verso que já me serviu para tanta motivação, hoje me vem em sentido inverso. Se antes eu focava as nuvens, agora foco o chão. Os pés no chão. Já digo por quê.

Essa vida da gente é tão professora, tão mestra... E a gente é tão adolescente, tão teimoso. Tantas e quantas vezes a gente é exposto a uma situação que claramente está longe das nossas possibilidades e, mesmo assim, a gente tenta! Motivados por um desejo de superação, por uma quase obrigatoriedade de acreditar que sempre dá pra ir um pouco mais longe. Impulsionado pelo medo de ser identificado como descrente, como quem não confia em si mesmo, como quem tem má vontade...

É assim quando a gente sabe que não pode correr mais 5 minutos, e corre. Quando sabe que não pode comprar mais nada, e compra. Quando não pode comer mais nada, e come. Quando não pode ficar mais tempo no Face ou Twitter, e fica. Quando não pode dar mais atenção a alguém, e dá. Quando sabe que não pode retardar uma ida ao médico, e retarda. Tudo, tudo, tudo feito sob a ilusão de que nada vai acontecer. Ou de que qualquer prejuízo será facilmente sanado.

Às vezes não é assim. Tem hora que dizer 'não' é dizer 'sim' para a vida. Há momentos em que reconhecer um limite pode significar ampliar possibilidades. Não reconhecer isso faz a gente passar vexame. Aqueles que diziam 'Vai, meu, tenta!' passarão a dizer: 'Por que você fez isso?'. Estou com um amigo no hospital. Diabético. Achou que um pequeno ferimento no calcanho não lhe traria maiores consequências e não se tratou. O ferimento evoluiu muito e muito rápido. E estou triste, muito triste, porque de agora em diante talvez ele só possa pensar em pôr a cabeça nas nuvens, mas não o pé no chão. Porque pode perder o pé. 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Tem, mas acabou

"Se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria", canta Djavan em uma de suas muitas músicas que admiro. Já fiz a ele muitos elogios aqui e algumas críticas também. Esses versos dele vêm a propósito de uma cena que vi hoje no banco (sim, ainda vou a bancos), quando o caixa perguntou ao senhor preferencial ao meu lado: O senhor prefere em notas de 100 ou de 50?

Já achei estranho fazer aquela pergunta de modo que outra pessoa pudesse ouvir. Ainda mais curiosos como eu, que permitem à linguagem fazer mirabolantes voltas em busca de sentidos que não estão no contexto específico da cena vivida. Pois me coloquei a observar aquela cena. À pergunta, respondeu-se: de 100, por favor". Depois de alguns segundos e abre-fecha de gavetas, o caixa, muito gentilmente e com um sorriso no rosto, emendou: desculpe, mas não tenho o suficiente para lhe dar toda a quantia em notas 100.

Claro que a situação se resolveu de acordo com o bom espírito daquele senhor, que não se importou em receber notas de valores diferentes. Problema algum mesmo. Mas a minha cabeça ficou a girar, girar a 50 e a 100 por hora. Fiquei silente aguardando minha vez de ser atendido, enquanto pensava em quantas vezes a gente acha que pode dar mais do que tem. Há momentos em que precisamos dizer como os mineiros do Pato Fu "Tem, mas acabou".

Falsas expectativas fundadas num mar de boa-vontade que nos levam a pro-meter, a pôr adiante, a nos comprometer em dar além aquilo que não tínhamos. Ou será falta de autoconhecimento, ou uma impressão errada? É óbvio que para as pessoas de bem, a quem dedicamos nossa mais profunda doação, queremos oferecer o que temos e o que não temos. Deve ser assim com todos, que também são pessoas de bem: se a gente tivesse mais alma pra dar, daria.

Não enche

"Oh, pedaço de mim. Oh, metade afastada de mim. Leva o teu olhar, que a saudade é o pior tormento. É pior do que o esquecimento. É pior do que se entrevar". Esses são versos da música Pedaço de mim, do Chico Buarque. Em minha modestíssima opinião, um texto que guarda as mais belas e mais doloridas metáforas para a dor da perda, para o sentimento de falta.

Coloquei-me a pensar hoje a respeito desta pergunta tão pertinente, tão capciosa, tão inadequada e tão preciosa: o que é que te falta. Lembrei-me também do bom e velho Aristóteles, que há quase 400 anos (a.C) já havia revelado que mais da metade das chances de se resolver um problema está na capacidade de identificá-lo com precisão. Quer dizer: saber identificar um problema precisamente já representa mais da metade da possibilidade de resolver.

Às vezes o sujeito passa o dia com um milhão e trezentos afazeres, se enchendo de coisas para preencher seu vazio. Muitas vezes, senão todo dia, quando o silêncio da noite cai sobre todos, despenca sobre ele o vazio indecifrável. Entre o escuro da noite e o silêncio que a envolve, os dentes cerrados à força e os olhos apertados, tentando fugir da escuridão que é maior atrás das pálpebras, produzem lágimas que mergulham em câmera lenta, a cântaros, o travesseiro paciente.

Se a falta é do coração que não pulsa mais no mesmo ritmo que o seu; se é a falta da realização profissional que passou ao largo; se é a falta do título que não veio com os estudos; se é a falta da pessoa que passou a integrar outra dimensão da existência... se é a falta de tudo isso junto ou se é a falta simplesmente de si mesmo, não se saberá jamais. Só se sabe que está a ponto de se entrevar. E a falta é bem pior do que isso.