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domingo, 30 de junho de 2013

O dia de todo mundo

"É só o que eu pedia: um dia pra aplacar minha agonia, toda a sangria, todo o veneno de um pequeno dia", uma música excepcional do Chico, chamada Basta um Dia. A música fala do pedido que alguém faz para que possa mudar algumas coisas na própria vida - senão a própria vida: "só mais um dia, um meio dia, e eu faço desatar toda a minha fantasia".

Hoje começa o período de férias para quem trabalha com escola, especialmente para os professores. 30 dias. Ora, se o eu-lírico na música acima pede apenas "um dia, um meio dia" para mudar o que fosse preciso em sua vida, o que faria se tivesse 30 dias. Numa das conversas que tive esta semana, ouvi a frase: como seria bom se a gente pudesse tirar férias da gente mesmo por um dia...

Quem estava por perto (eu, inclusive) concordou rapidamente, sem pestanejar, como se se tratasse de um negócio assim, simples. Tudo bem que quem falou provavelmente tenha dado pouca importância para a possibilidade de efetivar o que foi proposto. Mas é importante darmos às palavras o alcance que podem ter efetivamente. Pode ser inquietante perguntar o que faria uma pessoa que tirasse férias de si mesma. 

Ela poderia apagar a si mesma em sono ou em desmaio ou numa catalepsia. Poderia se dar uma violenta dose de remédio que a tirasse deste mundo por um dia. Poucas atitudes me parecem mais egoístas do que essa, afinal, a gente só existe no trato com o outro. Mudar coisas na gente implica mudar nos outros. Seja por um ou por 30 dias, tirar férias da gente significa tirar também dos outros. Por mais que seja por apenas um dia. Talvez esse dia, literalmente exclusivo, nunca venha a existir. Por isso, se quisermos mudar algo na gente ou mudar a gente, vai ter de ser no dia de todo mundo.




sábado, 29 de junho de 2013

Vitórias-régias e oásis

"Só eu sei os desertos que atravessei. Só eu sei as esquinas por que passei" são versos de Djavan, esse alagoano sensível, esse músico incrível de harmonias, melodias e arranjos notáveis e que vestem versos de grande beleza (apesar de alguns incompreensíveis, como "açaí, guadiã, zum de besouro, um ímã, branca é a tez da manhã [???]). Tem coisa que a gente não entende, mas gosta. Tem coisa que a gente gostaria de entender.

Passei dois dias sem postar coisa alguma aqui no blog. Senti uma falta danada, principalmente, porque este é um espaço em que eu falo pra mim mesmo, eu ouço a mim mesmo, me mostro a mim mesmo até eu me tocar. Poderia dizer, assim, que este é o meu espaço de loucura, de autoimersão, de re-flexão, meu espaço do "conhece-te a ti mesmo" ou do "médico, cura-te a ti mesmo" - aforismos greco-romanos que ecoam através dos milênios. Este blog é algo que quero manter através dos (quantos?) anos que me restam.

Nesses dois dias, deixando de lado a quase insanidade que é a vida de um professor em final de semestre, do ponto de vista pessoal, entrei em contato com certas vitórias-régias que vivem aqui dentro e que congregam um monte de sentimentos, sensações e reflexões que, agitadas à força do vento ou à dança das águas, chacoalham tudo que nelas há e fazem com que essas coisas exalem seu aroma e deem suas formas a sentir - como quem diz: estamos aqui.

Os desta semana foram dias em que oásis surgiram diante dos meus olhos enquanto eu olhava para o horizonte como quem entra com seu carro em um estacionamento absolutamente lotado. Licenças e propostas parecem ter se sentado à mesa para negociar os dias que virão, rever os desertos que atravessei e as esquinas por que passarei.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

De nós para o mundo

"Eu tenho medo que eles achem que eu não sinto a falta deles" é apenas mais um dos versos de Nando Reis que muito me encantam. E já percebi que o que mais me atrai nas letras deste autor é justamente a simplicidade com que diz coisas densas. Parece conseguir traduzir no miúdo o gigante que se arvora por trás dos sentimentos constitutivos de todos nós.

Faz muito tempo que li "O Profeta", de Khalil Gibran Khalil. Não me lembro de quanto tempo nem me lembro de quantas vezes li, com muito gosto, esse livro. Palavras simples, metáforas quase desmetaforizadas, mas de um abissal terreno para reflexão. Um dos ensinamentos que se pode obter ali é o de que geramos os nossos filhos para o entregarmos ao mundo. Nossos filhos não são para nós. Daí o fato de sentirmos sua falta.

Sinto uma falta enorme das minhas filhas, mesmo estando com elas todos os dias, levando-as e buscando-as para quase todas as atividades que fazem. Agora, cada minuto mais, elas vão ficando independentes. De mim. Vão fazendo coisas lindas pelo mundo que lhes foi propiciado. Hoje, para minha imensa alegria, representaram Vinícius de Moraes - um sujeito que eu já declamei, cantei, interpretei e que já foi objeto de ensino em minhas aulas. Hoje, elas cantaram e declamaram. Recebi da mão de uma delas um delicado papel, enrolado feito papiro, com o Soneto de Fidelidade.

Sim, por certo, o gosto delas por Vinícius tem a ver com muitos fatores. Entre eles o fato de elas ouvirem comigo no carro, de me ouvirem cantarolar, de me ouvirem ler poemas para elas, quando criancinhas.  A  falta que sentimos de nossos filhos é atenuada, por sabermos que há um pouco de nós em seus gostos, em suas escolhas. Um pouco de nós em seu mundo, mundo para o qual os criamos.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Os mesmos?

"Todos os dias eu volto ao mesmo lugar. Às vezes fica longe, difícil de encontrar", canta Humberto Gessinger em mais uma das músicas do Engenheiros do Hawaii de que gosto muito. Já percebi que tenho citado prioritariamente alguns artistas e bandas. Do mesmo modo, outros tantos artistas e bandas que povoam o que conheço de música insistem em me pedir entrada. Mas eu tenho de me esforçar para lembrar um verso que se encaixe no que quero dizer. Enquanto esse esforço não se torna natural, sigo visitando repetidos artistas e bandas. Têm-me sido frutíferos.
 
Volto a eles como volto aos lugares. Muitas vezes, os lugares são tão os mesmos que já caminho neles sem olhar o chão. Não tropeço, não bato cabeça, não esbarro ombros. Sinto-me seguro neles. E eles me recebem bem. São como eu mesmo sou: um mesmo que se muda um pouco a cada dia e que se reafirma teimosamente todos os dias. Às vezes, os lugares de mim mesmo ficam longe, difíceis de encontrar.
 
Não discordo do pré-socrático que dizia que um rio nunca é o mesmo.  Tinha muita razão Heráclito (aquele de Éfeso) ao dizer justamente que a cada vez que alguém entrar num rio, nem o rio nem o alguém serão o mesmo ser. Então, é mesmo difícil dizer que, ao voltar aos mesmos lugares quase sempre, eu esteja realmente no mesmo lugar. Mais: difícil dizer que eu seja o mesmo.
 
Talvez a graça desse movimento não esteja em mim. Com certeza não está. É muito provável que também não esteja no lugar. Imagino eu que a graça esteja justamente no ato de voltar, no ato de se dirigir para. Mais que isso: a graça talvez esteja na ilusão de achar que o lugar seja o mesmo; na fantasia de pensar que eu seja o mesmo. Sim, sim: "às vezes fica longe, difícil de encontrar".

Cumprir a vida

"É preciso chuva para florir", canta Almir Sater em uma de suas mais bonitas músicas, na qual também diz que "cumprir a vida é simplesmente compreender a marcha e ir tocando em frente" - aliás, Tocando em Frente é o nome da música. Muitas vezes a gente não identifica, mas chove. Ainda que possamos não ouvir os pingos e muito menos nos molhar com eles... sim, chove.
 
É muito bom quando a gente sente movimentos de renovação. Nem digo dessas tantas, legítimas e (em sua essência) bonitas passeatas e manifestações que vemos nesses últimos dias pelo País. Falo mesmo no âmbito pessoal, no foro íntimo. Falo da alegria de ver brotarem novas amizades, por exemplo.
 
É como me sinto ao olhar uma planta que está aqui em casa há quase dois anos. Mal sabe ela que só a comprei por dois motivos: 1) para dar alguma vida na casa; 2) para me poupar o trabalho de regar diariamente, já que regar uma vez na semana já é suficiente. Mas, independentemente disso, me anima muito ver o viço de suas folhas verdes verdes, fortes fortes. Mais ainda: muito me anima ver que nesse tempo todo ela continua a brotar. Pequenos galhos dão o ar de sua existência de tempos em tempos.
 
É assim com os amigos. Ora os mais velhos amigos inovam e renovam a amizade, ora novos amigos aparecem na vida da gente, assim, como um galho inesperado que revigora toda uma planta. Que revigora toda uma casa. Sejam bem vindas todas as amizades. As renovadas e as novas, porque é isso que a gente tem na vida. Do latim ad me cum, amigo é aquela pessoa que está comigo, que vem a mim e para a qual vou. "É coisa pra se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração". Que chova bastante para florir muito e pra que a gente siga cumprindo a vida.

domingo, 23 de junho de 2013

Dois gumes

"Quero ter alguém com quem conversar; alguém que depois não use o que eu disse contra mim", canta Renato Russo em uma de suas músicas pouco reproduzidas, chamada Andrea Dória. Gosto do andamento, da letra... gosto até do que não gosto, isto é, do verso que antecede aos que usei para iniciar esta reflexão: "eu sei, é tudo sem sentido".
 
Eu não sei mesmo se as coisas não fazem sentido. Eu não sei se elas fazem todos os sentidos possíveis. Eu não sei se elas fazem os sentidos convenientes. O que sei é que sentidos são feitos pelo uso da linguagem - de todo tipo de linguagem - de acordo com o contexto de produção da interação. Muitas vezes, um gesto, uma roupa, uma palavra que se pretende significar uma coisa pode significar uma coisa pra um, outra pra outro, outra pra outro, e assim indefinidamente.
 
Às vezes a gente se cansa de ser mal interpretado e/ou de ser interpretado segundo a conveniência do interpretante. Naturalmente a gente deve fazer isso também com os outros, num processo que insiste em existir mobilizado sabe lá Deus pelo quê: um processo que entra num moto-perpétuo e vai entortando caminhos, minando relações, enfraquecendo motivações, arrefecendo ânimos.
 
Apenas em momentos convenientes e depois de alguma forma de frustração com a gente, é que as pessoas usam contra nós algo que lhes dissemos. É triste. É revoltante, mas é a vida. Esse é justamente um dos efeitos da linguagem. Numa faca de dois gumes, ela banha sempre o lado que estiver mais próximo da vítima. Muitas vezes, a gente é mesmo ambíguo e polissêmico, consciente ou inconscientemente. Daí é mesmo merecido que o plurissignificativo se corte; daí é mesmo merecido que seja mal entendido e que suas palavras se voltem como lança contra ele.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Não sabia que sabia

"Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim" são versos de uma música bem antiga, que eu ouço desde menino. Desde aquela época eu não sabia o porquê de ela me dizer tanto. Quer dizer: sabia. Mas não sabia que sabia. Talvez fosse doloroso saber e, por conta disso, meu mecanismo psíquico me defendesse fazendo-me cantar a música sem pensar na letra. Não vou abordar o fato aqui, pois não acho que ainda é tempo.
 
Mas esta música me veio à mente de novo hoje, quando eu chegava à escola para as minhas aulas normais. À minha frente, bem lá na frente, caminhavam pelo estacionamento um colega professor e seu filho. O curioso é que ele ia bem à frente do filho, sem olhar pra trás. O filho, por sua vez, ora olhava o pai, ora olhava o chão do seu próprio caminho. Esta cena me lembrou outra, de quando depois de quase 30 anos, fui rever meu pai. Na verdade, fui levar minhas filhas para ele conhecer as netas.
 
Me lembrou também as vezes em que eu ensinava minhas filhas a andar de bicicleta. Depois de muita insistência, encorajamento, parabenizações, lamentações, quedas e novas tentativas, ao senti-las seguras eu segurava cada vez menos a bicicleta. Até que, sem perceberem, davam suas pedaladas sozinhas, conduzindo a bicicleta pelos caminhos que bem quisessem e na velocidade que bem entendessem. Quando se davam conta de que eu não mais segurava, sentiam-se felizes e orgulhosas de si.
 
É assim, eu acho, a vida. Tem hora que a gente é completamente dependente de algumas pessoas - independentemente do papel social que elas cumprem em nossa vida. O caminhar da vida faz as pessoas sentirem que já podemos andar sozinhos. O caminhar da vida faz a gente perceber que já pode caminhar sozinho. E assim as solidões nos acompanham às mesas, nas quais a saudade às vezes dói. De igual modo, o orgulho por conseguir formar e por se sentir formado faz a gente saber que já sabe.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Viver é afinar um instrumento

"Sou errada, sou errante; sempre na estrada, sempre distante" é o refrão de uma música que ganha sua expressão na belíssima voz de uma moça igualmente bela: Paula Toller. Hei de convir: desde que surgiu com a banda Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Paula foi tendo a voz cada vez mais bem trabalhada. A meu ver, saiu de um tom debochado nos anos 80 para um tom melodioso recentemente.
 
Deu certamente um direcionamento à sua voz, como se enxergasse uma bússola diante de si, responsável por nortear os passos que deveria dar para estar onde está e para continuar seguindo. Já disse aqui, várias vezes, que admiro demais quem sabe cantar, que conseguiu educar a voz e faz dela um instrumento que passeia por entre os acordes que fazem vibrar os instrumentos de corda e sopro, acompanhados pelas percussões.
 
Bem dizia o poeta: viver é afinar um instrumento: de dentro pra fora, de fora pra dentro.  E realmente me parece ser assim: a gente vai ajustando nosso interior ao mundo que nos cerca, simultaneamente ao movimento de tomar o que está fora para integrar o que está dentro. Seria muito bom se todos tivéssemos essa consciência "sin-fônica".
 
Melhor seria se tivéssemos uma bússola que apontasse para o Norte onde estariam os melhores pensamentos, os melhores gestos, os melhores planos, as melhores companhias - ainda que esse monte de "melhor" apresentasse alguns buracos para tropeçar, alguns desníveis para torcer o pé, algum excesso de luz para ofuscar a vista, enfim... Enquanto essa bússola não se apresenta diante de nós, seguimos fazendo o que consideramos melhor. Às vezes errados; às vezes errantes. Mas sempre na estrada e sempre distante.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

As canções e seus ditos

"As canções mais tolas, tendo seus defeitos, sabem diagnosticar o que vai no peito", canta Lulu Santos, um sujeito que - também tendo os seus defeitos - escreve letras interessantes em músicas gostosas de ouvir, dados os arranjos que apresentam um aspecto de quem entende de música. Desde seu início, com De Repente Califórnia, nutro alguma admiração pelo seu trabalho.
 
O verso que utilizei para introduzir esta reflexão é parte da música Satisfação. E concordo com ele. Embora isto não seja um privilégio que cabe apenas às canções mais tolas, boa parte delas realmente sabe diagnosticar a sensibilidade que ecoa no peito de muitos. Difícil negar, pois elas retratam os sentimentos primeiros, mais intensos, ora eufóricos ora disfóricos... sentimentos que são, não de uma ou de outra pessoa, mas do ser humano.
 
Estou certo de que a maioria de nós já passamos por sentimentos muito bons, tão bons que fizemos (fazemos) questão de cultivar. Sejam sentimentos que devotamos a algo ou a alguém, sejam sentimentos que alguém nos devota. Sentimentos de satisfação como o que a vaga do mar deixa ao passar por nós, depois de ser movimentada pelas ondas, acariciando nosso rosto e se imiscuindo entre os fios de nossos cabelos, que deliram de gratidão.
 
São sentimentos assim que devemos - segundo algumas canções - regar, como se fossem flores. São sentimentos assim que devemos desejar viver a cada vão momento. Sentimentos que devemos desejar como ao ar. Sentimentos que devem ser experimentados a cada batida do coração, como cantava Freddie Mercury. Sentimentos que, muitas vezes, se identificam com a própria razão de viver.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Fome e sede

"A gente não quer só comida; a gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só saída; a gente quer saída para qualquer parte", cantavam os Titãs já há um bom tempo uma música que estava no nosso repertório para tocarmos no final de semana passado. Legal demais essa música justamente pela interpelação: "você tem fome de quê? Você tem fome de quê?".
 
Lembro de quando eu era moleque, morando ainda em Janaúba-MG e, como sempre, se não estava estudando, certamente estava jogando futebol. À época, como toda criança normal, de família normal, participava dos jogos apostando algo. Naquela cidade quente, onde chove apenas em dois períodos do ano, era normal que a gente apostasse pacotinhos de Q-Suco. Sim, Q-suco. E a graça maior nem era ganhar o jogo, mas fazer aquele caldeirão de suco com água de alguma torneira de casa próxima ao campo de jogo.
 
A gente tinha sede de jogo e tinha sede de suco. Daí a gente se mobilizava e fazia o que fosse necessário para que saciássemos nossas duas sensações: a fome do jogo, a sede do suco. Hoje (na verdade, já há alguns dias), em proporções incrivelmente maiores, estamos vendo - a partir de São Paulo - manifestações no Brasil inteiro contra uma série de coisas que não andam bem (desde sempre) no País.
 
Espero que ao final de tudo isso, se final houver, as pessoas possam se reunir em torno de suas perdas e de seus ganhos para comemorar as conquistas resultantes de toda essa movimentação. Que ela venha servir de ponte para um estado de coisas que sirva para saciar a fome e a sede de justiça que habita o corpo daqueles que não brincam com sensações vitais.

Saber reivindicar

"Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada", são versos cantados por Humberto Gessinger em uma de suas conhecidas músicas, cantadas e recantadas em minha época de mocidade, de quando eu tinha a metade da idade que tenho hoje.
 
Vejo na televisão e nas ruas essas pessoas, jovens e adultos, a reivindicar. Fico impressionado com a capacidade de mobilização delas para uma causa. Fico mais impressionado ainda com o poder que elas têm, quando juntas, de construir coisas. Estão construindo uma nova imagem da juventude, que até então era criticada por não reclamar seus direitos, por não se manifestar contra o que lhe parece injusto.
 
Fico ainda mais impressionado com a capacidade que essas pessoas têm de destruir. No começo, depredações de objetos públicos (que elas próprias, direta ou indiretamente ajudaram a adquirir); depois objetos e até fachadas de imóveis privados. Hoje, invadiram o Congresso e outros espaços de administração pública. Ruim também a força (des)proporcional com que a Polícia vem agindo.
 
Há quase 80% de analfabetos funcionais no Brasil. Milhões de pessoas não têm a menor perspectiva sobre o que vão tomar no café da manhã, o que vão comer no almoço ou no jantar. Bilhões e bilhões de Reais são desviados das verbas públicas que todos ajudamos a bancar. Hospitais estão precisando de tratamento para poderem parecer com hospitais. Escolas estão com a condução da educação levada à míngua. Quisera eu saber como reivindicar, em paz e de modo efetivo. Eu presto atenção no que as pessoas dizem...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ter relações e deixar de ter

"Te ver e não te querer é improvável, impossível", canta a banda mineira Skank. Essa é uma letra que fala da irresistibilidade das coisas e das pessoas; fala do fascínio que elas exercem sobre nós. Ou melhor: fala do quanto nos abrimos para receber a fascinação que queremos que elas despertem em nós.
 
Às vezes mantemos com as coisas um tipo de relação de quase dependência. Uma relação que chega ao ponto de não distinguirmos mais se o que estamos fazendo é algo consciente ou se é algo que já nos domina e nos atrai como se aquilo fosse absolutamente natural e impossível de ser negado. Especialmente aquelas coisas que despertam na gente a sensação de querer mais.
 
No cérebro, a serotonina vai a milhão, quando o brigadeiro, o hambúrguer, o chopp, o refrigerante e tudo o mais que diz para o nosso cérebro: "olha, que legal que eu sou; vem, que tem muito mais de mim pra você; deixe eu tomar seus sentidos: perceba meu gosto, meu cheiro, minha textura, minha cor; me ouça enquanto me engole...".
 
A gente chega a uma idade em que reverter certas situações é algo cada vez mais difícil. Daí, todo aquele prazer pode ter se transformado em excessos, em perdas, em uma série de coisas irrecuperáveis. Se ainda houver tempo e forças para o corpo, é sempre bom reconhecer a hora de cortar relações. Nem tudo é improvável ou impossível, em se tratando de uma vida mais saudável.

sábado, 15 de junho de 2013

O que de si

"Só não se perca ao entrar no meu infinito particular", canta Marisa Monte com sua respeitadíssima e educada emissão vocal. Cantora lírica, ela sabe colocar a voz no tom necessário sem sequer demonstrar esforço. Nessa música (Infinito Particular), assim como em tantas outras, acompanhar o passeio de sua voz é uma viagem pra lá de agradável. É um ticket to ride do lugar onde estivermos.
 
Outro dia, frio e chuvoso como muitos, passando por uma calçada, meus olhos lançaram meu espírito a uma imagem que infelizmente, muito infelizmente, vem se tornando comum numa megalópole como é São Paulo. Havia um cobertor no chão envolvendo um corpo em cuja ponta se apoiava uma mochila. Não pensei na mochila nem no cobertor. Tinha uma pessoa ali dentro. Coberta da cabeça aos pés, nada dela se deixava ver.
 
Há poucos dias, discutindo "O Cidadão de Papel" com meus alunos de 8ºano, refleti sobre a banalização desse tipo de cena em São Paulo: mendigos estirados nas calçadas. Poderia muito bem ter me contentado com esse pensamento, mas meu espírito levou meus olhos de volta para a mochila da pessoa. E me pus a pensar em coisas que pudessem estar ali dentro. Certamente, ali estavam todos os seus pertences. Ele levava ali sua vida.
 
O que haveria ali? O que seriam seus pertences? O que de si ele levava consigo? Mudas de roupa. Roupas mudas. Ou roupas poucas que dizem alguma coisa? O que dizem os objetos que ele (ela?)carrega na sua mochila? O que revelam de sua vida? O que revelam de seu infinito particular?

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Quando respiro

"No ar que eu respiro, eu sinto prazer de ser quem eu sou, de estar onde estou", canta a maravilhosa mãe do rock nacional, Rita Lee. Admiro essa mulher por sua sinceridade, transparência e, óbvio, por sua competência profissional, por sua trajetória. Pouco me importam as coisas que ela fez e que são consideradas erradas. Aprendi a reter o que é bom das pessoas e das coisas.
 
Essa atitude sempre me fez muito bem. Realmente olhar para o que as pessoas e as coisas têm de bom dá mais sentido à vida. De vez em quando nosso olhar se depara com uma coisa ruim, com uma pessoa ruim. Mas é de vez em quando. Se essa coisa ou pessoa dever, puder e quiser ser mudada, bem. Se não, paciência: não é ela que vai ficar sob a mira do meu olhar.
 
Tenho tido ultimamente, no ar que eu respiro, o prazer de ser quem eu sou e de estar onde estou. Meu trabalho me dá a incomensurável oportunidade de lidar com pessoas, de vê-las crescendo, de vê-las aprendendo comigo, rindo comigo, recebendo meus elogios, minhas orientações, minhas broncas, meus trocadilhos. Também me dá a feliz oportunidade de capacitar alguns profissionais para que sejam melhores para as pessoas com quem eles trabalham.
 
É óbvio (mas nunca é demais dizer) que minhas filhas são o que me dá razão para ter prazer de ser quem eu sou e de estar onde estou. Isso sempre. Mais recentemente, muito mais recentemente, o que tem me dado essa sensação inigualável é o fato de estar tocando música boa com amigos bons para pessoas boas. Isso pra mim é transcendente. Isso faz eu me sentir mais gente, mais integrado e ainda mais feliz. Mas não é sempre: só quando respiro.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Algo mais Algo a mais

"If you only know how easy it would be to show me how you fell... More than words: it's only you have to do to make it real". Uma música tão bonita, leve, bem criada e executada, nem lembra que é de uma super banda de rock: Extreme. Acho que ela vem a calhar (e não a encalhar) hoje, neste dia em que se comemora o dia dos namorados.
 
Tantos e quantos eu-te-amos devem ter sido ditos hoje. Aos montes. Aos milhares. Aos homens. Às mulheres. Mas o que o autor diz é que palavras não são suficientes para expressar um amor verdadeiro em sua inteireza, em sua completude, em sua totalidade. E não discordo dele. Embora eu acredite que as palavras sejam a matéria prima para criar, manter e destruir muita coisa e muita gente, não acho que elas sejam tudo.
 
Longe, muito longe de querer fazer qualquer juízo de valor; longe, muito longe de querer expressar qualquer posição que possa sequer cheirar a moralismo. Acho que entre o dizer e o fazer muitas vezes existe um fosso. Outras vezes, um verdadeiro precipício. Mas há milhares de outras vezes em que há confluência entre o dizer e o fazer.
 
Quando isso acontece, a credibilidade de quem diz é reconhecida - o que, em geral, resulta na consecução dos objetivos pretendidos. Mas muitas vezes, espera-se algo mais. Algo a mais. Algo que vá além daquilo que naturalmente se espera: que o dizer e o fazer sejam uma só coisa. Realmente, é preciso mais do que palavras.
 


quarta-feira, 12 de junho de 2013

No limite

"Ando tão à flor da pele, que qualquer beijo de novela me faz chorar. Ando tão à flor da pele, que teu olhar 'flor na janela' me faz morrer. Ando tão à flor da pele, que meu desejo se confunde com a vontade de nem ser. Ando tão à flor da pele, que minha pele tem o fogo do juízo final". Esta música do Zeca Baleiro (Flor da Pele) hoje me faz pensar em uma série de coisas que ainda estou vendo acontecer. E exemplos delas tem aos montes. Todas relacionadas a limites.
 
Todos sabem que música e futebol são duas paixões antigas que eu alimento. Uma eu gosto de ouvir e tocar. Outro eu gosto de ver e jogar. Algumas cenas no futebol ilustram bem a falta de percepção dos limites. De muitas possíveis, acho muito engraçado quando um jogador se empolga com uma boa jogada e quer logo emendar outra na sequência. Muitas vezes, seja na linha lateral ou na linha de fundo, ele não enxerga que o campo acabou e só percebe o fim do campo depois que de ver a linha branca final passar.
 
Se acontece no campo, acontece em todo lugar, inclusive na escola. Com meus alunos não é diferente: diariamente eu preciso trazer alguns de volta à realidade. Ora pelo fato de se distraírem demais e perderem a noção da quantidade, ora por se dispersarem demais e se desligarem a noção do espaço, ora por serem adolescentes demais e perderem de vista suas responsabilidades. Muitas vezes se colocam tão intensamente ou tão hipotensamente em algumas questões, que a gente tem de dar uma chacoalhada pra repor as coisas nos eixos.
 
O incômodo é quanto o exemplo somos nós mesmos. Aí o bicho pega de tal jeito, que deixa a gente andando à flor da pele. Tanto, que a gente é capaz de chorar com beijo de novela, sentir-se não ser, ter vontade de nem ser e de sentir a pele com o fogo do juízo final. Sim, isso tudo quando não notamos os limites das coisas, das ações, das palavras... o limite da gente. Ultrapassá-lo ou não é quase um detalhe fatal, como canta o Zeca na mesma música: "às vezes me preservo, outras suicido".

terça-feira, 11 de junho de 2013

É... é... peraí.

"Se um dia eu pudesse ver meu passado inteiro e fizesse parar de chover nos primeiros erros... mas só chove, chove, chove, chove...", canta Kiko Zambianchi no refrão da música Primeiros Erros. Aliás, esta foi uma das primeiras músicas que nossa banda tocou na nossa última apresentação (opa! vamos tocar de novo no próximo sábado!!).
 
Lembro-me dessa música hoje porque foi um dia em que meus erros se revelaram em alto relevo. Eles têm ficado cada vez mais em evidência, não sei se devido à proximidade do final de semestre, quando o corpo já dá, também, evidentes sinais de cansaço. Tempo em que a cabeça, de igual modo, parece pedir urgentemente um tempo para se organizar, um tempo para se pôr em ordem.
 
E é a cabeça que tem me levado a cometer alguns erros completamente evitáveis. Um colega hoje veio me procurar, solicitando que eu trouxesse para o colégio uma chave que ele havia esquecido de devolver. No momento, até brincamos dizendo que ele precisava se cuidar, pois parecia estar "pegando" minha distração e meus esquecimentos. Lógico que me dispus a reparar sua falta. (...) Mal sabia ele que dali a pouquíssimo tempo eu iria me lembrar  de que eu mesmo tinha esquecido minha chave. De casa, do carro, de tudo. E  o pior: não me lembrava de onde a havia esquecido.
 
It's a mistake, da banda Man at Work, é outra música que pode ilustrar isso. No final do dia, depois de reuniões e reuniões, já com as energias do corpo exauridas, cheguei em casa. Só meu celular tinha menos energia que eu. Zero. Quando o coloquei para carregar, havia 7 ligações e mais 3 mensagens Whatsapp. Eu havia esquecido de um compromisso familiar importante assumido no meio da tarde. Não me lembro de como eu queria terminar este texto. Sei que "chove, chove, chove, chove..."

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Subvivente Sobrevivente

"Mande notícias do lado de lá; diz quem fica. Me dê um abraço. Venha me apertar. Tô chegando" são versos de Milton Nascimento na música Encontros e Despedidas. Como muitas do Milton, esta é mais uma daquelas que fazem a gente parar de cantar pra pensar no que está cantando. Pensava nela hoje depois de ler umas postagens do FG em seu Face.
 
Às vezes, as pessoas que conhecemos há tanto tempo apresentam faces que até então eram completamente desconhecidas por nós. Certamente não eram desconhecidas pela pessoa que a apresenta, mas para nós pode até soar com  alguma estranheza. Em situações assim o silêncio joga no nosso rosto a forma de sobrancelhas interligadas, olhar fechado, lábios prensados um sobre o outro.
 
É nessas horas que a gente sabe que ninguém, nem mesmo o mais santo ou o mais impuro dos homens, ninguém tem apenas uma face. Afinal, já dizia Drummond, tem horas que a gente "vai ser gauche na vida". Essas coisas ditas por anjos tortos e que nos permitem mostrar o lado de baixo do iceberg nos dão certa leveza, justamente pelo não recalque.
 
Mas é engraçado que a gente deve saber que esse lado subvivente vive tanto quanto o sobrevivente. Mais: que ele não é uma anomalia, um lado escuro, espúrio, repugnante. É, antes, uma parte componente de cada um de nós, como Mr. Jekill e Mr. Hyde, como o Padre Amaro, como Lúcia e Lucíola. Como eu e ... eu mesmo. Não são partes subjacentes, mas subviventes em nós. De vez em quando, elas mandam notícias do lado de lá.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Corsário

"Meu coração tropical está coberto de neve, mas ferve em seu cofre gelado. A voz vibra, e a mão escreve: mar", em minha modestíssima opinião, são versos que estão entre os mais bonitos de toda a nossa música nacional. São de João Bosco e dão início à música Corsário.

Corsário é um tipo de navio, bastante antigo, que tinha autorização do rei para atuar como pirata, isto é, para atacar, saquear, destruir navios de nações inimigas. Ele tinha, veja só, autorização legal para ser ilegal. No âmbito da política, já aprendi, o que é legal talvez tenha o sentido de conveniente. Quer dizer: está de acordo com a lei aquilo que for conveniente para o rei.

Mais que uma rima, uma verdade. Isso me lembra a peça Henrique V, de Shakespeare. Depois da vitória da Inglaterra sobre a França, o Rei Henrique V quer beijar a filha do rei francês. Por ser contra os costumes deste último, o beijo tenta ser impedido. Sem titubear, à conveniência do beijo pretendido, o inglês altera um costume milenar, apoiando-se no fato de que as leis são criadas justamente pelos reis.

Mas um corsário, às vezes, sobretudo no âmbito do amor, pode ser ele mesmo alvo de ataques, de saques e de destruições. Pode, ele mesmo, tornar-se a vítima e ficar preso sob o poder daquele que ele quis dominar. "Por você, eu, teu corsário preso, vou partir na geleira azul da solidão e buscar a mão do mar, me arrastar até o mar, procurar o mar". Aí, no âmbito do amor, haverá corsários fervendo em cofres gelados?

Sem palavras Sem canções

"Eu queria poder te dizer sem palavras. Eu queria poder te cantar sem canções. Eu queria viver morrendo em sua teia. Seu sangue correndo em minha veia. Seu cheiro morando em meus pulmões" - canta Vander Lee, um poeta mineiro que já citei aqui. Cantor de voz frágil e muito afinada, consegue compor letras que me falam bastante.

Quantas vezes pensei comigo mesmo que um dia gostaria de escrever minha biografia pontuada de música. Uma música para cada momento da vida. Pelo menos para os mais marcantes, para os momentos estruturantes. Mesmo para aqueles em que estruturar requereu desestruturar. Eu queria mesmo poder me dizer cem palavras. Eu queria poder me cantar cem canções.

Não são raros os momentos em que, ao longo do dia, em vez de dizer algo que eu poderia muito bem representar por palavras naturalmente, eu prefiro citar  uma música ou apenas um trecho. Mesmo que as palavras sejam praticamente as mesmas do verso. Para mim, algumas vezes, isso é irritante. Porém entre as milhares de vezes em que isso acontece, as que irritam são ínfimas. E logo passam.

Lembrei de um verso do Roupa Nova hoje, de uma música chamada Bem Simples: "Eu pensei em te dizer tanta coisa. Mas pra quê, se eu tenho a música?". Está aí. Bingo. A música diz mais. E acho que ela consegue isso, primeiro porque ela se soma à carga afetiva que ponho nela quando a cito; segundo, porque àquilo que é dito/cantado acompanha-se uma música, uma carga melódica e harmônica dos instrumentos, que balançam os sentimentos. Eu poderia até querer me cantar cem palavras. Mas nunca quereria me dizer sem canções.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Tão bem também

"Ela me faz tão bem. Ela me faz tão bem, que eu também quero fazer isso por ela", canta Lulu Santos, na música Tão Bem. Esses versos sempre me lembraram duas coisas muito legais, do ponto de vista etimológico, e uma do lado existencial.

Poucos sabem, mas a origem da palavra "obrigado" é uma expressão muito (mas muito mesmo) antiga. Pois muito antigamente, ao serem de certa forma beneficiados, os homens diziam: 'você foi tão gentil comigo, que eu me sinto obrigado a retribuir seu favor'. Por sua vez, mulheres diziam: 'você foi tão gentil comigo, que eu me sinto obrigada a retribuir seu favor'. Por isso, elas dizem sempre 'obrigada'; e eles, 'obrigado'.

E a letra da música acima tem um pouco esse espírito de gratidão. Etimologicamente, ela me lembra também algumas emoções que as pessoas despertam em nós. Apatia, por exemplo, é o aspecto daquela pessoa que não desperta emoção alguma em nós. Ela e nada, em termos de emoção... Por sua vez, antipática é a pessoa que desperta emoções que consideramos ruins.

Já a pessoa simpática é aquela que desperta em nós emoções absolutamente agradáveis. Tão agradáveis que queremos retribuir. Tanto, que lhes somos gratos. Incondicionalmente. Daqui decorre a lembrança existencial. Pessoas assim nós queremos sempre ao nosso lado, para compartilhar momentos bons, momentos ruins. Para viver conosco. Para rir e chorar, para provar emoções, sensações, sentimentos. Para viver o bem. Tão bem nos fazem, que tanto bem queremos fazer a elas.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Menos íris

Na música Meu Mundo e Nada Mais, Guilherme Arantes canta: "Quando fui ferido, vi tudo mudar. Das verdades que eu sabia, só sobraram restos que eu não esqueci". Isso tem a ver com o que escrevi ontem, desejando ser um pouco Orfeu, para poder superar as pequenas mortes de todo dia. Porque a morte definitiva, quando vem, simplesmente vem. E o que morre, se vai.

É isso. O povo diz que, se tem uma certeza na vida, esta é a morte. A morte é certa. Eu mesmo já escrevi aqui sobre uma pichação que vi num muro, segundo a qual é a vida que faz parte da morte, e não o contrário. Não sei bem o que é verdade nisso tudo. Não sei bem o que é verdade em nada. Não sei bem o que é verdade. Não sei bem o que é. Não sei bem. Não sei. Não.

Mas, às vezes, dá uma angústia tão grande ver alguns pontos de luz perdendo seu brilho. E isso dói pacas. É como um sorriso perdesse um milésimo de milímetro a cada dia. Como se um traço de íris deixasse de compor o centro dos olhos a cada dia. Como se o corpo, qualquer corpo, fosse perdendo seu calor, seu viço, sua pulsação.

É assim nas relações com as pessoas. No trabalho, no campo, no bar. "Na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê". Em todos os lugares. Com todas as pessoas. Em todos os tempos. Ela é fatal e nem faz questão de avisar que vai chegar de repente ou se vai chegando feito serpente, lenta, silente. Pois era justamente contra as pequenas perdas do dia a dia que eu queria ser Orfeu - mesmo sabendo que nada é pra sempre.


Eu queria ser Orfeu

"Já faz um tempo, eu quis fazer uma canção pra você viver mais" é uma das músicas que mais me marcaram e que mais ouvi como se estivesse engolindo lâminas de gilete regadas a álcool. Deus e eu sabemos por quê. A música se chama "Canção pra você viver mais" e trata de perda. Não estou certo, mas parece ter a ver com a perda do pai da Fernanda Takai, a vocalista.

Engraçado que, hoje, ouvindo essa música de novo, outra parte dela, que nunca havia me chamado a atenção, o fez hoje. "Já faz um tempo, eu quis fazer uma canção pra você viver mais". Isso me lembra muitas coisas, todas relacionadas e centradas no mesmo fato gerador. Me lembra o mito de Orfeu, que desce ao inferno para buscar Eurídice. Para conseguir entrar, tem de passar pelo feroz cão de guarda - o Cérbero. Não era um simples cão: tinha três cabeças e calda de serpente. Estar diante dele significa morte certa. Como Orfeu venceu o Cérbero? Com sua música, tocando sua lira.

Esse refrão me lembrou também a adaptação que Vinícius de Moraes fez do mito de Orfeu, adaptando a trama ao morro carioca. Ali, Orfeu da Conceição, não só "como a flor, despetala as mulheres", mas também vence as agruras pequenas e grandes que se debruçam sobre ele. Com sua música, elegante e valente, tocando seu violão, encanta Eurídice, "a mulata de pele preta e dente branco".

Se eu não sonhar com música, eu devo ter contato com ela umas 19 ou 20 horas por dia, seja ouvindo, seja tocando, seja cantando... Cantando? Sozinho, claro. Queria que esse meu contato com a música me desse o poder de evitar pequenas mortes do dia a dia. Não precisa ser a morte do Cérbero. Nem precisa ser a morte das facas e navalhas do Morro da Conceição. Eu queria ser Orfeu.


domingo, 2 de junho de 2013

Aprender é retroalimentar

"É, na vida a gente tem de aprender..." cantava Tim Maia com seu vozeirão registrado preenchendo melodias de notas simples. Fazendo milagres em cima de poucas notas. Nesta música, por exemplo, quatro notinhas simples: e veja que maravilha o homem faz. Vou usar o trecho que citei apenas até aquele ponto mesmo. Depois completo. Agora, o que me importa é o foco no aprender.

Voltava de um restaurante hoje com minhas filhas e, no caminho de lá ao carro, avistamos um senhor, anão, de cabelos já brancos, com traços de japonês. Claro, tornou-se nosso assunto. Disse que era incomum ver anões japoneses. Dali adiante, passamos a pensar sobre a hereditariedade do nanismo. Rapaz: me calei diante da aula que recebi. Genes, mutações, probabilidades... fiquei boquiaberto aprendendo com minha "pequena" e absorvendo o prazer de ser ensinado por ela.

Mais tarde, em casa, enquanto uma lia no quarto, eu e minha outra filha estudávamos na sala. Comentei que hoje cedo havia conhecido uma banda nova: a Florence and the Machines. E mostrei pra ela. Tal não foi minha surpresa quando ela me mostrou uma outra banda, igualmente excelente, formada apenas por um pianista e um violoncelista: The Pianist Guys. Elas já foram dormir faz tempo. E eu estou ouvindo os caras tocarem ainda. Há horas.

Pois é. Para quem ainda não é pai (ou mãe), vale dizer: aprender com os filhos da gente é um negócio simplesmente impagável. É como árvore que se refresca à própria sombra, ou que se vale da semente que ela mesma gerou.