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Daqui pra frente, divirta-se trocando ideias comigo.
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terça-feira, 30 de abril de 2013

Ler a palavra, a si, ao outro, a palavra...

"Um dia frio,um bom lugar pra ler um livro", canta Djavan em uma de suas muitas música muito melódicas, bem construídas e com ótima letra. Esse cara tem o dom. Embora haja alguns versos seus que pra mim são completamente incompreensíveis, há outros que significam muito a cada vez que me lembro deles. Hoje, por exemplo, em uma palestra sobre leitura, citei: "sabe lá o que não ter e ter que ter pra dar? Sabe lá o que é morrer de sede em frente ao mar? Falava isso para motivar o ensino de leitura.

Por incrível que possa parecer, o aumento da população brasileira não resulta em aumento do número de leitores. Antes, nos últimos 7 anos tem havido uma significativa queda no número de leitores brasileiros. Poucos relatam o hábito de leitura, pouquíssimos revelam inda a bibliotecas, menos ainda compram livros. Um grande número de pessoas tem trocado a leitura de livros pela presença diante da televisão, pelos recurso ao computador, pelo acesso aos jogos de internet e suas redes sociais.

É certo que as novas tecnologias (nem tão novas assim, pois a televisão está entre elas) levam larga e incomensurável vantagem sobre a tecnologia da palavra impressa no papel. O movimento e o som da televisão, por exemplo, ou ainda as múltiplas possibilidades da internet absorvem e mantêm mais eficientemente a atenção dos jovens, assim como dos adultos e dos mais experientes.

Sim parece-me haver uma migração no objeto da leitura. Ler televisão ou ler internet não é, a priori, ruim. Ao contrário, pode ser muito bom, dependendo da orientação para o uso produtivo, eficaz, respeitoso e moderado. Não importa que os leitores de palavra impressa migrem para onde quiserem. O que importa que a leitura de mundo, que renova a leitura da palavra, continue eficiente, para que o leitor entenda melhor a si mesmo, ao outro, os grupos, as instituições, o mundo. Isso não se pode deixar de ler adequadamente.

domingo, 28 de abril de 2013

Mais longe

Quem não se lembra de Gloria Estefan cantando na abertura dos Jogos Olímpicos de 1996. Confesso que passei a conhecer a moça ali, naquele momento. Até então, não sabia quase nada dela. No entanto, a partir de então, passei a apreciar a qualidade de sua voz, que realmente vai bem além, bem mais longe do que uma voz normal. A técnica e a emoção que ela coloca nessa interpretação, de fato, são elogiáveis.

A música era "Reach" e tinha como refrão: "if I could reach, higher, just for one moment touch the sky". Ao falar dos sonhos que guardamos acalentados, ela sugere esperançosa: Se eu pudesse alcançar, mais alto, só por um momento tocar o céu...  Não há dúvida de que se trata de um desejo que bate o coração das pessoas ditas normais. É preciso um pouco de sonho para viver. Para muitos, é preciso um sonho pelo qual morrer.

Às vezes, os sonhos ganham voz e vêm falar conosco: "Ei, filho! Filho! Dá pra ir mais longe, rapaz!" E a gente fica assustado, muitas vezes pela falta do hábito de ouvir a voz do sonho. Então, a gente ri irresponsavelmente ou incompetentemente e atribui a voz do sonho à voz do delírio, da loucura, à voz da arrogância, da prepotência. Ou simplesmente, a gente dá ao sonho uma voz em soliloquia: deixamos ele falando sozinho.

E aí, ah... e aí, gastamos horas admirando aqueles que souberam identificar claramente a voz do sonho; admirando aqueles que entenderam a orientação que se iluminou à sua frente. Os mais insensíveis, ou os menos corajosos desfrutam de uma incapacidade linguística para voz dos sonhos, se gabam de ser desprovidos de inteligência para o discurso do sonho. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça: todos podemos ir mais longe, mais alto, como atletas pela medalha da felicidade.


sábado, 27 de abril de 2013

Uma questão obnubilada

"Mas é claro que o Sol vai voltar amanhã mais uma vez. Eu sei", canta Renato Russo em uma de suas músicas que tentam animar os jovens, especialmente com o refrão: "quem acredita, sempre alcança". Se por um lado é verdade que realmente o Sol vai brilhar amanhã mais uma vez, por outro não é muito verdade que ele "vai voltar". Isso porque ele não se vai. É um movimento nosso que nos afasta do seu brilho.

Fico aqui pensando em como, quanto, tantas e várias vezes a gente se enche de nuvens cheias, densas e negativamente carregadas. Às vezes elas se movimentam rápidas, lépidas e oportunistas sobre nós. Outras, nós mesmos, consciente ou inconscientemente, nos refugiamos em seu interior, por medo, timidez, insegurança, fotofobia ou seja lá o que for. Seja lá também o que forem as nuvens: cada um tem a sua. Ou as suas.

Como seria bom se, ao final de cada dia, banhados pela luz artificial de Thomas Edson (que tinha medo de escuro), a gente pudesse ouvir a "moça do tempo" dizendo com precisão o que ia acontecer no tempo da nossa vida no dia seguinte. Se ia fazer sol, se ia chover, se o tempo ia ficar nublado, se ia ter chuvas esparsas ou pancadas de chuva, enfim: seria bom se a gente soubesse com antecedência.

Será mesmo? Acho que não. Acho que seria mais uma forma de transferir a responsabilidade. Do mesmo modo que o é quando dizemos ser o Sol quem vai e quem vem. Também seria transferência de responsabilidade dizer que "amanhã vai chover". Sei não: tenho pra mim que é a gente que faz chover. É a gente que faz ensolarar. Esta me parece uma questão obnubilidada.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Do tamanho que eu vejo

Gosto de um verso de Drummond, que diz: "Eu sozinho menino entre mangueiras lia a história de Robinson Crusoé, comprida história que não acaba mais. (...) E eu não sabia que minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé". Nesse poema, Drummond relata um pouco da sua infância e traz figuras cotidianas que retratam a simplicidade de sua vida e a imensa felicidade que aquilo lhe trazia.

Hoje recebi um comentário ao texto que publiquei ontem aqui no blog. Era do meu cunhado, pai do meu sobrinho, que eu adoro. Um menino que eu estou acompanhando crescer. Um tanto de longe, é claro, que ainda não consegui trabalhar menos e manter a vida que tenho. Quanto estou com ele, por algumas poucas horas, me divirto muito. Damos muita risada, por palhaçadas, por cócegas, por descobertas.

Descoberta ele fez hoje, quando saía da escola com o pai. Teria ele olhado para o céu e visto em um ponto a lua. Aquele espetáculo que a lua está dando gratuitamente todos esses dias (e sobre o qual escrevi ontem). Ficou encantado com aquela imagem redonda e brilhante no céu de um dia frio. Tal não foi sua surpresa quanto, em outro ponto do céu, viu o sol - ainda radiante a iluminar o fim da tarde e a beijar a lua com seus raios. Meu sobrinho fico perplexo, maravilhado, extasiado.

Seu encantamento se deu porque ele estendeu os horizontes do seu olhar. Como um Super-Homem, no auge dos seus 4 anos, olhou "para o alto e avante" para descobrir o espetáculo que a Natureza dá a quem tem olhos para ver, a quem tem coração para sentir e mente para compreender a mensagem que a vida dá todos os dias descortinando-se a todo momento. Meu sobrinho viu para longe de si. Viu para dentro de si. Viu-se como parte integrante desse universo que ele também integra. Tenho certeza de que esse menino brilha tanto quanto o sol e ilumina tanto quanto. Olhar para ele é uma dádiva.



quarta-feira, 24 de abril de 2013

Eu, eu mesmo, em qualquer lugar

"Ainda lembro o que passou. Eu, você, em qualquer lugar" - canta Marisa Monte sobre lembranças essenciais. Quando saía do Colégio hoje, depois de mais uma formação de professores, que venho fazendo para os que trabalham no Fundamental 1, me deparei com duas coisas muito legais. A primeira, uma lua, mas uma lua lua. Não era uma lua qualquer, era uma senhora LUA. Cheia, cintilante, radiante, poderosa, um verdadeiro satélite que resplandecia a luz que chega até ela. Já a segunda foi um piscar de luzes piscantes por entre as nuvens que se deixavam arrastar pelo vento frio que arrefecia os corpos dos que tinham os pés no chão.

Belíssimas imagens me remeteram imediatamente à minha infância. Tempo em que olhava pro céu e pensava comigo mesmo coisas das quais um adulto riria. Como diria o Pequeno Príncipe, os adultos são esquisitos; eles não conseguem ver o que nós vemos. Então eu me dava o direito de fazer discursos calados para mim mesmo. O direito de fazer conjecturas sobre o imanente e o transcendente. Sobre o que estava diante dos meus olhos, ao alcance das minhas mãos. Sobre o que estava na minha mente, ao alcance do meu coração.

A lua cheia lembrava as noites de Festa Junina na minha cidade natal, a pequena Janaúba. Amigos, fogueira, calor; milho, pamonha e muitos doces; gente, gente gente. Numa infância que, embora sofrida pelas intempéries que a vida impõe sem muita explicação, respirava a existência com o olhar curioso de menino inocente e desejoso de sorrisos, de companhia, de futebol descalço.

As luzes piscantes que passeavam por entre nuvens movidas pelo vento frio me lembravam as noites em que eu olhava pro céu e (por desconhecer muita coisa até sobre aviões e voos noturnos) imaginava haver discos voadores que bailavam sobre nós constantemente. Como ninguém comentava, eu pensava que via sozinho, como um privilegiado. Mas a gente se ilude muitas vezes - o que não impede que eu continue lembrando o que passou: eu, eu mesmo, em qualquer lugar.

Daqui praí

Que me perdoem a ousadia do título, principalmente, pelo uso do "praí". Sempre vivi a experiência de falar para os outros. Naturalmente, falar para uma pessoa, para duas, para mais. Desde que às vezes dava aula em escolas dominicais de igreja, até quando passei a fazer alguns sermões, passando pelo meu início de carreira como professor, englobando as falas em congressos nacionais e internacionais, até falar para públicos, ora cada vez mais generalistas ora cada vez mais especializados, como tenho feito hoje, enfim, já vai para uns 20 anos que venho falando aos outros.

O praí do título já revela um pouco da autonomia que me concedo para escrever, bem como a certa liberdade que dou aos meus textos quando os faço. Tenho me dado o direito de lançar mão de formas que antes eu considerava inadequadas e inconcebíveis em algumas situações. No entanto, tanto na escrita quanto na fala às forças centrífugas da língua, na medida em que acredito que ao escrever e ao falar, muitas vezes, o conteúdo suplanta a forma de tal sorte que, uma inovação ou um desvio linguístico pode produzir um efeito de sentido interessante.

Falar aos outros tem um pouco disto: querer dar a eles o que se tem de melhor. Elaborar bem o pensamento, averiguar a causa da fala, sua forma e seu conteúdo, a seleção das palavras, a modulação, a extensão do que se vai dizer, do quanto se vai dizer, do como. Enfim, falar aos outros é, em grande parte, falar de si mesmo, de suas crenças, seus procedimentos, suas intenções, seus sentimentos etc.

É, portanto, também falar de si. É impregnar de si um pouco do outro. É querer produzir nele alguns sentimentos, procedimentos e algumas intenções, crenças e tantas outras coisas. Evidentemente, trata-se de uma mão de via dupla, porque à medida em que influencio ou outro (consciente ou inconscientemente), o outro também tem totais condições de nos influenciar. E assim segue o jogo: daí pra cá; daqui praí.


terça-feira, 23 de abril de 2013

Fala

Ney Matogrosso canta uma das músicas mais bonitas da época do Secos e Molhados, banda que ele integrava nos anos 70 e que chegou a vender mais de 700 mil discos - uma marca respeitável. Quem nunca ouviu Rosa de Hiroxima, O Vira, Sangue Latino e O Gato Preto (para ficar apenas nas mais conhecidas)? Mas, para mim, bem particularmente, a música mais significativa é Fala. Segue a letra:

Eu não sei dizer nada por dizer; então eu escuto
Se você disser tudo que quiser, então eu escuto
Fala

Se eu não entender, não vou responder; então eu escuto
Eu só vou falar na hora de falar; então eu escuto
Fala

 É impressionante como nós na escola nos escondemos atrás de uma falsa constatação, ou, no mínimo, uma constatação incompleta, segundo a qual as crianças já chegam à escola sabendo falar. E mais: que isso reforçaria a insuportável argumentação de que ensinamos Português para quem já sabe falar.

Todo mundo, criança, jovem ou adulto, está sempre aprendendo a falar, adequando-se a situações novas, modulando sua voz, escolhendo suas palavras, selecionando vocabulário, associando voz a gesto, melhorando sua pronúncia, controlando a velocidade, regulando a respiração, verificando digressões. Putz! Há tanto que aprender a falar.. Fala

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Ler, escrever, falar e ouvir

Estou aqui há muitas horas lendo sobre ler e sobre escrever. Também estou escrevendo sobre ler e escrevendo sobre escrever. Isso porque, sempre com muito prazer, costumeiramente eu falo sobre ler e falo sobre escrever para pessoas envolvidas no ensino dessas práticas cotidianas de linguagem.

Não foi sem propósito o excesso de repetições no parágrafo anterior. Fico abismado a cada vez que me encontro em uma aula na qual o tema é o ensino de leitura e escrita. Isso se estende, naturalmente, ao ensino de oralidade (fala e escuta) ou de análise e reflexão sobre a língua. Pouca novidade há nas concepções de prática de linguagem.

Há quase 100 anos temos estudos que comprovam o aspecto social da língua. Sabemos que ela é necessariamente social; que ela está a serviço da sociedade, ao mesmo tempo em que a constitui e é constituída por ela. Sabemos também que toda prática de linguagem é situada e, por isso mesmo, envolve ao menos duas pessoas em lugares e tempos determinados, com intenções previamente marcadas, razão pela qual falam o que falam, escrevem o que escrevem.

Todos os textos já escritos, todas as falas já ditas fazem parte de um continuum que atravessa os tempos e encontram eco em certas situações ou enfrentam oposições em outras, mas é tudo um grande fluxo de discursos que sustentam os modos sociais de ser. Nossos filhos e alunos precisam passar por situações (didáticas e adidáticas) que os capacitem a utilizar a linguagem de modo eficiente para que sejam felizes em suas interações pessoais, profissionais etc. Por que, mesmo ouvindo um discurso tão repetido como esse, ainda temos tantos problemas em ensinar e aprender a ler, escrever, falar e ouvir?

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Você sabe como é

"Morando em São Gonçalo, você sabe como é" é um verso da música Pretinha, cantada por Seu Jorge - um artista que aprendi a admirar desde o cinema, quando participou do inesquecível Cidade de Deus. Com sua inconfundível voz e com o gingado que imprime em suas músicas, é difícil não dar atenção à sua arte. Já tive o privilégio de assistir a show dele e, confesso, naquele dia ele estava politizado demais e parecia querer expor todas as críticas possíveis ao governo e a tudo que é responsabilidade social não cumprida. Inclusive ao que ele mesmo critica nesta mesma música Pretinha: "a ponte engarrafou", "o orelhão tava quebrado".

O verso a que me referi remete a um certo conformismo que todos nós, cidadãos, abraçamos devido ao cansaço resultante de tanta indignação contida, de tanto pedido inaudito, do acúmulo de tantos grãos de desesperança. Tem uma hora em que precisamos nos dar conta de que não dá mais pra gente se esconder atrás do "você sabe como é", porque saber como é e não fazer nada (a despeito de certo grau de conformismo) é ser conivente, é ser cúmplice, é ser negligente. Então tem hora em que é preciso parar de parar de agir.

Entretanto, há outros recantos desta nossa vida que querem nos carregar como a folhas ao vento intenso, como água tubulada, como queda de cachoeira, como qualquer coisa que cede à inexorabilidade, que se vê levada para um lugar que nós sabemos qual é, sabemos que é ruim... e sabemos que não conseguimos evitar. Mas é preciso. É preciso parar, assumir o controle, colocar o 'não!' pra fora e retomar o curso da nossa história.

Faltava isso ao meu grande amigo, o FG. Depois de alguns dias, de algumas consultas, de muitos conselhos, ele percebeu que a vida dele estava naquela esteira do inevitável caminho até o estresse severo que iria travá-lo de vez ou descompensá-lo de uma vez por todas. Graças à nossa intervenção, ele reconheceu que precisou parar um pouco. Antes de começar tratamento, foi sábio ao pedir alguns dias de afastamento para descansar, para pôr a cabeça em ordem. Porque, se a gente não parar, você sabe como é.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Reconhecimentos

Sim, sim. Era fato: eu tinha exagerado com meu amigo. Na tentativa desesperada de fazê-lo entender que é preciso aceitar ajuda, dei vazão a um turbilhão de sentimentos que acabaram fazendo um efeito diferente do que eu pretendia. O clima ficou bem pesado, e parecei que estávamos brigando. É assim a linguagem: às vezes parece que ela tem vida própria. Que ela gera ou destrói possibilidades de vida, eu não tenho dúvida. Só não sou capaz de acreditar ainda que ela tenha vida em si mesma.

Mas aquela conversa que evoluiu para discussão, em face da resistência do meu amigo a receber ajuda, acabou resultando no que queríamos depois de alguns dias. Ele resolveu procurar ajuda. Isso foi, na verdade, o resultado de muitos momentos de introspecção e de lento reconhecimento de FG acerca de sua própria condição. Ele sentiu, claro que sentiu, a dureza da minha fala, que caiu sobre ele como uma bigorna na cabeça de quem passa desavisado.

- Eu sei, Ever. Eu sei, meus amigos. Vocês têm razão.

Ainda não me sentia devidamente calmo para falar qualquer coisa para ele. A sensação é de que tinha descarregado um trem de carga sobre ele. Naquele momento, eu preferi me calar. Mas os demais não fizeram o mesmo.

- Você vai fazer o quê, FG? - disse o Poeta, sem perceber que exagerava a rima. Aliás, ele sequer percebia que rimava. Às vezes me pergunto se ele percebe que já automatizou o funcionamento do seu cérebro para expressar-se por rimas.

Alheio a esta minha reflexão, FG, foi lacônico.

- Vou procurar ajuda.

- Da gente?

Não, não era a nossa ajuda que ele iria buscar. O que precisava receber de nós, em maior ou menor medida eu não sei, ele já tinha recebido. Mais explícito e mais intenso, difícil.

- Faz tempo que penso em tentar descobrir a causa de eu não aceitar ajuda e de querer ajudar sempre. Vou procurar um psicólogo.

Cada um de nós, que já tinha tido sua experiência com terapia, passou a mão na carteira em busca do cartão de um terapeuta. Mas foi o mais novo, que mais rápido que todo mundo, sacou o celular, digitou a letra de busca em seu smartphone e já veio com o número pronto. Não deixamos também de passar nossas indicações pra FG, que tomou nota de tudo. Ele finalmente não só reconheceu que precisava aprender a aceitar ajuda, como também a tentar entender porque prefere não ser ajudado.

- Ô, meu, aproveita esse período que você vai entrar em férias. Coloque sua cabeça em ordem, rapaz.

Todos nós nos colocamos à disposição de FG para qualquer coisa que ele viesse a precisar. Como o clima ficou meio pesado, sugeri que fizéssemos a  saideira. Fiz questão de olhar fixamente para FG e de lhe dizer, sem palavras, que o estimava muito, que lhe queria muito bem, que disponibilizava a auxiliá-lo no trabalho, nos estudos, no que quer que fosse. Parece-me que ele percebeu isso. Ao final da saideira, ele me deu um abraço daqueles que superam os discursos convencionais em larga escala. Um abraço de amigo.

Então me pus a pensar a respeito de mim mesmo, para investigar se estou indo para o mesmo caminho de FG, isto é, se estou me encaminhando para o trabalho excessivo ou se busco um equilíbrio no que faço e no modo como distribuo meu tempo cotidianamente.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Ajuda pra pedir ajuda

A conversa daquele dia foi interrompida com um gesto involuntário bastante engraçado para o momento em que estávamos, no calor da discussão, na seriedade do assunto (porque já tínhamos passado dos assuntos corriqueiros de futebol e mulher) e no momento mesmo do nosso encontro ali. Sem mais, sem menos, vimos a cabeça do FG despencar da mão em que estava apoiada. Plaf! Do jeito que lançou-se para baixo, como que tomada de um susto, como um movimento de anzol que fisga sua presa, voltou-se para cima, pendularmente.

- Opa! Pegou um peixe grande!!! - disse, sem muitos pudores o mais jovem de nós, que estava sentado bem à frente do FG. Essa foi a reação espontânea ao pequeno susto que levou com o movimento súbito que presenciou.

- Eita! Quê que eu to vendo aqui?? Ô, FG, vai dormir!

A recomendação do Poeta, mesmo em tom de ironia, um tom jocoso e ao mesmo tempo cuidadoso, tinha muita razão de ser. Meu amigo estava mostrando coisas que não precisavam aparecer em público (o seu extremo cansaço) e estava precisando mesmo pôr seu sono em dia.

Envergonhado, FG se levantou e foi ao banheiro lavar o rosto para poder continuar com a gente o tempo que pretendíamos ficar ali. Dali a pouco voltou ele, com um sorriso meio amarelo acompanhado de um movimento nervoso da mão direita que, sem a menor necessidade real, coçava a nuca. Sentou-se e suspirou. Já havíamos combinado entre nós, que, quando FG voltasse, não faríamos piada do que acabara de acontecer.

- Que acontece, meu amigo? E se isso acontece dirigindo? Olha o perigo!!

- Nada, Poeta. Eu tomo cuidado dirigindo. Aqui é que eu fui relaxando o corpo nessa cadeira confortável. Claro que tem a cerveja na cabeça, mas é que eu apoiei as costas, depois dobrei a coluna, aí encostei a cabeça na mão e, quando vi, já não via mais nada. Nem sei o quanto eu perdi de conversa.

Poucas vezes tinha visto FG dar uma explicação tão detalhada de um gesto. Especialmente um gesto difícil de descrever como este: ceder ao sono. Tomei a palavra:

- Rapaz, fale aí. O que é que está acontecendo com você?

Ele insistiu em dizer que não estava acontecendo coisa alguma. Que estava tudo bem. Que todo mundo estava legal. Que o trabalho isso. Que aquilo e coisa e tal. Mas que ele estava com sono naquela hora. E ainda mandou um "só isso" para tentar tranquilizar a gente.

- Tá dormindo direito em casa, mano? - quis saber o mais jovem.

- Tô sim, tô sim.

- Quantas horas?

Aí a coisa pegou, porque a pergunta não era fácil e talvez o próprio FG não tivesse se dado conta de quanto estava dormindo. Ou deixando de dormir. Demorou, mas veio a resposta.

- Umas 3 horas...

- !!!

- ???

- ...

- Como assim, três horas só? Tá maluco ou quer que a gente tenha dó?

A pergunta do Poeta era um anzol jogado na água de FG. E qualquer que fosse sua resposta para as alternativas que lhe foram dadas, ele se complicaria. Achou logo uma saída:

- Não é nada disso.

- Então, o que é?

- Acho que é acúmulo de coisas pra fazer, pessoal! Só isso...

- Ô, meu!!?? - interpelou o mais jovem - Cê não percebe a doideira que cê tá falando? Como é que é "só isso", se é "acúmulo"? Se é um, não é o outro, rapaz. Acorda!

Ao silêncio de FG diante do golpe certeiro que lhe dera o rapaz, vim em seu socorro e lhe perguntei por que não pedia nossa ajuda.

- Pra não incomodar, Ever.

- Incomodar, rapaz? E você acha que amigo se incomoda de ajudar amigo? Justamente você, que ajuda todo mundo, indiscriminadamente. Ajuda até quem você não conhece. Ajuda até inimigo seu. Ajuda até a quem não lhe agradece. Não mede esforço para ajudar, manhã, tarde, noite, madrugada, você está sempre aí, pronto pra toda obra, enfim, justo você? Não, não entendo.

Não sei o que se passa na cabeça do meu amigo FG, enquanto ele prepara uma resposta para mim, mas sei claramente que este é um daqueles caras que fazem de tudo para ajudar e que têm imensa dificuldade em aceitar ajuda, em pedir ajuda, em ser ajudado. Eu tinha certeza de que já tínhamos pegado pesado com ele até ali. Mas, joguei a última pergunta pra ele:

- Qual é, rapaz? Qual é o problema em ser ajudado? Se acha super-herói? Quer mostrar para alguém que você é mais do que é realmente? Não quer dever nada para ninguém, é isso? Não quer parecer chato ao pedir ajuda? Não quer incomodar os outros ou não quer que os outros se incomodem com você e correr o risco de ser rejeitado ou mal visto por eles? Quer ser sempre o legalzinho que não incomoda ninguém? Está virando egoísta? Acha que ser amigo é uma mão de via única? Acha que amigo não tem prazer em ajudar?

Uma mão no meu ombro me fez parar o interrogatório insano e perceber perplexidade e tristeza no rosto cansado de FG.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Bem preparado

Estava todo orgulhoso o meu amigo. Nós o esperávamos porque ele ia chegar um pouco mais tarde que todos nós hoje, para a cerveja de sempre. Quando amigos se encontram para tomar uma cerveja, quase nunca o mais importante é a cerveja. Antes, o mais importante mesmo é a conversa, é o encontro, é a amizade sustentada e fortalecida, renovada e reconfirmada a cada "causo", a cada piada, a cada bate-papo.

Pois que estávamos no que já seria a metade do tempo que pretendíamos ficar ali, quando, sem mais demora, sobre FG as escadas, com aquele seu olhar curioso que parece um anzol a fisgar tudo o que está a seu alcance. Assim que sua vista foi capaz de nos avistar, seu olhar se lançou para cima, sua cabeça projetou-se para frente, seus punhos se cerraram e se erguerem com os dedos apertando-se contra a palma da mão, num claro gesto de vitória, um gesto inequívoco de que uma grande dificuldade tinha sido superada.

Assim que seus passos nos alcançaram (também pudera: estávamos parados), ele fez questão de abraçar fortemente a cada um, como quem comemora a vitória de um campeonato. Dava pra ouvir em seu coração o grito de uma torcida apaixonada: "É campeão!! É campeão!!

Tomei a palavra antes dos demais amigos e perguntei, sem rodeios:

- E então, FG? De onde tanta alegria, rapaz? - eu quis saber. É lógico que eu sabia, mas não poderia tirar dele o gosto de dizer. E ele não titubeou: respondeu para mim como se estivesse falando para todo o bar. Muitos até baixaram suas canecas para que seus goles não tirassem atenção do que iria dizer meu amigo.

- Pô, meu, cês sabem quanto tempo eu tô lá no meu trabalho?

- Mais de dez, véi - respondeu um dos nossos amigo, rimando, como sempre.

- Então, Poeta, mais de dez anos lá. No começo da semana passada, logo na segunda, o diretor pediu pra mim fazer uma palestra pra todos os colegas, falando de produtividade...

Meu amigo foi interrompido pelo que chamávamos de Poeta - por razões óbvias:

- Pera FG: você disse "mim fazer"?

- Eita, além de poeta, você é professor agora, é? - quis saber meu amigo, com o humor já um pouco alterado. Visivelmente, não concordou com a correção pública que lhe fez o rimador. - Nem quem é professor me corrigiu, rapaz!

Recuperando um pouco do controle, sentou-se e pediu a sua cerveja. Logo em seguida, contou.

- Povo, passei a semana tenso, tremia que nem vara verde, quase não respondi e-mail, telefone e o escambau. Dormi tarde, li tudo que eu tinha em casa e que podia ajudar. Eu pensava todo dia, toda hora naquela situação, na hora que chegasse...

- Fala logo, então! Como é que foi a apresentação?

- Foi 10!!! Na hora que me chamaram, e eu lá no meio do povo, eu respirei tão fundo, que deve ter faltado ar pra alguém. Meu coração eu acho que dava pra escutar a mais de dois metros de mim. Minha mão era engraçada: tava geladinha, mas suava que era uma beleza.

Aqueles sinais eram claros de quem estava muito nervoso às vésperas imediatas de um evento importante. Curioso, o Poeta logo lhe perguntou:

- FG, você é uma peça. Fala: como você saiu dessa?

- Ah, rapaz. Lembrei de uns caras que o Ever vive citando aí, e que eu nem sei quem é. Sei lá, ele fala de um que fala que o segredo de tudo é tentar manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo.

- Não é bobo, não. Aliás, muito esperto. Diz pra nós: deu certo?

- Olha, aqueles metros da minha cadeira até o palco pareciam quilômetros. Mas foi o tempo necessário pra fazer o que o Ever recomenda. Fui respirando, respirando, tentando acalmar o coração e manter a coluna reta. Nem vi como cheguei lá na frente. Liguei o datashow, abri o arquivo, cumprimentei o pessoal é mandei bala.

Elogiável a coragem de FG. Fiquei muito feliz por ele ter se lembrado de algo que aprendera comigo. Não perdi a oportunidade de elogiar - sem rimas, como teria feito o Poeta.

- FG - passei meu braço pelo ombro dele e dei dois tapas nas costas, como costumeiramente os homens fazem quando querem elogiar, e continuei - meus parabéns, cara! Realmente é uma vitória sua, não só a oportunidade de falar para seus colegas na empresa (e isso a pedido de seu diretor!!!), mas principalmente sua vitória sobre o medo, a tensão, o nervosismo etc.

Os colegas iam ensaiando um aplauso descompromissado, quando eu completei:

- Mas, olha, meu amigo: o segredo da vitória nem foi você conseguir acalmar seu nervosismo. O segredo, meu chapa, foi você ter se preparado bem. 

Meu amigo, que chegou orgulhoso, naquela hora radiava.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Amigo é coisa pra se ouvir

- Não, não FG, que tenha trocado socos com meus amigos, não. Nem soquei ninguém, nem ninguém me socou. Que já houve alguns momentos de mal-estar, já. Isso me parece normal nas relações em que se sabe ser fácil ceder, para um ou para outro.

- Aí, já sei. Um acha que tudo bem fazer ou falar, deixar de fazer ou deixar de falar. Acha que tanto faz.

- É isso, meu caro, mas é também justamente por isso que a gente acaba cometendo grandes erros. Justamente por achar que conhece tanto o outro, que se dá o direito de decidir por ele. Não, isso não pode acontecer. Por mais que a gente pense conhecer o outro, nenhum de nós sabe o momento exato que o outro atravessa na hora em que supomos poder decidir por ele.

- Mas às vezes, Ever, tem hora que a gente tá numa enrascada tão grande, que até queria que outro decidisse por nós, né não?

- (...)

- Ih, caramba... é ou não é, Ever?

- Você sabe que naquele momento, que com toda certeza foi um dos mais dolorosos da minha vida, se eu tivesse ouvido o que um desses meus grandes e poucos amigos tinha dito pra mim, hoje muita coisa seria diferente. Mas eu não só sou José, como também sou duro - como relata Drummond no poema José.

- Que que foi, Ever?

- Vou entrar em detalhes, não, FG, que não me sinto bem pra isso. Mas eu tinha todas as razões do mundo para não fazer uma coisa para a qual eu estava impulsionado. E ele me disse: "Não faça isso, que você vai perder a razão".

- E por que você não deu ouvidos a ele?

- O momento que eu vivia não me permitia enxergar de outro modo, mesmo com a verdade esfregada na minha cara. Não sei mesmo se apostei que minha atitude faria reverter a situação, ou se quis chamar atenção de algum modo. Sei que, não dei ouvidos à voz de um dos meus maiores amigos.

Depois de algum silêncio que demonstrava grande incompreensão da minha ação, FG suspirou e perguntou:

- E o que que faltou pra você ouvir?, porque na maioria das vezes a gente ouve os amigos. Falou ele te dar um safanão?

- Olha, FG, ele até chegou a dizer: "Te dou uma porrada se você fizer isso!".

A revelação parece ter assustado as expectativas de FG, uma vez que ele sabe que meus amigos são todos como eu: relativamente tranquilos e pessoas de bem - quer dizer, pessoas que têm sempre em mente o bem do outro e não vivem a planejar o mal alheio.

- E aí?

- Talvez a porrada tivesse surtido efeito.

sábado, 13 de abril de 2013

Contra a ruína dos tempos e o silêncio da distância

Eu não sei mesmo se é verdade que nada dura para sempre. Toda vez que digo isso, me vêm à mente, primeiro, o verso "nothing lass forever" (Guns'n roses); depois: "o pra sempre sempre acaba" (Renato Russo) e, por último "sempre não é todo dia" (Oswaldo Montenegro). Poderiam vir uns tantos outros, que estão aí à disposição para ilustrar nossas falas, para orientar nosso pensamento.

Em geral, essas falas vêm em um contexto de relacionamento amoroso e servem como justificativa generalizada para o final da relação. Entretanto, não estou completamente convencido de que isso se dê em outro tipo de relação: nas amizades, por exemplo. Evidentemente, muitas se rompem inexplicavelmente, em rompantes ou em pequenas fraturas diárias. Mas amizades há em que o tempo não é fator de ruína.

Pensei essas coisas num átimo de segundo quando FG me lançou uma pergunta daquelas que ele sempre faz - perguntas que lembram lanças, setas, flechas que atravessam o pensamento de quem as ouve. Ele quis saber se entre aqueles meus 5  grandes amigos havia um que, distante ou presente, representava uma amizade duradoura, resistente às ações do vento, das águas, das ventanias e das tempestades que às vezes caem como intempéries sobre os amigos.

- E aí, Ever? Responde, meu! Que viajada que você deu agora, hein!

- Rapaz, pensei tanta coisa, que fiquei até atordoado. Pois então, FG. Tem sim. Por coincidência, falei com um desses amigos ontem. Na verdade ele me acessou pelo facebook. A última vez em que o havia visto foi num aniversário. Não lembro mais se foi em aniversário meu mesmo ou de meu casamento. Lembro bem demais da cena de vê-lo entrando em casa, como uma surpresa, daquelas absolutamente inesperadas - porque fazia, no mínimo uns 15 anos que não nos víamos.

- E como é que ele soube do seu endereço e te achou, se nesse tempo das cavernas aí não tinha nem facebook, nem orkut, nem messenger nem nada?

- Isso é incrível. De algum modo, minha mãe o localizou, provavelmente pela lista telefônica. (era uma época em que recebíamos gratuitamente pesadas listas telefônicas em casa).  Depois de atualizarem informações rápidas sobre o destino dele e o meu, minha mãe não perdeu a oportunidade de convidá-lo para vir à festa que eu tinha organizado. Iria como uma surpresa. Apareceria como uma surpresa. E assim foi.

- Legal isso da sua mãe, meu!

- Rapaz, eu não sabia mesmo. A hora em que abri a porta, a aparição lenta dele, que ia se formando a à medida que o vão da porta ia se aumentando, veio crescendo uma série de lembranças de tanta coisa legal que fizemos quando jovens. O abraço que lhe dei deve ter traduzido a imensa gratidão que sinto por ter tido o privilégio de sua companhia. E o abraço que recebi, imagino, teve um pouco esse teor também.

- Bacana, cara. Devem ter conversado um monte.

- Um montão mesmo, FG! Quando adolescentes, se não estávamos na escola, com certeza estávamos em alguma outra atividade. Apesar de estudarmos em escolas públicas diferentes, não perdíamos a oportunidade de compartilhar momentos juntos - ele, eu e uma outra turma suficientemente grande para formar um time de futebol de salão.

- Faziam o quê, naquela época em que ligação telefônica ainda se fazia por orelhão?

- Rapaz, futebol era nossa maior diversão. Jogávamos à noite durante a semana. E jogávamos o dia todo enquanto durasse o fim de semana. Sempre tinha uma partida para disputar - foi tanto que alimentei por muito tempo o sonho de ser jogador profissional. Ah! se chovia, a gente ficava em casa, óbvio... aquela galera inteira disputando longos campeonatos de futebol de botão ou partidas intermináveis de War ou de Banco Imobiliário.

- Meu, que mais, cara?

- Ah, sei lá, FG, não precisa ter muita coisa, não. Aliás, o que menos importava era a quantidade de coisas que fazíamos. A gente se envolvia com os jogos de tal forma, que o tempo passava por nós como bons ventos. O que importava mesmo era estar. Estávamos ali, mesmo sem saber, nos construindo e construindo a cada dia uma amizade que atravessaria a ruína dos tempos e o silêncio da distância.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Por perto nem sempre é perto

Esses dias estive pensando sobre as pessoas com quem convivo, o modo como convivemos, a relevância de cada pessoa para mim, a importância de cada uma dessas amizades. Costumo dizer para mim mesmo - que é para quem essa informação é realmente necessária - que tenho 5 grandes amigos. Pessoas a quem eu posso recorrer a qualquer hora de qualquer dia, com a certeza de que poderei contar com elas. E, naturalmente, vice-versa. Quantas vezes a casa caiu para um de nós e criou a necessidade de um apoio, uma bronca, uma motivação? Muitas.

FG é um desses 5, sem a menor dúvida. Um sujeito com quem tenho o privilégio de conversar sempre que necessário ou sempre que tiver vontade.Ou mesmo, em um encontro não planejado, como aqueles em que ele chega à padaria justamente em um momento em que estou lá. 

Conversávamos sobre coisas assim, e eu lhe dizia:

- Não, FG, não vejo esses caras todos os dias. Tudo gente da nossa idade, recém pós-40. Na verdade, um, apenas um, está mais para perto dos 50 do que dos 40. Tudo gente com seus compromissos profissionais e familiares; gente que tem um tanto de coisas por fazer. Mas sempre que possível, a gente se encontra.

- Pois é, Ever, eu lembro que muito tempo atrás você falou sobre um cara que, com uma proposta, mudou o curso da sua vida. Como é que foi mesmo?

- Ah! Verdade. Eu fazia o segundo ano de Publicidade. Faltava um para me formar. No final do segundo ano, ele me convidou para estudar no colégio dele, onde estava havendo muitos problemas com violência, drogas, furtos etc. Ele queria que eu fosse ajudá-lo a promover algumas ações no colégio para tentar minimizar este problema.

- E cê foi assim, de boa?

- Rapaz, eu não tive dúvida, não. Nem pensei muito em realização profissional, salários, futuro etc. Quis a possibilidade de fazer algo bom para outras pessoas.

- Pô, cara... ouvindo isso alguém pode te achar um idealista ou um babaca.

- Que achem, FG. Nem os que me acham idealista nem os que me acham babaca poderiam, podem ou poderão alterar o que fiz. Naquela época, aos 17 anos, já fazia pelo menos 4 anos que eu me virava sozinho. Trabalhava e ajudava a sustentar minha casa, com minha mãe.

- E aí, meu? Cadê esse amigo tão importante? Não deveria estar sempre perto, já que é tão amigo assim?

- Não, FG. Acho que não. Estar por perto não significa necessariamente estar perto. Próximo. Junto. Sei lá. Quando penso em meus poucos grandes amigos, não deixo de me lembrar dele. Quando vem ao Brasil, a gente faz questão de sentar, tomar uma cerveja, jogar conversa fora, dar risada e reativar a memória de tanta coisa boa que já fizemos quando ainda estávamos entre os 15 e os 20 anos.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Desperta o quê?

É interessante notar como tudo no mundo desperta alguma coisa na gente. Aromas, gostos, temperaturas; valores, tamanhos, pesos; coisas, bichos, gentes. Se a gente ficar bastante atento, será fácil perceber, no quesito "gentes", por exemplo, aquelas que são simpáticas, antipáticas ou apáticas.

Conversava essas coisas com meu companheiro copo e de bate-papo descompromissado, FG. E ele se envolveu no assunto e começou a expandir o conteúdo do que vínhamos falando até aquele momento. Disse, entre outras coisas, haver pessoas cujo olhar, cuja postura, cujas palavras; cujos valores, intenções e pretensões despertam na gente o desejo de não despertar, apagam na gente o desejo de brilhar, esfriam na gente o calor alegria.

- De gente assim eu quero é distância - dizia ele, com um ar de repugnância na voz, o qual se espalhava pelas rugas amontoadas no lado dos olhos, nas dobras da pele ao longo do pescoço ao contraí-lo para baixo - movimento acompanhado pela boca que se arcava para baixo. Um claro sinal de nojo, de repugnância mesmo, causada por gente que parece andar de mãos dadas com a morte.

- Pois é, FG. Isso me lembra o trecho de uma música belíssima do Lenine, que diz "Quando eu olhar pro lado, eu quero é estar cercado só de quem me interessa". E eu quero ao meu lado quem vier contribuir, quem vier para sorrir, ou mesmo para chorar o quanto for preciso para superar qualquer que seja o problema. A gente serve pra isto: pra mostrar que vale a pena seguir adiante; que vale a pena acreditar.

- Então, Ever, a gente tem que se ligar a quem está disposto a dar e receber esperança. É isso que desperta as pessoas.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Da gente no outro

- FG, deixa eu te falar uma coisa muito, mas muito bacana que me aconteceu esses dias, rapaz. - introduzi assim o assunto que eu queria compartilhar com meu amigo naquela mesa de bar. -  É que durante a semana, tive uma experiência marcante. Na verdade, toda semana tem. Acho que sou um privilegiado. E não precisa ser grande para ser significativo. Mas aquela foi. Mal havia terminado de fazer minha proposta, recebi uma resposta direta e interessada:

- Opa! Manda aí, Ever!

- Pois é, FG. Segunda-feira é um dia complicado pra gente no trabalho, porque, apesar de bem importante, é bastante cheio e cansativo. A gente sempre sai de lá quase 21h. Eu vinha chegando quase ao estacionamento, quando me deparei com alguns rostos bem conhecidos, mas que eu já não via há mais de 10 anos.

- Já sei, Ever. Deu aquela disfarçada para lembrar quem era quem, não foi?

- Nada, rapaz. Graças a Deus, tenho essa condição de guardar por um bom tempo o nome dos alunos associados às suas fisionomias. E (acho que aí já é doideira) muitas vezes lembro o número de chamada do aluno, bem como dos colegas da classe.

- E aí, quem era dessa vez?

- Um grupo de meninas, FG, que foram minhas alunas num 2º ano de Ensino Médio. Ensinava Literatura pra elas. O mais legal não foi nem lembrar de vários acontecimentos que marcaram a turma delas naqueles anos.

- Que que foi?

- Uma delas se lembrou que na primeira experiência de apresentação de seminário delas (que foi fraca, porque nunca tinham feito isso na escola de onde haviam vindo), eu fiz um comentário sobre o que foi bom na apresentação do grupo. Preferi não expor as falhas, mas destacar o quanto articularam bem as palavras e o quanto mostraram uma boa dicção.

- Legal, Ever.

- Ela veio revelar isso 11 anos depois. Veio me dizer o quanto aquele (já antigo) gesto foi importante, porque o momento tinha tudo para ser um fiasco, que seria acrescentado pelos meus comentários potencialmente ruins. Mas, por uma iluminação divina, aconteceu diferente.

- E o que mais, Ever?

- Ela falou uma coisa simples, mas tão significativa, FG, que foi a vez de ela me marcar: ela disse que o importante na vida é que a gente carrega marcas das pessoas. Mesmo sem querer, a gente marca e deixa marcas para sempre.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O médico no monstro

Rendeu a conversa com FG a respeito da maldade que algumas pessoas cometem. Sempre dizem que foi no impulso, que foi "sem querer", que não pensaram direito, que isso que aquilo que aquilo outro. Mas, bem particularmente, acho que algum tipo de prazer é despertado nessas pessoas que conseguem ficar bem mesmo depois de infligir o mal, mesmo depois de ver o sofrimento do outro como resultado de uma ação sua.

- Pois é, Ever, isso até me lembrou um negócio que eu ouvi na igreja no domingo passado. Eu não lembro direito o lugar da citação, nem muito bem quem falou a frase, mas eu achei interessante porque ela veio assim, sei lá, reforçar ainda mais esse negócio que eu tô pensando já faz um tempo. No sermão, eu lembro direitinho, foi falado que às vezes o bem que a gente quer fazer, a gente não consegue; e muitas vezes, o mal que a gente não quer fazer, esse sim, a gente faz.  E olha, Ever, isso era fala de um dos caras que seguia Jesus de perto.

- Então, rapaz. Se uma reflexão importante como essa vem da boca de um homem como São Paulo, que passou de perseguidor de Cristo a um de seus mais importantes apóstolos, um dos que mais divulgaram a fé cristã, se vem dele uma frase como essa, o que não poderia dizer um homem "comum", que não tem em Cristo um parâmetro para medir suas ações, seus pensamentos etc.?

Aquelas palavras fizeram meu amigo ficar pensando um tempo, enquanto olhava (sem ver) para algo que nem ele mesmo sabia que estava olhando. Diante daquela cena de estupefação do meu amigo, tomei a palavra.

- Vou te emprestar um livro, FG. É de um autor inglês, R.L. Stevenson e fala um pouco da Inglaterra antiga. Chama-se "O médico e o monstro". Mais do que conhecer um pouco das pessoas e do contexto geral da Inglaterra daquela época, apenas a título de reflexão, vale a pena ver a que ponto pode chegar uma pessoa que abre espaço para cometer maldades contra outras.

Já querendo antecipar o enredo do livro, FG quis saber:

- Ever, já sei, já sei: essa história aí vai falar que mesmo dentro de uma pessoa muito ruim pode ter um médico, alguém que traz vida, é isso?

- Olha, rapaz... - olhei contemplativo para meu amigo... - só tem um jeito de saber.

Tocar o terror

FG acompanha minha carreira de professor há praticamente 20 anos. Como crescemos praticamente juntos, frequentamos, muitas vezes, os mesmos campos, estádios, bares, colégios e outros lugares que a memória já guardou sob a chave do "esforce-se para lembrar". Na época de faculdade, passamos a nos ver menos, naturalmente, mas, como diz Rachel de Queiroz, nenhuma distância ou tempo considerável é capaz de desfazer amizades verdadeiras.

E ele sabia que eu, desde cedo, tinha descoberto o gosto pela leitura. Lia de tudo, tanto os livros técnicos da faculdade, quanto romances, notícias, quadrinhos e quetais. Atualmente, em aula tenho trabalhado com meus alunos a capacidade narrativa, especialmente voltada para a produção de terror, suspense etc. Por isso venho relendo muitos contos de Edgar Allan Poe (O Gato Preto, por exemplo). FG se interessou pelo assunto e num desses nossos bate-papos não-virtuais veio falar comigo a respeito.

- Ever - era como ele invariavelmente introduzia sua fala - lembra que a gente conversou muitas vezes sobre aquelas histórias doidas lá de medo? Daquelas lá que o cara arrancou os olhos do gato, enforcou e depois ainda teve a manha de pegar outro gato que ele ia matar também?

- Lembro, sim, FG. Gostou da história?

- Muito doida, Ever, muito doida, meu! E esse cara aí dessa história ainda ia matar o segundo gato. Só não matou porque a mulher dele tentou parar ele. Coitada. Sobrou pra ela.

- E você se lembra do que aconteceu com ela?

- Como esquecer, Ever!? O cara é o maior doido, meu: o machado que ele ia descer no gato, ele desceu foi na cabeça dela! Muito doido, mano, muito doido! E ainda quebrou a parede e enfiou o corpo da mulher lá pra ninguém ver. E mais: ainda se orgulhou de ter escondido tão bem!

- E por que você está me falando dessa história agora, FG?

- Tava pensando... ... ... Você acha, Ever, que as pessoas fazem maldades porque querem fazer?

Aquelas perguntas dele eram sempre como um golpe no estômago. Tinham sempre o poder de travar minha respiração, meu olhar e todos os meus movimentos numa busca frenética por uma resposta pronta, que nunca vinha. Sob o efeito da pergunta, fiquei assim, paralisado um tempo. Até ir recobrando aos poucos, bem aos poucos, a consciência necessária para responder.

- Rapaz, não consigo dizer que não, viu?

- (...)

- Acho que no fundo, algum tipo de gosto as pessoas têm. Elas podem até não admitir, FG. Mas eu acho que alguma parte bem escondida dessas pessoas deve sentir um gostinho de sobremesa assim na alma quando fazem algum mal. Vai ver elas até nem saibam que têm isso, vai ver que até se desculpem, se arrependam... mas só depois de saborear o prato principal e a sobremesa.

 - Sabe, Ever, eu acho que essas histórias doidas aí, devem ser um monte de coisas que as pessoas até pensam em fazer e que, se pudessem, iam fazer, sabe? Acho que todo mundo tem um tanto de bicho do mato dentro de si mesmo, e que se não tivesse alguma regra de comportamento ia tocar o terror por aí.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Efeito Borboleta

Há alguns termos que têm uma circulação tão grande entre nós, que muitas vezes até nos esquecemos de nos perguntar sobre eles, o que significam o que sentido assumem a cada vez que são utilizados em contextos diferentes.

Houve um tempo em que FG vinha com vários desses termos em nossas discussões. Já passamos horas discutindo coisas tão aparentemente fáceis de definir. Engana-se bem redondamente aquele que pensa ser uma coisa tranquila definir termos como bondade, amor, justiça. Tal é o grau de subjetividade delas que se torna impossível oferecer uma definição sem esbarrar em limitações de nota natureza: religiosa, cultural, econômica ou, numa palavra, social. De outra sorte mas de igual indefinição é a palavra "contexto". Essa, sim, me parece servir para tudo. Inclusive, parece meio descontextualizado utilizar aqui a palavra contexto.

FG me veio com uma dessas para que a gente se colocasse a discutir sobre ela. Sempre que discutimos, não temos a intenção de chegar a uma definição única, até porque já se sabe que nada neste nosso mundo é único, nada é autêntico, nada é absoluto. Nem mesmo as palavas que nós dizemos ou escrevemos. Tudo passa, tudo enfraquece, tudo vira nada um dia. Ou, ao menos, uma vaga lembrança. Para sustentar este pensamento final, lembrei meu amigo de uma música do Pato Fu, em que um pai diz à filha que está chegando a hora de ele se tornar apenas "alguém pra se lembrar".

Pois me veio FG a perguntar entre os chopes que tomávamos:

- Ever, que diabo é o chamado "efeito borboleta"? É só mais uma dessas coisinhas novas que a gente fala por  um tempo e depois some como poeira?

- Olha, FG, não vou eu aqui explicar isso, até porque eu não sei falar, senão superficialmente, a respeito disso. Mas acho que dá pra gente começar uma conversa sobre isso. Tô aqui pensando, por exemplo, nesse acidente com o ônibus no Rio de Janeiro, sabe?

- Sei. Esse que o ônibus despencou do viaduto em cima da Avenida Brasil e matou umas poucas pessoas e feriu outras tantas?

- Isso aí, FG! Quem de nós poderia imaginar que aquele negocinho que o motorista queria resolver chegando mais cedo ao destino fosse determinar tanta coisa, não?

- Eu sei, Ever. Essa pressinha dele fez ele não parar em um dos pontos, justamente onde precisava descer um rapaz que estava atrasado para seu compromisso.

- Pois é: o motorista poderia abrir mão daquilo que na hora lhe pareceu urgente. Ou poderia ter se contentado com um pouco de atraso, afinal, morar em megalópole é quase sinônimo de ficar parado em trânsito por algumas longas horas. Isso teria evitado o acidente...

- Então, mas o carinha que foi bater boca com o  motorista também não podia descer no ponto seguinte e, em vez de discutir com o motorista? Não poderia ter anotado número do ônibus, horário e tudo, para fazer a reclamação na empresa e, ela sim, identificar o motorista infrator e punir o cara?

- Pois, então, FG: quantas pessoas ainda estariam vivas? Quantas não estariam fisicamente íntegras tocando sua vida sendo felizes e fazendo outros felizes? Mas não estão por quê? Você sabe, por exemplo, que uma das três pessoas que morreram estava no Rio de Janeiro casualmente?

- Não.

- Pois bem, um dos passageiros tinha o hábito de ir ao Rio apenas 3 vezes ao ano. Suas chances eram mínimas de ser alvo de uma tragédia... No entanto, como resultado de uma série de pequenas coisas, como resultado da batida de pequenas asas de borboletas... nós chegamos acontecimentos desse porte. Pessoas morrem, ou tem seus sonhos simplesmente abortados como decorrência de um gesto, de uma escolha, de uma ação de alguém. 

- Então, Ever, a gente pode dizer que tudo que existe nada mais é do que o resultado das escolhas que a gente faz? O que fazemos determina parte do que acontece ao nosso redor e dentro da gente?

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Dose

- Rapaz, você viu esse programa Medida Certa do Fantástico, que tem o Ronaldo (Fenômeno) tentando a todo custo perder peso?

Nosso assunto era a preocupação das pessoas em estar numa medida que agrada aos outros. Com sua visão ácida das coisas, meu amigo logo respondeu, na lata:

- Vi, sim, Ever, e é engraçado que ele até pareceu perder uns quilinhos, né? Mas agora, meu, parece que ta tudo gordo de novo, não parece?

- É. Eu tenho essa mesma impressão, FG. Mas me chama a atenção o nome do programa: "Medida Certa". A gente fica tão preocupado com esse diabo de medida certa, rapaz, que até esquece de perguntar: certa pra quem? Certa com que parâmetro? Certa até quando?

FG percebeu minha indignação com o tema, mesmo sabendo que eu sou o tipo do cara que normalmente é regrado e procura fazer as coisas em sua justa medida. Claro que me dou o direito de quebrar as regras de vez em quando, de fazer umas bobagens que estão fora da medida. Mas isso é raro e é mais em instância privada do que pública. Vendo meu semblante se transformando e pondo a boca já na conformação de mais uma resposta ácida em relação àquilo, FG logo tratou de tomar a palavra para mudar o assunto.

- Então... eu fico pensando num monte de coisa que a gente tem de ter como certa, mas que muitas vezes sai errada. Tem hora que sai pra mais, tem hora que sai pra menos.

- Pois é, FG. Pensa numa situação em que alguém precisa corrigir um erro de uma pessoa. Se nessa missão, a bronca for leve demais, provavelmente, não vai surtir efeito, quer dizer, não vai resultar na correção pela pessoa. Se, porém, a bronca for intensa demais, o resultado vai ser ainda pior, porque além de não surtir efeito, a pessoa ainda vai ficar bem (bem) magoada, chateada etc.

Tinha razão o meu amigo. Outra vez. Como sempre, aliás. Emendei outra situação em que é necessário ficar muito atento com  a tão "medida certa".

- Concordo, FG. O mesmo acontece numa discussão entre amigos, entre namorados, entre companheiros de trabalho. Se na hora mais acalorada da discussão um dos dois perder o controle e começar a falar mais do que deve, em volume mais alto do que deve, com agressividade maior que o suportável, muito provavelmente, a discussão já deixou de ser isso e passou a disputa pessoal por território verbal, uma disputa que pode ser mais para os outros do que para os envolvidos na discussão.

Eu não esperava, mas esse meu camaradíssimo me saiu com mais uma pérola, quando me disse:

- Olha, Ever, não são só as coisas ruins, não. Um elogio maior do que se deve fazer, com certeza, vai despertar desconfiança. Uma motivação maior do que deve pode deixar o outro com vergonha e tímido, em vez de deixar o cara mais confiante. Quer dizer: até o que pode ser considerado 'bom', se for demais, estraga.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Ou isto ou aquilo

- Gosta de pichação, Ever?

- Pergunta difícil, FG. Muito difícil de responder, porque tem de se considerar muita coisa pra poder dar uma resposta mais ou menos equilibrada.

- Ih, caramba, não quis complicar... só puxar papo.

- Manda bala, rapaz, e deixa de frescura. Sabe por que eu acho difícil? Porque se a pichação estiver no muro do outro ou da prefeitura, nós olhamos e falamos (se for bonita, é claro): 'nossa, que legal!', 'que criativo', 'que letra interessante que esse cara fez!' etc. Agora, se for no muro da nossa casa, são outras palavras que usamos... e nem tão educadas assim, por mais bonita que seja a pichação, não é?

- Verdade, mas eu só queria um negócio mais simples. Só queria te falar uma frase que eu vi escrita num muro quando ia pro trabalho hoje.

- Legal, FG. A frase te marcou?

- Pra caramba. Tô pensando nela até agora.

- Olha aí um lado super positivo da pichação: dizer o máximo com o mínimo. Mas me diga, rapaz, que que estava escrito no muro?

- "A morte faz parte da vida. Ou será o contrário?"

- (...)

- !!!

- ???

- É... é... 

- Então, Ever?

- Não sei, FG. Nunca pensei nisso, não. Já pensei em várias polêmicas, mas essa daí...

- Nem a história do ovo e da galinha me incomodou tanto?

- Que história, FG?

- A de saber quem nasceu primeiro.

- Ah, mas essa aí, apesar de ser uma discussão muito boa, incomoda menos a gente porque praticamente não diz respeito a nós mesmos. Agora saber se o que vivemos agora são os passos de uma morte que virá certeira, ou saber se a morte que certamente virá é parte integrante da nossa vida toda... aí, sim, é uma discussão muito polêmica.

- (...)

- ???

segunda-feira, 1 de abril de 2013

De grão em grão?

Até a gente chegar em casa depois do feriado foi uma luta. Logo, logo, a paisagem de mar e serra veio se transformando em prédio, prédio e mais prédio - comerciais, residenciais, de toda sorte. Neles entravam muitas pessoas, com as mais diversas roupagens e aparências. O contraste dos que entravam com aqueles que se viam largados nas calçadas próximas aos prédios aguçou o espírito do meu amigo.

- Rapaz, tem tanta gente com tanto, é ou não é? E tanta gente com quase nada!! Será que não tem um meio termo nisso aí, não, Ever? - quis saber meu amigo FG, com uma ponta de tristeza, misturada com indignação. Isso porque nem ele nem eu, e na verdade, ninguém da nossa turma destoa muito, nem para mais nem para menos.

Eu não sabia bem o que responder ao meu camarada ali, não. Isso porque poderia soar como um discurso marxista, de conflito necessário, de mais-valia, de mobilidade social... e eu não estava disposto a isso. Também não queria fazer o discurso religioso, politicamente correto, segundo o qual Deus tem um plano para a vida de cada um de nós, e, por isso, cabe a nós apenas acreditar que tudo está sob o controle de dEle. Muito menos tinha eu a vontade de fazer um discurso revolucionário, propondo um Hobin Hood no Hemisfério Sul.

- Olha, FG, o que eu não sei, meu caro, é se as pessoas que têm tanto, assim como você diz, são realmente felizes. Se a gente puder medir a felicidade pela quantidade de bens que algumas pessoas têm, sim: são felizes à beça aquelas que têm muito. Afinal, têm os melhores carros, moram nas melhores regiões em casas que parecem mansões, estudam nas melhores escolas, viajam aos melhores lugares etc. Mas eu, mesmo aos 44 anos, não estou certo se isso é mesmo sinônimo de felicidade, FG.

Um silêncio longo se abateu sobre a fisionomia do meu amigo. Ele parece ter lido meus pensamentos e visto que essa é uma realidade difícil de mudar. Viu também que era difícil ficar calado, inerte, indiferente, conivente. Era perceptível o salto das veias em sua fronte. Uma irritação contida, um desejo de guerra amortecido pela impotência da falta de armas, conteve FG.

- Sabe que o que mais me incomoda, Ever, nem é essa diferença toda aí, não.

- Que que é, então, FG?

- Meu! Eu ia falar que os que não têm quase nada podem, pelo menos, se deleitar todo dia com uma pequena alegria.

- Ué, mas eu concordo com você, acho mesmo que é melhor ter pequenas alegrias sempre e com sentido, do que ter tudo que se quer e se precisa, assim, de uma só vez, e perder o sentido das coisas.

- Então, Ever, mas será que essas pessoas que nada têm, também não ficam privadas dessas pequenas alegrias?